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Entendendo as Disparidades de Gênero

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2.3 Bullying e Questões de Gênero

2.3.1 Entendendo as Disparidades de Gênero

Bullying é a agressão sistemática direcionada a um alvo por uma pessoa ou por um grupo específico. Muito antes de violência gratuita, quando falamos de bullying também estamos falando de poder. Ter isso em mente é de extrema importância para a análise de situações de bullying, especificamente quando fazemos um recorte de gênero, como este trabalho propõe. Meninos demonstram seu poder através da força física: é a sua imposição corporal que reverbera no seu status. Meninas participam dessa “dança” de maneira mais sutil, calcando sua popularidade (e, portanto, seu poder) através de intrigas, fofocas, destaque social.

Foucault (1995) coloca que:

uma relação de violência age sobre um corpo, sobre as coisas; ela força, ela submete, ela quebra, ela destrói; ela fecha todas possibilidades; não tem, portanto, junto de si, outro pólo senão aquele da passividade; e se encontra uma resistência, a única escolha é tentar reduzi-la. Uma relação de poder, ao contrário se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: que o outro (aquele sobre o qual ela se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como o sujeito da ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, efeitos, invenções possíveis (FOUCAULT, 1995, p.243).

Essa dominação baseada no poder perpassa o corpo, toca a alma e se efetiva através de um consentimento tácito dado pelo individuo que sofre a violência. Agindo a partir da sutileza e/ou do convencimento, toda a resistência que ali nasceria de imediato se dissipa, dando lugar à submissão.

Louro (2010) afirma que a disparidade na maneira de meninos e meninas lidarem com questões de bullying está diretamente relacionada com uma pedagogia dos

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corpos que lhes é imposta desde a mais tenra idade, especialmente nas escolas. Essa pedagogia dá base a uma generificação desses corpos que desde os primórdios são educados de maneira bastante diferenciada. Há construções de masculinidade e feminilidade que coloca em evidência de um lado as questões físicas (jogos, luta, esportes radicais, velocidade, competição, violência) e do outro, questões ligadas à obediência, subserviência, maternidade, delicadeza.

Se olharmos a questão através da dicotomia ciências naturais x ciências sociais, temos o conceito de que gênero é algo socialmente construído, ao ponto que sexo faz referência às características biológicas do corpo. Atualmente, o debate atinge outro patamar: a professora de biologia e pesquisadora das teorias do gênero, Anne Fausto- Sterling (2002) postula que essa divisão está completamente ultrapassada, visto que sexo e gênero devem ser analisados de maneira indissociável e que ambos são construções sociais, utilizando o exemplo das pessoas intersexo, para ilustrar a questão.

Todas essas construções são a gênese da produção de normatividades acerca do feminino e masculino. Ao analisarmos a questão do bullying escolar por esse viés, surge uma variável inesperada: se as meninas são educadas (ou condicionadas) desde tão cedo a papeis de gênero tão específicos que se afastam da violência, como nasce uma autora? Entendendo a escola como um microcosmo social (FACOO, 2009) que evidencia a diversidade cultural presente nas relações sociais fora de seus muros, percebemos que o problema não pode ser analisado de maneira fragmentada, é necessário um olhar complexo sobre a situação.

Como dito no primeiro tópico deste capítulo, no universo de violência entre pares existem três personagens que podem ser distintos ou misturar seus papeis: o/a autor/ra, o alvo e o/a espectador/ra. Fazendo uma breve recapitulação, é importantes termos em mente que o alvo tem um perfil mais frágil, dificuldade de socialização, é tímido e reservado e pouco ou nada reage às provocações. O/a espectador/ra, como o próprio nome diz, é aquele/la que testemunha a agressão, não participando ativamente dela. O/a autor/ra mostra-se desde cedo bastante averso/a às regras, não aceita ser contrariado/a, tem um perfil de liderança (SILVA, 2010). Há uma diferença na forma de agressão das crianças e adolescentes meninos, sendo no primeiro caso observado o uso de violência física em maior predominância, já no segundo a violência começa a acontecer de forma mais simbólica, a partir de ameaças, provocações, insultos ou deboches (BANDEIRA, 2009).

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Ao analisarmos o caso das meninas, não observamos essa mudança: seja criança ou adolescente, o bullying praticado por e contra meninas tem um caráter mais verbal, ligado a xingamentos, geralmente colocando em evidência algum traço físico ou identitário, ou à exclusão social (MENEGOTTO; PASINI; LEVANDOWSKI, 2013). Entendemos que os processos de construção de identidades, relacionadas aos diferentes papeis sociais distribuídos entre homens e mulheres é a base dessa distinção.

Não obstante, soma-se a esse cenário, a maneira como a escola tende a lidar com a questão e suas particularidades. Pereira e Mourão (2005) colocam que a escola constantemente tende a demarcar o que é socialmente esperado de meninos e de meninas. Quando o bullying é provocado por e contra meninos, há uma preocupação em deixar claro que a violência da situação é algo normal que todo garoto vivencia, reafirmando os papeis de gênero anteriormente citados. Já no caso das meninas, além de ser mais fácil de ignorar, tendo em vista que o conflito é muito mais sutil e não deixa marcas físicas, tende-se a remediar muitas vezes culpabilizando a vítima.

Assim sendo, consideramos que a tratativa da escola a essa temática é de extrema importância para o debate acerca do fenômeno bullying. Acreditamos que a base do nosso sistema escolar, a partir de uma lógica disciplinar, simplista e de saberes fragmentados, está diretamente relacionada às questões de violência entre pares. Andrade (2007) pontua que o diálogo, a criação de pactos, o apoio e o estabelecimento de elos de confiança e informação são instrumentos eficazes para diminuir a incidência do bullying nas escolas, algo que só é possível se a escola ultrapassar as barreiras que há entre alunos/as e profissionais da educação.

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