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Entendimentos sobre Gênero

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Capítulo IV: Análise de dados

4. A PESQUISA EMPÍRICA

4.2 As Rodas de Diálogo

4.3.6 Entendimentos sobre Gênero

Conversar sobre gênero se mostrou uma tarefa bastante simples, pois em certa medida todas reconhecem as opressões que sofrem unicamente pelo fato de serem mulheres (independente de se considerarem feministas ou não) e a maioria tem uma elucidação precisa sobre a temática. Como não poderia deixar de ser, algumas trouxeram que o primeiro lugar que sentem o peso da questão de gênero é na instância familiar.

Eu sempre ajeitei a casa quando meu irmão tava lá deitado no sofá e tipo, eu ficava cobrando isso, só que eu vi que não ia adiantar, que eu sempre ia fazer as coisas e meu

irmão nunca ia fazer nada. Eu já falei que isso é errado, já falei que isso era machismo, por que do mesmo jeito que eu tenho que fazer as coisas... Minha mãe, minha mãe trabalha o dia todinho e de noite ela faz o almoço pra vender no outro dia.

Meu pai chega e se ele fizer alguma coisa é besteira. Deita e fica lá assistindo televisão. Se ele vê que mainha ta precisando de ajuda, por que ele não vai? Porque

sempre eu que tenho que ir?(Ângela)

Das sete meninas entrevistadas, só duas participam de grupos (virtuais ou presenciais) de discussão sobre questões relacionadas a gênero: um sobre mulheres gamers31, alguns sobre movimento feminista propriamente dito. Essa experiência se mostrou essencial na medida em que foram se identificando enquanto feministas e se apropriando das discussões acerca de gênero, levando-as a questionar inclusive suas opressões diárias.

31 Pessoas que jogam online.

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Participo de uns grupos virtuais, de meninas que jogam (jogos virtuais). Esses grupos nos fortalecem muito, você que tipo, o que as meninas passam, o que a gente tem que passar... Isso ajuda muito, a gente vê que não é, que a gente não tem que aceitar aquilo.

A gente tem que mostrar a nossa voz, mostrar pra o que a gente veio e tal. Então ajuda muito, de N formas. (...) Enquanto feminista eu vejo que eu não tenho que aceitar o que a sociedade me impõe. Eu posso ser bem mais que aquele círculo em que eles colocam

a gente. Eu posso ser bem mais do que isso. Então eu vejo a diferença em muitas pessoas, quando eu vejo que a mulher se priva muito em relação a algo porque o homem diz isso. E eu vejo que não é bem assim, que a gente não tem que se reprimir

por causa disso. (Maria)

Uma das entrevistadas fez ainda uma fala sobre a época da ocupação e a ligação que ela faz a esse momento de maior entendimento das questões de gênero. Como que ocorressem pequenas e grandes revoluções pessoais, entre pessoas que seriam o estereótipo improvável de viver nesse cenário, e que foi possível graças à metodologia de diálogo conferida nas ocupações de 2016.

A ocupação foi muito boa porque a gente conseguiu influenciar algumas pessoas aqui da própria escola que a gente, mulher, pode sim ta a frente de qualquer coisa que tiver.

A gente pode ta a frente de uma presidência, de um Senado, pode ta a frente de tudo, entendeu? Independente de qualquer coisa. E a gente influenciou muitas meninas que tinham o pensamento assim.(...) Essas minhas colegas que são evangélicas, elas antes

tinham medo de falar, de como elas se sentiam enquanto a religião, do quanto a religião oprimia elas, de quantos familiares também, o que elas não gostavam de vestir

e o que elas gostavam. Elas não falavam! E elas começaram a debater isso em casa, falar o que elas achavam, independente do que vão aceitar ou não vão aceitar. É a voz delas! É o direito delas de falar. Começaram a ter uma visão completamente diferente, começaram a aceitar como elas são, se elas são negras, “vou me aceitar do jeito que eu

sou, negra; eu vou usar meu cabelo afro; eu vou usar coisas que mostrem que eu sou negra, que antes eu não poderia porque eu tinha vergonha de usar”, sabe? Eu acho

muito interessante! (Simone)

Um outro ponto que apareceu com bastante força, de forma especial em uma participante específica, foi o peso que a questão estética traz para as mulheres em

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qualquer ambiente. O peso da pressão no ambiente familiar aparece lado a lado, mais uma vez com as questões de bullying na escola.

