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Em meio às redes de sua brilhante investigação analítica sobre autenticidades e sinceridades, Kivy deixa escapar os riscos de “idealizações” implícitos nas diversas teorias da performance musical através de uma aparentemente eventual e despretensiosa citação atribuída ao ator de cinema Humphrey Bogart:

Why should morality come into the question at all, anyway? As I believe Humphrey Bogart once said, the only duty a performer has to his or her audience is to

give a good performance.69

Seja pela simplicidade ou pela ironia, Bogart pode estar sugerindo que os referenciais de uma performance são sobretudo performáticos, isto é, que tão-só a própria tradição das performances oferece critérios para avaliar uma performance. Uma outra intuição de Kivy – que também parece desestabilizar um pouco a força das autenticidades como critério motor da teoria das performances – encontra-se no primeiro capítulo de seu livro, quando pergunta:

What could it mean to say of Vladimir Horowitz, for example (whom I once heard say that he plays Mozart like Chopin and Chopin like Mozart), that his performance of a Mozart piano concerto is “authentic”?70

Apesar da abordagem da outra autenticidade – a autenticidade pessoal do estilo e da originalidade – ser uma possível resposta às questões que se pode extrair dos comentários dos

69

Ibid., p. 113.

70

intérpretes Bogart e Horowitz, não parece forçado – e talvez até um pouco ingênuo – querer fazer caber o mundo contemporâneo das performances musicais dentro da expressão “autenticidade”? Pode uma performance forte e influente ser inautêntica? Precisa uma performance ser autêntica?

Podemos supor que a teoria da performance – entendida em geral como subsidiária ora da composição, ora da análise, ora da musicologia histórica, ora da estética, ora da etnomusicologia, ora da subjetividade caprichosa das emoções dos intérpretes – tenha se ressentido, ao longo dos tempos, de um certo isolamento, e que esse isolamento tenha deixado um pouco apertado o seu espaço próprio de reflexão. As práticas interpretativas parecem ser colocadas, freqüentemente, em um campo epistemológico mais pobre, fraco ou mais idealizado do que a composição musical, por exemplo. Ou não parece que a crítica e a análise musicais – quando se referem a obras e não a performances – já tenham se libertado de expressões como “sinceridade” e “autenticidade”? Certamente uma composição musical, hoje, não precisa se submeter a nenhum conceito de autenticidade externo, mas tão-só aos sentidos que ela mesma constrói.71 Por que uma performance, enquanto performance, precisaria – ainda – obedecer a programas de “restauração de sua essência”, como se ela estivesse constantemente sob o risco de desviar-se de si mesma? Nesse sentido, como vimos, são bem-vindas as contribuições oferecidas pelos estudos culturais e literários mais avançados.

Um passo importante foi dado por Taruskin em Text and Act. Seu argumento central foi bem condensado por Butt como sendo o de um diagnóstico, seguido por um julgamento e um axioma: o diagnóstico de que toda performance é – e só poderia ser – radicalmente histórica, isto é, ela integra e reflete sua própria época histórica; o julgamento de que a chamada performance histórica é uma fiel representante do pensamento e do gosto musical predominante no século XX; e o axioma de que nenhuma performance pode ser reduzida ao texto. Citemos Butt:

71

Ver, nesse sentido: MOLINA, Sidney. “Construção da Mentira em Paisaje Cubano con Lluvia de Leo Brouwer: uma análise semiótica” in Galáxia, vol. 6. São Paulo: EDUC, outubro de 2003, pp. 121-144.

