• Nenhum resultado encontrado

2 – Empreendedorismo urbano: O caso da cidade do Rio de Janeiro

A partir do exposto podemos entender que o que está por trás das disputas e competições entre cidades e países para sediar os megae- ventos é a promoção da dinamização econômica e a redefinição das suas imagens no competitivo cenário mundial. Para isto, de acordo com o discurso hegemônico, seria necessário uma gestão empreende- dora da cidade, baseada na coalizão de forças entre poder público e iniciativa privada.

Para entender como esse processo vem ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro é importante ressaltar que, desde 1993, a cidade vem recebendo sucessivas administrações municipais que, de alguma forma, apontam para com esse caráter empreendedor.

O primeiro expoente dessa forma de gestão foi o prefeito Cesar Maia que governou a cidade por 12 anos em três mandatos (1993-1996, 2001-2004 e 2005-2008) e influenciou na gestão de Luiz Paulo Conde (1997-2000), que havia sido seu secretário de urbanismo. Já o atual

prefeito, Eduardo Paes, mantém essencialmente as mesmas orienta- ções e práticas políticas dos seus antecessores.

Na primeira gestão do prefeito César Maia, foi elaborado o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro – PECRJ, cujo consórcio mantenedor era composto por empresas e associações empresariais e dentre as atividades estavam a contratação de uma empresa catalã para assumir a direção executiva da elaboração do Plano. O objetivo de contratar os catalães era a experiência das transformações reali- zadas em Barcelona, em virtude da realização dos Jogos Olímpicos em 1992. De acordo com Vainer (2000) o PECRJ foi conduzido pela prefeitura e empresas de maneira absolutamente autoritária e fechada à participação popular, podendo ser visto como o marco inicial do modelo de gestão empreendedora neoliberal.

Fazia parte deste plano estratégico, lançar a candidatura da cidade do Rio de janeiro à sede olímpica para os Jogos de 2004. A cidade não foi eleita e sua candidatura novamente foi lançada, visando sediar os Jogos de 2012. Assim, com o objetivo de preparar a cidade foram realizadas obras urbanísticas, tais como a construção da Cidade da Música (posteriormente rebatizada de Cidade das Artes), do teleporto no bairro da Cidade Nova, do obelisco no bairro de Ipanema, entre outros. Mais uma vez a cidade não foi eleita.

No entanto, no ano de 2007 o Rio de Janeiro sediou os Jogos Pana- mericanos, certamente um evento de menor porte, mas que indicava uma direção da política urbana para a realização de grandes eventos. A realização do Pan-2007 levou a uma reformulação do plano estratégico para atender às exigências do evento, tais como a construção do Estádio Olímpico João Havelange (Engenhão), do Complexo Esportivo Cidade dos Esportes (constituído pelo Parque Aquático Maria Lenk, a Arena Olímpica do Rio e o Velódromo da Barra) e da Vila Panamericana.

Ao fazermos uma breve avaliação do impacto social dos Jogos Panamericanos para a cidade do Rio de Janeiro, percebemos que seu processo foi marcado por problemas como extrapolação do orçamento inicial, conflitos com remoção de moradias populares e baixa utili- zação do legado de infraestrutura para a população. Percebe-se que o investimento público foi basicamente em reformas de dez instalações esportivas já existentes na cidade e a construção de quatro novas insta- lações, além da construção de habitações que serviram para abrigar as delegações esportivas e a imprensa. Cabe entender quem se benefi- ciou com esses investimentos.

O valor estimado no momento da pré-candidatura era de 390,15 milhões de reais, porém ao final do evento foram computados cerca de R$ 3,5 bilhões, sendo o mais caro de todos os Panamericanos. (OLIVEIRA, 2009). Outra discrepância foram as participações financeiras entre os setores público e privado. A justificativa para as parcerias público-privadas era o papel essencial do empresariado no financiamento das obras. Porém, foi demonstrado que o governo federal contribuiu com 44,7% e o governo municipal com 33,8%. Já o governo estadual e o setor privado tiveram menor participação. Especula-se que este último tenha contribuído com apenas 4,3% do total de financiamento para o evento (OLIVEIRA, 2009).

O que nos chama mais a atenção foi a apropriação privada da infraestrutura urbana criada basicamente com os recursos públicos, de acordo com percentuais mencionados acima. Após o evento alguns equipamentos esportivos construídos foram cedidos a concessionários privados e por isso fechados para uso público e outros estão inutili-

zados desde a finalização do evento (OLIVEIRA, 2009).5

Não é de se estranhar que a área da cidade mais beneficiada com o volumoso investimento, que frisamos ser em maior percentual do setor público, foi o bairro da Barra da Tijuca, um dos mais nobres da cidade. A Barra da Tijuca abrigou mais da metade das modalidades olímpicas, o centro de transmissão dos jogos e a Vila Panamericana. Seis das 10 instalações nesta região foram construídas especialmente para o evento.

Isto mostra a aliança feita entre governos municipal, estadual e federal, o Comitê Olímpico Brasileiro – COB, grandes empresas de construção civil e proprietários de terra. O exemplo da Vila Panameri- cana é bastante emblemático, na medida em que foi construída quase totalmente com investimento público da Caixa Econômica Federal e teve sua obra de urbanização executada pela Secretaria Municipal de Urbanismo, sendo responsável por acelerar o processo especulativo da região.

5 Como foi o caso do Estádio Olímpico João Havelange (Engenhão, construído pela prefeitura

para os Jogos Pan-americanos 2007 e posteriormente repassado ao clube de futebol Botafogo, a Arena Olímpica do Rio que também foi construída por ocasião do Pan-2007 e posteriormente concedida à empresa GL Events que a transformou em casa de espetáculos sobre o nome de “HSBC Arena” e, mais recentemente, o Estádio Mario Filho (Maracanã) reformado para a Copa da FIFA de 2014 e repassado para um consórcio de empresas capitaneado pela Odebrecht (CASTRO, 2012).

Os apartamentos da Vila Panamericana foram direcionados à população de classe média, e as comunidades carentes próximas aos novos empreendimentos se tornaram obstáculos e foram removidas de forma violenta, ao largo da legislação vigente. As remoções foram feitas fora de um processo democrático e de acordo com Gaffney e Melo (2010) três comunidades – Canal do Cortado, Arroio Pavuna e Canal do Anil – foram demolidas totais ou parcialmente e seus moradores receberam indenizações irrisórias, não conseguindo outro imóvel naquela região.

Esse processo de remoção da população de baixa renda se tornou mais intenso a partir dos últimos anos com a preparação da cidade para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016.

3 - Direito à moradia na cidade do Rio de Janeiro