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1 – Empreendedorismo urbano como forma de gestão das cidades

Após a crise do Estado de Bem-Estar Keynesiano as economias capitalistas avançadas passaram a buscar novas formas de expansão e valorização para reorganizar as esferas da produção, circulação e reprodução do capital. Neste momento o ideário neoliberal adquiriu relevância política e ideológica ao colocar em prática uma série de reestruturações econômicas e reajustes políticos e sociais.

Theodore, Peck e Brenner (2009), apontam que o neoliberalismo pode ser concebido como um processo de transformação socioespa- cial, no qual se expressa um processo de destruição criativa do espaço político-econômico existente em múltiplas escalas geográficas —regio- nais, nacionais, internacionais— e entre diferentes atores institucionais e econômicos, como os governos municipais e o capital financeiro. Assim, pode-se dizer que as cidades se transformaram em espaços estratégicos para o avanço dos projetos de urbanização neoliberal.

Para os autores a urbanização neoliberal das cidades pressupõe duas tendências: (i) a destruição de configurações urbanas vigentes (como estruturas físicas e regulações institucionais) mediante inicia- tivas reformadoras orientadas ao mercado e (ii) a criação de novas estruturas físicas, modalidades de regulação institucional, bem como novas formas de gestão estatal adequadas à dinâmica de acumulação de capital.

Neste novo padrão de urbanização no contexto neoliberal, as polí- ticas urbanas estão atreladas aos interesses privados e direcionadas a espaços específicos da cidade, tanto para o crescimento econômico orientado ao mercado, como para as práticas de consumo das elites.

Neste entendimento Vainer (2000) apresenta duas representa- ções de apropriação da cidade por interesses do capital. O primeiro modelo de representação, denominado pelo autor de “cidade – objeto de luxo”, pode ser entendido pelo protagonismo do marketing urbano

em diagnosticar as características e os atributos específicos de cada cidade que constituem insumos valorizados pelo capital transnacional, ou seja, cidades com potencial para construção de espaços de conven- ções e feiras, parques aquáticos e tecnológicos, rede de hotéis, resorts e restaurantes de luxo. Neste sentido, o autor entende que a cidade é mais que uma mercadoria, ela é, sobretudo, uma mercadoria de luxo, na medida em que esses empreendimentos são voltados especifica- mente a uma clientela seletiva. Não se quer visitantes e usuários em geral, apenas usuários “solventes”, ou seja, a elite, a classe média-alta e o turismo internacional.

Já o segundo modelo de apropriação representa a cidade como uma empresa, assumindo a função de gestão de negócios e cabendo ao poder público tomar atitudes flexíveis, ágeis, competitivas e capazes de adaptar-se às oportunidades de negócios.

Em certo sentido, a “cidade-empresa” constitui a condição de transposição do planejamento estratégico da corporação privada para o território urbano. Fato que Harvey (2005) denominou de “empreen- dedorismo urbano”.

Para Harvey, o empreendedorismo urbano tem como caracterís- tica principal uma coalizão de interesses envolvendo setores econô- micos nacionais e internacionais e o núcleo central dos governos locais (prefeituras e governos estaduais) através das parcerias público-pri- vada, na qual a iniciativa privada se integra aos governos locais (como as prefeituras e governos estaduais) buscando atrair fontes externas de financiamento, novos investimentos e fontes de emprego.

Porém é importante ressaltar que a atividade de parceria público -privada é especulativa, sujeita a riscos, ao contrário de um desenvolvi- mento planejado, utilizando os planos diretores participativos.

Neste sentido, como o setor privado não pode perder investi- mentos, quem geralmente assume os riscos nessa parceria é o setor público, já o setor privado assume os benefícios.

Além disso, o empreendedorismo urbano enfoca investimentos e desenvolvimento econômico por meio da construção especulativa da localidade (um bairro, um distrito) que possa oferecer melhores retornos econômicos, não alcançando assim a abrangência na região ou no território como um todo (como um município ou uma metrópole).

Seguindo a análise de Harvey, o autor destaca algumas estratégias de desenvolvimento econômico adotadas pelos governos que utilizam

o empreendedorismo urbano como forma de gestão de suas cidades. A primeira se relaciona com a ideia da competição dentro da divisão internacional do trabalho, o que significa exploração de vantagens especificas para produção de bens e serviços. Algumas dessas vanta- gens derivam da base de recursos de uma localidade ou da localização, como dissemos anteriormente. Porém, outras vantagens são criadas pelo investimento público na infraestrutura física e social fortalecendo a base econômica da localidade. Atualmente, dificilmente se vê algum desenvolvimento em larga escala sem que o governo ofereça um pacote de ajuda, seja na construção de estradas, de estádios esportivos ou de centros de entretenimento, sendo posteriormente concedido à inicia- tiva privada por valores irrisórios.

A segunda diz respeito às atividades de controle e comando de altas finanças que requer muito investimento em tecnologia e comuni- cação, necessários para minimizar o tempo e o custo das transações, assim como investimento em mão de obra altamente qualificada e espe- cializada. Embora haja um grande monopólio desses centros finan- ceiros em cidades de países centrais, tais como Nova Iorque, Chicago e Londres, a partir da década de 1990 houve crescimento desse setor em outras cidades, o que incentivou os governos locais a desenvolverem esse setor na disputa pela “sobrevivência urbana” através da inserção competitiva na rede mundial de cidades.

Destacamos aqui outra estratégia que está diretamente relacio- nada com nossa análise sobre os megaeventos e que Harvey deno- minou “divisão espacial do consumo”. Essa divisão diz respeito aos investimentos e valorizações de regiões da cidade, através de inova- ções culturais e arquitetônicas (introdução de estilos pós-modernista na arquitetura e no design urbano) na busca de atração de consumo (shopping centers) e entretenimento (shows e eventos esportivos inter- nacionais). A cidade, neste sentido precisa parecer um local inovador estimulante e seguro para se viver, visitar e consumir.

Nesse contexto, atrair o investimento para sediar os megaeventos esportivos e culturais de caráter internacional faz-se necessário para tornar a cidade um local estimulante e um chamariz para atração de fluxos financeiros e de consumo.

Assistimos na última década, o Brasil aderir mais fortemente a esse processo de gestão pública empreendedora. Para Ribeiro e Santos Junior (2011), as cidades brasileiras surgiram com atrativas fronteiras

urbanas em razão da existência de ativos urbanos (imóveis e infraes- trutura) passíveis de serem comprados a preços desvalorizados e inte- grados aos circuitos de valorização financeira internacionalizados.

Cabe destacar que esta forma de gestão pública coloca-se na contramão do Estatuto da Cidade, que prevê a obrigatoriedade do Plano Diretor, em nível municipal, para definir a função social da propriedade e os limites ao uso privado do solo urbano. E ao contrário, promove e sustenta as alianças de classes conformadas em torno da produção capitalista do espaço.

A emergência de uma governança empreendedorista nas cidades brasileiras possui traços particulares, na medida em que mantêm antigas práticas patrimonialistas de acumulação urbana e de represen- tação baseada no clientelismo. De acordo com Santos Junior e Santos (2012), a coalizão de forças sustentada pela aliança entre o capital imobiliário, capital financeiro, líderes partidários e parte da tecno-bu- rocracia do Estado estão vinculados à determinadas formas de inter- venção nas cidades brasileiras, tais como: reestruturação de áreas centrais, promoção de megaeventos, urbanização de favelas, turismo imobiliário, entre outros.

2 – Empreendedorismo urbano: O caso da cidade