[...] his diagnosis is that very little historical performance is, or can be, truly

historical – much has to be invented; that the actual styles of historical performance we hear accord most strikingly with modern taste; and that the movement as a whole has all the symptoms of twentieth-century modernism, as epitomized by the objectivist, authoritarian Stravinsky in his neo-classical phase. Taruskin’s concern with Stravinsky obscures the fact that very similar aesthetics of performance were promoted by Schoenberg and his students. But this modification would only further support his judgement that historical performance practice, far from being intrinsically wrong, is, rather, a true and even ‘authentic’ representation of modernist thinking (needless to say, he would prefer it to move in what he sees as the ‘postmodernist’, ‘postauthoritarian’ direction). And the axiom on which much of his work hinges is that the methods we use to base and judge scholarship are not those on which we base artistic performance. Each may inform the other, but one cannot be reduced to the other. Thus the inclusion of a couple of essays addressing the question of editing help to consolidate one Taruskin’s central points, encapsulated in the title: performance, of any kind, should be an act and

not reduced to the status of a text. Performance is significant for its human component

and not for its objective veracity.72

Taruskin mostra o quanto o conceito de “deixar a música falar por si mesma” dominou a teoria da performance do século XX – um século em que o movimento da interpretação historicamente informada conviveu, por exemplo, com a música eletrônica73 –, e o quanto esse conceito é devedor do conceito de tradição cunhado por T. S. Eliot em seu famoso ensaio de 1917, “Tradition and the Individual Talent”:

We usually trace the origins of modern musicology to romantic historicism. But it seems to me that musicological ideals of performance style owe as much if not more to the modernist esthetic that rose to dominance out of the ashes of the First World War. We in music usually think of it as the “Stravinskian” esthetic, though it had been anticipated with astonishing, if cranky, completeness as early as Hanslick’s The Beautiful in Music. It is often described, after Ortega y Gasset, as “dehumanization”,

but since that word (though meant by Ortega with approval) carries such unpleasant overtones, I prefer to use T.S. Eliot’s term, depersonalization, defined as “the surrender of [the artist] as he is at the moment to something much more valuable,” that thing being Tradition, which, as Eliot warns us, “cannot be inherited, and if you want it you

72

BUTT, John. Op. cit., p. 14.

73

must obtain it by great labour.” And why do we in music want it? So that our performances may capture something of what the folklorist Jeffrey Mark so percipiently described half a century ago in an article entitled “The Fundamental Qualities of Folk Music,” but which is actually the best characterization I know of the modernist esthetic as applied to music.74

Taruskin prossegue citando o trecho anunciado de Jeffrey Mark:

The performer, whether as singer, dancer, or player, does his part without giving any or much impression that he is participating in the act. And his native wood notes wild, far from giving the popularly conceived effect of a free and careless improvisation, show him definitely to be in the grip of a remorseless and comparatively inelastic tradition which gives him little or no scope for personal expression (again as popularly conceived). Through him the culture speaks, and he has neither the desire nor

the specific comprehension to mutilate what he has received. His whole attitude and manner [is] one of profound gravity and cool, inevitable intention. There [is] not the faintest suggestion of the flushed cheek and the sparkling eye. And [the performance] is ten times the more impressive because of it.75

Podemos depreender – a partir de Taruskin – que, talvez, o conceito eliotiano de tradição poética – em seu viés musical stravinskiano – tenha marcado demasiadamente os estudos musicológicos do século XX; em parte isso se deve, obviamente, à própria força intrínseca do movimento gerado por Eliot (o New Criticism), mas não podemos deixar de considerar que – já há várias décadas – a teoria de Eliot tem sido colocada em xeque em seus fundamentos. Por que não repor esse atraso nos estudos musicais? Segundo Nestrovski,

[...] as estratégias de leitura assumidas por ele [Eliot] numa rica seqüência de

estudos – cujo fundamento é o ensaio sobre a “Tradição” – levaram não apenas a uma considerável reformulação do cânone, mas virtualmente à instituição do mais influente método de análise literária num longo período que se estende da década de 30 até fins

74

TARUSKIN, Richard. “On Letting the Music Speak for Itself” in Text & Act. Essays on Music and Performance. New York: Oxford University Press, 1995, pp. 55-6. As referências de Taruskin são: ORTEGA Y GASSET, Jose. “The Dehumanization of Art” in The Dehumanization of Art and Other Essays on Art, Culture, and

Literature. Tradução de Helene Weyl. Princeton: Princeton University Press, 1968, pp. 3-56; ELIOT, T. S. “Tradition and Individual Talent” in KERMODE, Frank (ed.). Selected Prose of T. S. Eliot. New York: Harcourt Brace Jovanovich / Farrar, Strauss and Giroux, 1975, pp. 4-38.