- Minha mãe pode não gostar de mim dessa forma, mas quem sabe um dia eu emagreça e faça ela feliz pelo menos um pouquinho, né? (...) Eu chego a olhar no espelho e fico pensando como eu queria ter outro corpo, como eu queria ser magra e minha vida seria

diferente, minha mãe ia gostar e todo mundo ia me respeitar, todo mundo ia me tratar de uma forma diferente.

- Tu acha que te tratam de outra maneira por ser gorda?

- É claro, se fosse, vamos dizer assim... Se fosse uma menina magrinha, mesmo que chamassem na escola de “rata” e tudo, pelo menos eu ia ser magra, eu não ia sofrer

tanto bullying como eu sofro, porque eu sei, mesmo que não falem na minha cara eu escuto de tudo que é lado. Então, é uma forma ali... Porque eu não queria viver assim,

queria o que? Passar pela minha.. Porque eu era magra quando era pequena, eu era muito magra. Eu já sofria bullying porque eu era magra e tinha um bundão, então todo

mundo ficava olhando minha bunda e tirando onda com a minha bunda. Eu acho que eu comecei com 9 anos, tinha um bundão. Ai foi quando cresceu os peitos, com 11 anos.

Ai foi com 11 anos que começou todo mundo a olhar pros meus peitos. (...) Quando era as meninas eu deixava, porque era minhas amigas e tal, agora quando era os meninos é

claro que é uma falta de respeito. Então eu quero me sentir bem com meu corpo, não quero que ninguém me viole de uma certa forma.(Bárbara)

O padrão de beleza, magro e eurocentrado, se apresenta como uma busca impossível para a grande maioria de mulheres do mundo inteiro, bem como uma meta constante desde a mais tenra idade. Para além das questões pessoais de cada menina com seu corpo e sua aparência, há ainda a felicidade vendida como certa e desejável, especialmente através da mídia. Às meninas desviantes desse padrão sobra não se reconhecer nem no plano ficcional, nem na vida real, comparando-se a seus pares.

Eu sempre fico reparando nas meninas que namoram e tal... Elas são lindas, elas são magras! Então de certa forma os garotos vão olhar mais pra elas. (...) Se um menino quisesse tirar alguma coisa de mim seria só os meus seios e colocar numa menina magra. Ai eu penso assim, se um dia eu conhecer alguém ele não vai gostar de mim por

inteiro, ele só vai gostar dos meus seios, no caso do meu corpo. Então eu penso em namorar? É claro, eu penso em namorar. Mas eu também me preocupo porque minha

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mãe fica dizendo “ah, não tire fotos de biquíni, não tire fotos de maiô, não poste fotos no facebook”, ai eu fico pensando nisso e quando aparece alguns garotos no facebook pra falar comigo é claro que eu vou falar com eles normal, mas se ele me perguntar se

eu vou ficar com ele eu digo “vou não porque eu não te conheço”, e eu estou com aquela foto que ta mostrando meus seios. Então, literalmente, ele não me conheceu, ele não gostou de mim daquela forma, ele só gostou do meu corpo. Então eu não quero ter esse tipo de relacionamento, eu quero que eu conheça alguém e se ele gostar mesmo de mim, que ele fique comigo. Que ele não veja meu corpo primeiro, que ele veja a minha

personalidade.

Ainda que através de um duro discurso sobre si própria, apresenta-se aqui também elementos que são as sementes de um pensamento empoderador: “Eu posso não ser o padrão de menina que os meninos desejam, mas isso não vai me fazer contentar- me com qualquer um. Eu quero alguém que goste de mim pelo que eu sou e não por partes do meu corpo”. Atualmente não há como falar de gênero sem falar sobre os movimentos de empoderamentos que estamos vivenciando e conseguimos escutar as meninas também sobre este tópico.

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