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Os investimentos em mobilidade urbana no cenário das necessidades dos habitantes da metrópole do Rio de Janeiro

renovação urbana: o caso da “revolução do transporte no Rio de Janeiro”

4. Impactos, hipóteses e reflexões em torno dos impactos dos projetos de mobilidade urbana sobre

4.1 Os investimentos em mobilidade urbana no cenário das necessidades dos habitantes da metrópole do Rio de Janeiro

Uma das injustiças fundamentais é que, apesar do aumento impressionante das taxas de motorização, o transporte público inefi- ciente e sem conforto continua sendo a única opção de deslocamento para grande parte da população residente em um espaço urbano onde o mercado de trabalho se organiza cada vez mais na escala metropo- litana, exigindo assim grandes deslocamentos em longas distâncias, muitas vezes transpondo os limites municipais. Ademais, é impor- tante ressaltar que posse de automóvel continua concentradas nas áreas onde residem as classes mais altas de renda; ou seja, justamente nas áreas mais bem servidas pelo sistema de transporte público. Em grande parte da periferia metropolitana a posse de pelo menos um automóvel no domicilio não chega 35%. Enquanto em outras (áreas Zonal Sul da cidade), o percentual de domicílios onde há a posse de

pelo menos um automóvel é mais de 75%23 (Segundo informações do

Censo Demográfico 2010).

Uma primeira hipótese de reflexão é que o cenário atual de inves- timentos históricos em mobilidade urbana parecem perpetuar estas desigualdades frente ao deslocamento. De fato, tanto a linha 4 do metrô que ligará a zona sul do Rio à Barra da Tijuca, quanto 3 de 4 linhas de BRT, que também terão como destino a Barra da Tijuca. Em efeito, podemos perguntar porque a maioria destes projetos conecta Barra da Tijuca, que concentra em torno de 4% dos empregos na escala metropolitana, recebeu mais benefícios do que a Baixada flumi- nense e a zona norte do Rio, das quais mais de 1 milhão de pessoas se deslocam diariamente para trabalhar no centro da cidade do Rio de Janeiro. Neste sentido, a dimensão metropolitana das necessidades de mobilidade não parece ter sido levada em conta. Ainda tratando-se da exclusão da escala metropolitana nos projetos atuais de mobilidade, todos os projetos do Quadro. 1 são ou serão implantados exclusiva- mente no território da municipalidade do Rio, esquecendo dos outros 19 munícipios que integram a RMRJ. E, em segundo lugar, há uma desigualdade na distribuição desses investimentos no interior do município do Rio de Janeiro, com uma concentração maciça na Zona

23 RODRIGUES, J. M. Urban Mobility in Olympic City: a transportation revolution? Revista

Sul e na Barra da Tijuca. No entanto, no caso da metrópole do Rio de Janeiro, a circulação diária da população envolve grande volume de viagens não só no extenso território do município do Rio, mas também entre os vinte municípios metropolitanos. Segundo os Censo Demográfico 2010, aproximadamente de 2,9 milhões de pessoas se deslocam diariamente para trabalhar no interior da RMRJ. Destes, mais de 849 mil – ou 22,1% - se deslocam de um município para outro.

Ainda ressaltando a ausência de integração metropolitana com respeito aos projetos e políticas atuais de mobilidade, podemos dizer que, mesmo diante de visões exageradamente positivas quanto aos benefícios da realização dos megaeventos (URANI, 2009), o cenário que se desenha para o futuro mostra também sinais negativos, prin- cipalmente no que diz respeito às expectativas de superação das

desigualdades socioespaciais presentes no espaço metropolitano24. É

preciso lembrar, neste contexto, que essas desigualdades são decor- rentes do grande poder de concentração de investimentos no muni- cípio-núcleo (VETTER e MASSENA, 1981, RIBEIRO, 2000; ABREU, 2010,). Como no caso de muitas metrópoles da América do Sul, ao contrário das metrópoles norte-americanas, as áreas centrais têm um valor simbólico importante principalmente por ser nessas áreas onde se concentram historicamente as funções de residência das classes dominantes, além da quantidade maior em termos de oportunidades de trabalho e serviços urbanos. Com isso, essas áreas centrais tendem a adquirir valores monetário e simbólico ainda maiores (ABREU, 2010). “Para isso contribuem tanto a inexistência de um bom sistema de transportes, como a oferta restrita de serviços públicos, que fazem com que a população abastada resida em áreas densamente povoadas (como é o caso do Rio) e não em suburbs bucólicos”, como ocorre em outros países (ABREU, 2010). Ou seja, uma característica da formação urbana da região metropolitana do Rio de Janeiro, sempre foi uma pressão pela ocupação das áreas centrais. Por exemplo, mesmo que o VLT traga melhorias para a circulação na zona central e portuária do Rio de Janeiro (onde será instalado exclusivamente), e, considerando a concentração histórica de investimentos e infraestruturas nas zonas

24 No caso da África do Sul, que sediou a Copa do Mundo de Futebol de 2010, o sistema

de transporte público chegou a ser ampliado e modernizado, aumentando sua capacidade. No entanto, com apontam Steinbrink, Haferburg e Ley (2011), o foco restrito no evento e em metas econômicas de curto prazo, limitaram as possibilidades de superação da estrutura urbana extremamente fragmentada causada pelo apartheid.

centrais, a necessidade real da mobilidade na escala metropolitana foi mais uma vez esquecida, e, na zona portuária existe um processo intenso de valorização que expulsa direita ou indiretamente (“remo- ções brancas”) as populações mais vulneráveis.

A distribuição territorial dos investimentos atuais em mobilidade até agora parecem reproduzir uma lógica desigual (e histórica) de orga- nização do espaço. Com as informações divulgadas até ao momento, não há elementos que nos permitiria aferir que os enormes investi- mentos em mobilidade produziriam uma melhor distribuição das pessoas e dos empregos no território metropolitano. Pelo contrário, na metrópole do Rio de Janeiro, os investimentos em transportes para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 estão majoritariamente concentrados territorialmente.

No contexto das intervenções no sistema de mobilidade para a Copa de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016 não foi apresentado, até o momento, nenhum plano integrado que considere o Rio de Janeiro como “cidade metropolitana”, sendo que o último Plano Diretor de Transporte Urbano da região metropolitana é de 2003, e não está sendo utilizado para planejar as atuais intervenções. Assim, como lembra Abreu, (2010) a oportunidade de superar o desafio de planejar e financiar infraestruturas na escala metropolitana pode estar sendo desperdiçada em razão da concentração territorial das intervenções e da insistência no modelo rodoviário, reproduzindo práticas políticas concentradoras e antidistribuitivas, que tendem a acentuar as dispari- dades intrametropolitanas.

Tais estratégias parecem desconsiderar a maioria dos problemas decorrentes das enormes dificuldades de deslocamento diário das pessoas para trabalhar em um mercado de trabalho cada vez mais organizado na escala metropolitana. De acordo com os dados do Cadastro Central de Empresas do IBGE (CEMPRE-IBGE), em 2006, o município do Rio de Janeiro concentrava 75% de todos os empregos formais da RMRJ. Em termos populacionais, o município núcleo abar- cava, em 2010, 50% da população.

A chamada “revolução nos transportes” não parece ser a solução definitiva para a crise da mobilidade, como promete o Poder Público. Ou seja, nossa hipótese, no caso do Rio de Janeiro - uma metrópole de 12 milhões de habitantes – é que a crise da mobilidade não será superada com investimento territorialmente concentrados, como são os casos dos projetos e ações no campo de mobilidade para os megaeventos.

4.2 A manutenção do modelo rodoviarista de mobilidade