75

MARK, Jeffrey. “The Fundamental Qualities of Folk Music” in Musical and Letters 10/3, 1929, pp. 287-90 apud TARUSKIN, Op. cit., p. 56, grifos de Taruskin.

dos 60: o New Criticism, cujos reflexos enfraquecidos se percebem até hoje em diversas

correntes da crítica (internacional e brasileira). 76

Para Eliot, a ordem integral da arte é alterada pela introdução de uma obra inovadora: o talento individual reconstrói a tradição através de sua própria obra. Essa reconstrução, no entanto, é impessoal, já que “a consciência poética se desenvolve na mesma medida em que se sacrifica e se extingue a personalidade”.77 Em sua reconstrução do cânone literário, o crítico Eliot minimizou a importância de autores como Shakespeare, Milton e dos românticos em geral, substituindo-os pelos poetas metafísicos do século XVII.78 Essa “inversão de prioridades”, segundo Nestrovski, foi adotada com variações por críticos importantes como F. R. Leavis e Allen Tate, “e também por poetas-críticos como Ezra Pound e Robert Penn Warren”.79

Já para o crítico literário norte-americano Harold Bloom, no entanto, essa suposta “impessoalidade” descrita pela teoria de Eliot é uma idealização que esconde o real teor das relações de influência poética: ele mostra que a tradição poética, o cânone dos clássicos, é uma conseqüência – e não causa – das relações de influência.

Uma maneira de compreender o que quero dizer com “influência” é considerá- la como um tropo substituto de “tradição”; uma substituição que provoca uma sensação de perda, uma vez que “influência”, ao contrário de “tradição”, não é um termo daimônico ou numinoso […] Ninguém fica contente em ser influenciado. 80

Vale a pena seguir um pouco o raciocínio de Bloom, cuja obra – em eterno combate com o crítico (e não exatamente com o poeta) T. S. Eliot – tem alcançado grande repercussão nos estudos literários desde meados dos anos setenta, e cujas decorrências para os estudos de performance musical pretendemos avaliar:81 no momento em que inverte a relação entre tradição e influência, Bloom desidealiza a tradição, torna-a não prescritiva e mostra o quanto a

76

NESTROVSKI, Arthur. Ironias da Modernidade. São Paulo: Ática, 1996, p. 103.

77

Ibid., p. 102. O ensaio de Eliot tem tradução para o português em ELIOT, T. S. Ensaios. Tradução de Ivan Junqueira. São Paulo, Art Editora, 1989.

78

Da mesma forma, podemos dizer que o neoclassicismo de um autor emblemático como Stravinsky procurou minimizar – ou até mesmo ocultar – o peso inexorável do romantismo sobre sua música.

79

Ibid., p. 103.

80

BLOOM, Harold. Cabala e Crítica. Tradução de Monique Balbuena. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 112.

81

A “tetralogia da influência” de Harold Bloom compreende os livros A Angústia da Influência (1973), Um Mapa

da Desleitura (1975), Cabala e Crítica (1975) e Poesia e Repressão (1976). Para uma exposição mais detalhada da teoria de Bloom remetemos a nosso capítulo “A Dialética Pragmática de Harold Bloom” in MOLINA,

“encarnação poética” de um poeta mais jovem é devedora de um mecanismo – pleno de angústia, segundo ele – de desleitura da instrução que simultaneamente o forja:82

A influência poética, para muitos críticos, é simplesmente algo que acontece, uma transmissão de idéias e imagens, e o surgimento ou não de angústia no poeta posterior é visto como uma questão de temperamento e circunstância. Mas o efebo jamais poderá ser Adão no nascer da aurora. Os originais já existiram e já nomearam todas as coisas. E é o peso, agora, de retirar esses nomes que dá impulso às verdadeiras guerras combatidas sob o estandarte da influência poética, guerras declaradas pela perversidade do espírito contra a riqueza acumulada por ele, a riqueza da tradição.83

