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Christopher Gaffney

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Os debates sobre direitos humanos, as condições da democracia brasileira, o direito à cidade e livre associação no contexto dos megaeventos esportivos giram em torno da segurança pública. As sucessivas ondas de megaeventos esportivos e grandes acontecimentos culturais que estouram na cidade do Rio de Janeiro sempre trazem consigo novas demandas, riscos e arranjos de segurança pública. Como o epicentro mundial na produção destes eventos o Rio de Janeiro vem sofrendo mudanças na escala, forma e mandato das suas forças de segurança pública. Os impactos sobre a população e o território são justificados pela realizadores dos eventos como uma parte inevitável do espetáculo. Mas como um tsunami reconfigura o relevo costaneiro, os efeitos posteriores dos grandes eventos são duradouros nos meios urbanos, sociais, espaciais e políticos.

O tema de segurança pública numa região metropolitana como Rio de Janeiro é de uma complexidade tão grande que é difícil de achar um ponto de partida para uma discussão. Pressupõe-se um conheci- mento dos arcabouços, culturas e histórias institucionais das forças poli- ciais. Para apresentar uma panorama mais completa também é preciso ter um conhecimento das condições atuais de (in)segurança na cidade (Cano e Duarte 2012; Carvalho 2014), os projetos associados aos megae- ventos na escala nacional (Secretário Extraordinario de Segurança para Grandes Eventos 2012) e a trajetória das politicas públicas de segurança (Soares 2006). É claro que não cabe aqui discutir todos estes temas, mas eles ficam como um pano de fundo para nossa discussão (também vê: de Oliveira 2013; Ashcroft 2014; Batista 2011; Forum Brasileiro de Segurança Pública 2012; Palermo 2013).

A hipótese para ser explorado aqui é que as intervenções recentes no campo de segurança pública no Rio de Janeiro são elementos chaves para incrementar e concentrar o que Foucault chamou de “biopoder”(Foucault 2009). Biopoder não é um objeto para ser estu- dado em si mas é um “ensemble de tecnologias de poder preocupados com a produção governamental e gerenciamento de espaço territo- rial” (Rose-Redwood 2006, 470, traduçaõ nossa). Dentro do campo maior de biopoder, as questões de bio-segurança articulam com outras formas de governança - são técnicas e tácticas governamentais para medir e controlar circulações. Bio-segurança é uma prática que, “está preocupada com a optimização e facilitação das circulações que faci- litam a vida” (Barker 2014, 1, tradução nossa). Lógico, as práticas de bio-segurança são socialmente construídos para atender as circulações também socialmente contingentes.

Segundo Foucault, a questão de circulação é fundamental para entender a acumulação e exercício de poder. Porque capital é uma relação de constantes fluxos e intercâmbios (Marx 1981, 188–244) e porque modos de viver que não são baseados no mercado ou no capi- talismo são “barreiras à circulação da acumulação de capital” (Harvey 2010, 69–70), o aparato de segurança pública funciona para: 1) criar novas geografias urbanas de consumo 2) garantir as circulações dos bens, pessoas, informação, etc. que geram e internalizam as demandas efetivas internas do capital (Harvey 2010, 112).

Baseia-se essa hipótese no suíte de intervenções que precedem, atuam durante, e permanecem depois dos grandes eventos espor- tivos. Em geral, as intervenções estão efetuadas para aumentar, medir e controlar circulações na cidade-sede do megaevento (Fussey 2014). Como os eventos são totalmente voltado para a acumulação de capital em suas variadas formas, supomos que todas as intervenções feitas em prol dos megaeventos servem o mesmo fim. Os aeroportos estão ampliados e modernizados para permitir que mais pessoas passem por eles. As novas linhas de transporte estimulam e direcionam os fluxos das pessoas e bens. Os bloqueios de ruas e escoltas armadas facilitam a circulação de VIPs e delegações ao mesmo tempo em que limitam as circulações cotidianas dos moradores. Os investimentos em fibra ótica e telecomunicações estimulam e direcionam os fluxos de informação, etc.

Embora que várias técnicas governamentais são implementadas para levar ao fim estas intervenções no espaço urbano, o evento em

si depende de um alto nível de controle espacial e social em múlti- plas escalas. É neste sentido que o matriz de segurança instalado para gerenciar as circulações de tantos atores em espaços e tempos difusos é difícil, se não impossível, de mensurar ou explicar em sua totalidade.

Para entender melhor as principais mudanças no campo de segu- rança pública para os megaeventos esportivos de uma perspectiva de bios- segurança, explicaremos brevemente a situação de segurança pública na cidade do Rio de Janeiro. Nos últimos anos, em prol dos megaeventos esportivos, o Rio de Janeiro sofreu com intervenções pesadas e seletivas que aumento a presença do estado em áreas estratégicas.

Ao seguir, discutimos três tipos de intervenção na cidade do Rio de Janeiro efetuados em prol dos megaeventos esportivos. Come- çamos com uma discussão das Unidades Pacificadores Policiais como um processo de abrir novas geografias de consumo e de controlar e medir circulações nas favelas pacificadas dentro dos chamados anéis olímpicos. Num segundo momento, nosso análise tratará de dois inter- venções tecnológicos. O Centro Integrado do Comando e Controle do Estado do Rio de Janeiro (CICC/RJ) e o Centro das Operações do Rio de Janeiro (COR) são instalações que agregam informações sobre a cidade para melhor vigiar, mesurar e controlar as circulações. Foi através destes pontos de comando e controle que as forças poli- cias foram atuados durante a Copa do Mundo. No terceiro momento, examinaremos as técnicas e táticas implementadas para controlar o movimento e fluxos das pessoas durante a Copa do Mundo nas ruas no entorno do Maracanã, símbolo máximo carioca deste nova para- digma urbana de consumo.