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Empreendedorismo Urbano no contexto

dos megaeventos esportivos: impactos no

direito à moradia na cidade do Rio de Janeiro

Demian Garcia Castro

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Patrícia Ramos Novaes

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Introdução

Na última década, o Brasil emergiu no cenário mundial como importante competidor a sediar os megaeventos esportivos. Desde então, tem sido propagado pela grande imprensa, pelos governos e analistas políticos a importância do país receber estes eventos como possibilidade de ampliação dos investimentos em infraestrutura urbana nas cidades, o que resultaria em um legado de benefícios para a população. Além disso, a visibilidade internacional, que esses eventos garantem, faz com que os megaeventos esportivos sejam alardeados como “janelas de oportunidades” as cidades sede.

Dentre as cidades brasileiras, o Rio de Janeiro adquiriu destaque nesta competição. Por várias vezes, a cidade foi candidata a sediar estes eventos, porém só no ano de 2007, foi eleita a receber a Copa do Mundo em 2014. Após dois anos, em 2009, foi eleita a sediar os Jogos

Olímpicos em 2016.3

Desde então, a cidade vem sendo preparada para receber esses eventos, através de uma série de projetos de reestruturação urbana,

1 Professor de Geografia do Colégio Pedro II, pesquisador do Observatório das Metrópoles e

doutorando em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

2 Pesquisadora do Observatório das Metrópoles e doutoranda em planejamento urbano e

regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ.

3 Cabe ainda lembrar uma série de outros megaeventos que a cidade sediou entre os anos de

2010 e 2013: Fórum Urbano Mundial, 2010, Jogos Mundiais Militares em 2011, Rock in Rio em 2011, Rio +20 em 2012, Copa das Confederações em 2013 e Jornada Mundial da Juven- tude Católica em 2013.

tais como: construção e implementação de novos serviços de trans- portes e vias urbanas; urbanização de favelas; construção de equipa- mentos esportivos, assim como a readequação dos equipamentos já existentes, conforme o padrão da Federação Internacional de Futebol – FIFA, como é o caso do estádio Jornalista Mario Filho (popular- mente conhecido como Maracanã).

Além destes projetos, vale lembrar os investimentos na construção de uma imagem de ordem urbana, com a criação da Secretaria Espe- cial de Ordem Pública (SEOP) e em segurança pública com a implan- tação em algumas favelas das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Todas essas intervenções vinculadas à preparação da cidade para receber os dois megaeventos esportivos estão concentrados priorita- riamente em três áreas da cidade: Zona Sul, Centro (principalmente área portuária) e Barra da Tijuca. Nota-se que nestes espaços vem ocorrendo intenso processo de valorização, justamente pelos investi- mentos recebidos.

De acordo com levantamento feito neste artigo, a partir dos dados

do índice FIPE/ZAP4, alguns bairros do centro da cidade chegaram

a valorizar mais de 300% entre os anos de 2008 e 2014. Neste mesmo período, em alguns bairros próximos a área onde está sendo cons- truído o Parque Olímpico, na região da Barra da Tijuca, a valori- zação chegou a mais de 200%. Já na Zona Sul, a valorização de maior destaque foi na favela do Vidigal que atingiu mais de 400% durante o mesmo período.

Por outro lado, nota-se, também, nestas áreas intenso processo de saída da população de baixa renda. Isto vem se dando tanto pela polí- tica de remoções promovidas pelo poder público, quanto pela própria dinâmica do mercado que aumentou progressivamente os custos de vida nestes espaços da cidade.

Nota-se que este processo de valorização de determinados espaços na cidade – através do efeito do mercado que foi estimulado por inter- venções púbicas de reestruturação da cidade – seguida de expulsão da população de baixa renda não é um fenômeno tipicamente brasileiro, pois já foi observado em diversas cidades. Alguns estudos (BIDOU-

4 Índice de preços de imóveis produzido pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas

(FIPE) tendo como sua base principal de informações os anúncios imobiliários ofertados no portal ZAP <http://www.zap.com.br/>. Um dos problemas desse tipo de fonte é a distância entre o preço ofertado e o preço transacionado, entretanto podemos intuir que a evolução dos dois preços, no médio e longo prazo, possua tendências parecidas.

ZACHARIASEN, 2006; HACKWORTH, 2007; SMITH, 2006; JANOS- CHKA et al., 2013) apontam esses processos em cidades como Londres, Nova Iorque, Barcelona, Cidade do México e Buenos Aires.

De acordo com Smith (2006), até os anos de 1990 essa era uma realidade identificada em cidades do capitalismo avançado, a partir deste período passou a ser uma realidade mundial e tendo na figura do Estado, das empresas ou das parcerias público-privadas, os agentes da transformação urbana.

Para entender esses fenômenos é necessário levar em conta que estamos diante de um novo padrão de gestão pública das cidades, caracterizado por David Harvey como empreendedorista neoliberal. Harvey (2005) desenvolve a ideia de que estaria ocorrendo uma “reorientação das posturas das governanças urbanas” adotadas a partir dos anos de 1980 nos países capitalistas avançados. De acordo com o autor, a abordagem ‘administrativa’, característica da década de 1960, estaria dando lugar a ação ‘empreendedoras’ (HARVEY, 2005, p. 167) que está associada a adoção dos princípios do neoliberalismo no âmbito local.

Este novo padrão é caracterizado, entre outros elementos, por uma coalizão de interesses fundada na noção de parceria público-privada, envolvendo grandes grupos econômicos nacionais e internacionais e o núcleo central dos governos locais (prefeituras e governos estaduais), buscando e atraindo fontes externas de financiamento, além de novos investimentos diretos.

Esse modelo de gestão privilegia intervenções em partes especí- ficas da cidade que são capazes de atrair investimentos e alavancar o desenvolvimento econômico. Neste sentido, entendemos que os megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro são a expressão de um projeto urbano de reestruturação da cidade e da adoção desse novo padrão de governança empreendedorista, sustentada por uma coalizão de interesses econômicos, políticos e sociais.

Diante destas questões, o presente artigo possui como objetivo discutir os impactos no direito à moradia na cidade do Rio de Janeiro decorrentes tanto da adoção de uma gestão empreendedora, quanto das atuais transformações urbanas implantadas no curso dos megae- ventos esportivos.

Para isto, iniciamos nossa análise discutindo a emergência do padrão de governança urbana empreendedorista. Em seguida discu-

timos como ela foi sendo implantado na cidade do Rio de Janeiro, desde o início da década de 1990. Por último, analisamos como esta gestão empreendedora vem impactando no direito à moradia na cidade do Rio de Janeiro, na medida em que promove processos de remoções e elitização, contribuindo para a relocalização dos pobres na cidade.

1 – Empreendedorismo urbano como forma