Bloom cita o Freud da vigésima quinta das Conferências Introdutórias à Psicanálise:

[...] Acreditamos que no caso de um ataque de angústia sabemos qual é a

impressão primitiva que ele repete. Acreditamos que é no ato do nascimento que ocorre a combinação de sensações desagradáveis, impulsos liberadores e sensações físicas que se tornou o protótipo dos efeitos de um perigo mortal e, desde então, tem sido por nós repetido como um estado de angústia. O enorme aumento de estimulação provocado pela interrupção da renovação do sangue (a respiração interna) foi, naquele momento, a causa da experiência da angústia; a primeira angústia foi, portanto, tóxica. O termo

Angst – angustiae, Enge [palavras alemãs e latinas para “lugar estreito”, “estreito”, da

mesma raiz de Angst e angústia] enfatiza a característica da restrição da respiração

que era então presente como uma conseqüência da situação real, e que agora é quase que invariavelmente restabelecida no ataque [...]84

Assim,

[…] nada vem do nada, como diz Emerson, e a influência também tem o seu

preço. Se a tradição é uma retórica da influência, seu tropo principal não é a ironia, mas a angústia. A literatura se estabelece na relação entre poetas – nous ne faisons que

Sidney. Mahler em Schoenberg: angústia da influência na Sinfonia de Câmara n. 1. São Paulo: Rondó, 2003,

pp. 1-21.

82

BLOOM, Op. cit., p. 113.

83

BLOOM, Harold. Yeats. New York: Oxford University Press, 1970, p. 4. A citação está em NESTROVSKI, Arthur. Op. cit., p. 110.

84

nous entregloser – e a tradição é uma figura antiga para o que hoje se conhece, não

menos figurativamente, como angústia da influência.85

No contexto dessa teoria da influência, toda leitura – ou escuta musical, no nosso caso – é, assim, uma desleitura que desloca a obra anterior pela nova, e o poeta novo precisa ser suficientemente forte para poder desler o passado de modo a criar a ilusão de que ele mesmo é o “precursor de seu precursor”, uma paradoxal inversão que, segundo Bloom, ocorre no derradeiro momento da dialética da influência:86

O poeta mais recente, em sua fase final, já sob o peso de uma solidão da imaginação que é quase um solipsismo, sustenta seu próprio poema de tal forma aberto à obra do precursor que, inicialmente, poderíamos pensar ter-se completado a volta ao círculo, nos transportando de volta aos dias sufocantes de seu aprendizado, antes que sua força tivesse começado a se fazer sentir nas razões revisionárias. Mas o poema, agora, é sustentado em aberto, enquanto que outrora fora, de fato, aberto, e o efeito

estranhíssimo [umheimlich] é que o sucesso do novo poema faz com que este nos pareça, agora, não como obra do ascendente, mas como se o segundo poeta houvesse, ele mesmo, escrito a obra característica de seu precursor.87

Assim, para Bloom, os poetas fortes – isto é, as grandes figuras que perseveram combatendo seus precursores fortes – fazem a história da poesia deslendo-se uns aos outros.88 Talentos mais fracos são presas de idealizações, e acabar com as idealizações das versões oficiais de como um poeta ajuda a formar outro é o primeiro objetivo de sua teoria. O segundo objetivo – não menos importante – é o de “procurar desenvolver uma poética que nos leve a uma forma mais adequada e pragmática de crítica”.89

85

NESTROVSKI, Arthur. Op. cit., p. 108.

86 Ver NESTROVSKI, Arthur. “Bloom Contra-ataca”. Entrevista com Harold Bloom in Folha de S. Paulo. Caderno

“Mais!”, 6 de agosto de 1995, p. 4.

87

BLOOM, Harold. A Angústia da Influência. Tradução de Arthur Nestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 45.

88

Ibid., p. 33.

