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Unidades Pacificadores Policiais e Circulações

A principal intervenção no campo de segurança pública para os megaeventos esportivos em termos de investimento, ruptura de para- digma, visibilidade e impacto são as Unidades Pacificadores Policias (UPP). O crescente campo de estudo exclusivamente dedicado a elas indica que o temático das UPPs é complexo demais para entrar em muitos detalhes aqui. (Forum Brasileiro de Segurança Pública 2012; Frischtak and Mandel 2012; “O Futuro Da UPP: Uma Política Para Todos?” 2010; Rodrigues and Siqueira 2012; Freeman 2014; Gaffney 2012; Prouse 2013; Carvalho 2013). Pretendemos analisar a implemen- tação das UPP conforme nossa hipótese acima delimitada.

Lançado em 2008, logo depois da realização dos Jogos Paname- ricanos no Rio de Janeiro, UPP é uma força policial da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) que atua exclusivamente nas favelas por ela pacificadas. O processo de “pacificação” (um termo que vem da época da colonização portuguesa que se deu a um território onde não haverá mais resistência indígena) é liderado pelas tropas do Batalhão Operacional da Policia Especial (BOPE), hoje considerado umas das forças mais bem treinadas em guerra urbana no mundo. Os comandantes da PMERJ anunciam a ocupação iminente de uma determinada favela, dando tempo aos traficantes fugirem com suas armas para que não haverá conflito armado no momento de pacifi- cação. Tipicamente as intervenções madrugais não demoram muito para ocupar um território no alto da favela, onde está estabelecido um quartel geral da UPP.

Dado as relações de confronto e conflito armado entre a policia militar e os moradores das favelas no Rio de Janeiro, quaisquer inter- venção da policia carrega dificuldades historicamente situadas. A notória corrupção da PMERJ e a extrema violência praticada por seus agentes são caraterísticas que também se impõem sobre o projeto das UPPs (Amado and Serra 2013; Batista 2011). Embora que as UPPs tenham tido efeitos positivos em termos de índices de homicídio e as possibili-

dades de ir e vir para residentes (Forum Brasileiro de Segurança Pública 2012; Frischtak and Mandel 2012), ainda existe os velhos problemas de corrupção (Araújo 2012), falta de transparência na gestão (Bastos 2011; de Almeida 2013), ligações entre os PMs e o tráfico de drogas (Costa and Barros 2012), desaparecimentos de moradores (Carpes 2014), arbi- trariedades e a falta de garantia de acesso ao direitos humanos (Prouse 2013; Soares 2014; “Muito Além Da UPP” 2011).

Não pretende entrar aqui no debate aquecido sobre as UPPs, mas sim pensar nesta intervenção como uma táctica de superar limites geográficas à acumulação de capital e de controlar circulações. Concor- damos com Dillon e Lobo-Guerreiro quando dizem que, “circulação em si já emergiu como um espaço de segurança e uma forma de poder; uma força gerador de vida; uma projeção informática; uma oportunidade para a acumulação de capital” (Dillon and Lobo-Guerrero 2008, 6).

A relação entre as favelas e a cidade sempre foi de exclusão e marginalização econômica (Perlman 1980, 156–161). Mesmo com o crescimento econômico na cidade e no país, nos primeiros anos do século XXI, havia bloqueios às circulações económicas nas favelas. Embora que havia um bloqueio socialmente determinado em torno das favelas cariocas que não permitisse sua integração político e social com a cidade (refletido nas metáforas de uma “cidade partida”), desde a década de 1980 um dos principais bloqueios era a forte presença do tráfico de drogas (Carvalho 2013, 289–292). O tráfico controlava as vias de acesso às favelas e vigiava o movimento de pessoas através dos aviões, meninos e adolescentes que soltavam pipas e ficavam de olho para os chefes. A presença dos traficantes nos morros proibia o desen- volvimento de uma robusta economia que não fosse ligado às drogas. Uma das razões para a falta de circulação de capital foi a constante ameaça de violência, ou entre diferentes fações de tráfico, ou entre a polícia e os traficantes. Também existia violência entre os traficantes da mesma facção. Todas essas dinâmicas foram piorando ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000. Até a intervenção das UPPs, não havia dinamismo no mercado imobiliário (por falta de circulação de capital) nas favelas nem uma circulação de pessoas que não foram ali residentes. Para resolver os problemas de violência e a perda de terri- tório controlado pelo o estado, a UPP virou uma espécie de “crença fetiche... um fix tecnológico ou espaço-temporal para cada problema que o capital enfrenta” (Harvey 2010, 158).

Se pensarmos na implementação das UPPs como uma tecno- logia para superar barreiras à acumulação de capital, a observação do Harvey que as leis coercivos de competição demandam que corpora- ções e estados buscam, “vantagens conferidos pelo comando superior sobre espaço e tempo e por meios tecnológicos. Superioridade em cada campo gera benefícios econômicos, políticos e militares” (Harvey 2010, 158). O Rio de Janeiro possui mais que 900 favelas, mas até a Copa do Mundo só 39 foram pacificadas. Quase todas essas estão dentro dos chamados anéis olímpicos e há uma literatura robusta que indica que essa estratégia territorial de implementação é fartamente voltado para os interesses de capital e para garantir a infraestrutura dos megaeventos esportivos (Gaffney 2012; Bianchi 2104; Mendes 2013; Moraes 2013; de Paiva 2010).

Por que as favelas ocupadas são têm dinâmicas geograficamente, socialmente e economicamente situadas é bastante difícil generalizar sobre os efeitos de pacificação. Mas tomado alguns exemplos da lite- ratura recente vemos que a instalação das UPPs resultou numa modi- ficação significativo na circulação das pessoas, turistas, carros, motos, dinheiro, imagens, culturas, materiais nas favelas ocupadas.

Dado as dificuldades de acesso nas favelas cariocas nos morros, o moto táxi e um meio de transporte bastante utilizado pelos mora- dores para chegar aos seus lares. Mas no regime dos traficantes o moto táxi também funcionava como elemento de controle sobre os morros é virou um símbolo de poder e um fetiche de consumo. Nas favelas de Chapêu-Mangueira e Babilônia, a UPP começou desde sua imple- mentação exercer controle sobre os meios de transporte, sobretudo os mototaxis. Com a chegado dos agentes do estado, os moto taxistas passaram para um processo de regularização do serviço que implica custos extras e gerava conflitos com os “novos donos do morro” (Resende and Ansari 2012).

Conforme um estudo que abrange várias favelas pacificadas, a instalação da UPP inevitavelmente substitui o mercado informal com mais formalidade, confirmando a tese do Harvey sobre a intolerância de modos de vida não-capitalistas na conjuntura atual. Nestas favelas recentemente pacificados, vemos a “substituição de práticas informais de acesso a serviços, em especial destaca a utilização de...mototaxi como transporte público alternativo, os serviços de entrega de gás de cozinha e de fornecimento ilegal do sinal para TV a cabo e internet...

com a entrada da UPP...os serviços ilegais de internet e de TV foram suspensos...” (Carvalho 2013, 301). Sabe-se que antes de entrar em falência, o empresário Eike Batista deu R$20 milhões por ano ao programa UPP. Na ocupação do Complexo do Lins em Outubro de 2013, a empresa Sky TV acompanhou a subida do BOPE, oferecendo no mesmo dia da ocupação assinaturas para moradores (Werneck 2013). A articulação entre interesses de capital e a atuação do estado nas favelas é bastante evidente.

Em favelas localizadas nas zonas mais nobres da cidade com vistas pelo mar e acesso ao mercado de trabalho, bens ambientais e cultu- rais, vemos um “aumento da circulação de pessoas que não moram nas favelas. Agentes do Estado, empresários, pesquisadores, e, even- tualmente turistas figuram entre as personagens que passaram a estar mais presente no dia a dia” (Rodrigues e Siqueira 2012, 18).

No que diz respeito a circulação de moradores no interior das favelas, vemos “a manutenção dos mesmos fluxos de circulação exis- tentes antes da implementação da UPP” (Rodrigues and Siqueira 2012, 19). Em favela maiores com circulações aumentadas como Vidigal e Rocinha, as pressões imobiliárias decorrentes ao processo de pacificação estão fazendo com que os moradores de baixa renda estão substituídos por moradores mais ricos. A população da favela também está crescendo (Cummings 2013). Estima-se que entre 2008 e 2011 a implementação das UPPs estimulava um crescimento de 15% no valor de propriedades formais da cidade (Frischtak and Mandel 2012, 29). Este aumento é além dos aumentos inéditos nos preços dos imóveis nas favelas que chegaram até 400% a mais do valor antes da pacificação (O Globo 2010).

Nem a integração espacial com a cidade fora da favela nem o acesso no interior da favela são iguais para todos os moradores. As tentativas do Estado construir teleféricos em favelas pacificadas é consistente com a introdução de projetos de mobilidade associados com PAC I e PAC II. Estas intervenções parecem atender as demandas percebidas e não dos residentes. A construção dos teleféricos é clara- mente uma tentativa de estimular e controlar certos tipos de fluxos, abrir oportunidades para as grandes empresas gerar lucro (“Rocinha Ganhará Teleférico Em 2012” 2010; Nogueira 2014) e servem para diminuir a população residente ao mesmo tempo em que abrem mais espaço para o comercio (Freeman 2014).

A UPP pode ser considerada uma tentativa ousada de interferir numa situação de estagnação estratégico através de uma tecnologia de biossegurança. De fato, as dinâmicas das circulações nas favelas ocupadas e nos seus entornos mudaram muito, mas ainda não se sabe se o Estado é capaz de medir, gerenciar ou controlar as. Por exemplo, embora que não houveram grandes confrontos durante a Copa do Mundo, desde então o Complexo do Alemão tenha sido um lugar de constantes tiroteios. A volta desta guerra territorial tinha se restringido as circulações da região, cancelando escolas públicas e fechando o tele- férico. Ainda estamos longe de uma solução dos antigos problemas e “pensar as modificações na circulação de pessoas como consequência do cessar-fogo não é suficiente para avaliar se houve algum avanço na dissolução do drama da ‘cidade partida’” (Frischtak e Mandel, 2012,19).