89

Os objetivos nos servem, e as autenticidades de Kivy podem ser vistas, do ponto de vista da teoria de Bloom, como sofisticadas idealizações da condição da performance: idealizações da intenção do compositor, idealizações do som original de uma obra, idealizações de prática musical de uma época e, finalmente, idealizações da subjetividade do intérprete (sinceridade, expressão de sentimentos, originalidade etc.). Por outro lado, como afirmamos em outro lugar:

O combate feroz empreendido por Bloom contra diversas formas de idealizações da artisticidade não é uma mera desqualificação das abordagens em questão. Poderíamos dizer, de uma maneira um tanto quanto husserliana, que filosofia, história, psicologia, lingüística etc., revelam aspectos pertinentes do artístico a partir dos limites impostos por demarcações regionais e por desdobramentos analíticos assumidos por suas próprias premissas. Bloom não recusa auxílio nenhum para ler um texto: seu foco é, no entanto, a leitura em si, a pertinência propriamente poética da poesia, a arte da arte. Não se trata de uma questão de cunho filosófico, ele não pergunta o que a arte é: ele a encontra – pragmaticamente – a todo momento. Ele busca o poético no único lugar onde ele não poderia não estar, a saber, na experiência de ler. Sua obra insiste em traçar – demiurgicamente – um mapa do território móvel do artístico e de suas armadilhas, uma cartografia da gênese poética.90

Se – como vimos – Dahlhaus e Said mostraram que a obra musical se abre para múltiplas performances e admitiram que as práticas interpretativas podem ser compreendidas também como uma forma especial de crítica musical, Taruskin apontou para a independência de uma dada performance em relação à obra que interpreta, ou – em suas palavras – a irredutibilidade do ato ao texto. Mas, perguntamos: não seria mesmo de se esperar essa independência, sendo a performance musical uma manifestação artística per se? E ao ser uma manifestação artística em si mesma, ela não depende predominantemente de sua própria tradição – a Tradição das Interpretações Musicais –, uma tradição independente, até certo ponto, do cânone de obras musicais que toma para transformar em ato sonoro?91

90

MOLINA, Sidney. Mahler em Schoenberg: angústia da influência na Sinfonia de Câmara n. 1. São Paulo: Rondó, 2003, p. 24.

91

Outras perguntas podem derivar dessas duas, como decorrências: é apenas a obra que “emerge” através da

performance ou é a performance também a condição necessária para que a obra musical, enfim, ressoe como duração temporal? E ainda esta: já está desde sempre pronto o cânone musical de composições a serem interpretadas, ou este cânone é constituído, passo a passo, também pelos intérpretes? Cabe afirmar que, embora a performance tenha sido por muito tempo – e continue a ser, em alguns casos – um “efeito subsidiário” da composição musical, as relações de forças entre ambas têm se alterado ao longo dos tempos e até se invertido,

Por outro lado, podemos afirmar igualmente que – de algum modo – os intérpretes sempre tiveram consciência dessa autonomia: não era isso o que estava implícito no depoimento de Bogart? Os intérpretes musicais não partem da tradição interpretativa específica de cada instrumento, do Piano, do Violino, do Violão, da Regência? Não são instruídos nessas tradições interpretativas como discípulos por especialistas? Não travam conhecimento do repertório através de seus instrumentos? E não são quase incomunicáveis – para os próprios músicos que não lidam quotidianamente com um determinado instrumento musical – certos detalhes específicos da prática artesanal do instrumento, seus segredos de sonoridade e digitação? Não cabe também aqui a frase de Krausz sobre a tese de James Ross, “music making makes the standards of musical excellence”?92

Se seguirmos as pistas da desleitura bloomiana, poderemos compreender como os mecanismos de influência atuam sobre a performance musical: para um intérprete, a relação com o seu instrumento pode ser mais forte do que a relação com a própria composição musical.93 O que leva um instrumentista a dedicar a vida a seu instrumento é, em algum lugar, uma relação direta com o som desse instrumento, e não há como se relacionar com o som de um instrumento senão pelo contato – ao vivo ou através de gravações – com a performance de outros instrumentistas.

Portanto – adaptando Bloom –, um “instrumentista efebo” deverá desler o seu precursor para que a sua performance não seja epígona, idealizada, fraca. Isso não significa que ele imitará a maneira de tocar de seu precursor, seu som, sua escolha de repertório, sua retórica: