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O Encontro com Jesus Cristo sob o sólido fundamento da Trindade-Amor

O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: CAMINHO DE FORMAÇÃO INTEGRAL DO DISCÍPULO MISSIONÁRIO

2.3 O Encontro com Jesus Cristo sob o sólido fundamento da Trindade-Amor

Para o discípulo que vai ao encontro de Jesus Cristo, é revelado Deus como Pai e Amor. O Abba, paizinho. Jesus mostra-nos que essa expressão sinaliza sua expressão filial. Os evangelhos nos mostram claramente a intimidade de Jesus com o Pai e a presença do Pai na missão. “Os discípulos, vendo como rezava, como agia e como falava, foram descobrindo a realidade da filiação de Jesus, e assim a presença da segunda Pessoa da Santíssima Trindade”106. Jesus revela-se como o enviado do Pai. “Vós me conheceis e sabeis de onde eu sou; no entanto, não vim por própria vontade, mas é verdadeiro aquele que me enviou e que não conheceis. Eu, porém, o conheço, porque venho de junto dele, e foi ele quem me enviou” (Jo 7, 28-29).O evangelho nos apresenta Jesus como quem procede do Pai. Ele veio de junto de Deus Pai para habitar no meio de nós.

Temos diante desta realidade o paradigma de que “por meio do Filho que está no Pai e que tem em si o Pai, manifestou-se o Deus que é o Pai dando testemunho ao Filho e o Filho anunciando o Pai”107.

Por isso, a comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo, dá-se numa perfeita harmonia de modo que um anuncia e manifesta o outro em si mesmo.

104 COSTA, Pe. José de Anchieta Lima. A vocação à santidade à luz do Documento de Aparecida. In Revista Eclesiástica Brasileira 273. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 59.

105 BINGEMER, Maria Clara. Caminhos da Igreja na América Latina e no Caribe, São Paulo: Paulinas, 2006, p.363.

106 BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Vozes, 1988, p.51. 107 LIÃO, Ireneu de. In Coleção Patrística. V. 4. São Paulo: Paulus, 1995, p.259.

A Trindade é de uma só força, de uma só majestade, de uma só divindade, de uma só ousia, de modo que afirmamos que há um poder inseparável, porém em três pessoas, que não retornam em si ou diminuem,... mas permanecem sempre; e afirmamos também que não há níveis de poder e tempos de proveniência distintos; ambos se manifestam em perfeita comunhão e integralmente, pois ambos estão unidos na divindade, no operar e no amor108.

O evangelho também nos mostra a relação que Jesus estabelece entre a sua missão e o Espírito, a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc, 4, 18-19). Jesus é o ungido do Pai e está intimamente unido ao Pai no Espírito Santo. É a perfeita comunidade presente na vida do mundo a fim de salvá-lo e encorajá-lo na vivência comunitária. “O Pai e o Filho e o Espírito Santo são indivisos sem confusão, sempiternos sem tempo, iguais sem diferença, já que não a unicidade da pessoa, mas da essência realiza a unidade na Trindade”109.

O evangelista nos relata que Jesus é o ungido do Pai, o Espírito é a sua unção, e Ele é o ungido, o enviado. No mistério pascal, Jesus também se apresenta como aquele que envia como o Pai. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21). A comunidade recebe a missão de Jesus como ele a recebeu do Pai, e assim como o Pai lhe concedeu o Espírito, Ele também concede à comunidade o Espírito como unção, dom e força para a vida e a missão. “Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22). O sopro de Jesus é o Espírito, a vida que ele nos dá. O sopro que nos recria, ou seja, nos incorpora cada vez mais a Ele e nos faz receber a graça concedida desde a criação. Esse sopro é o mesmo que fez com que o Verbo Encarnado realizasse a obra salvífica de Deus.

A Trindade se manifesta no batismo de Jesus. Nele, Jesus assume definitivamente a missão, recebendo a confirmação da paz, “Este é meu filho muito amado, em quem me comprazo” (Mc 1, 11). Ao mesmo tempo, segundo Marcos, Jesus viu o Espírito como uma pomba descer até ele: “E, logo ao subir da água, ele viu os céus se rasgando e o Espírito,

108 DÂMASO I. Fragmentos de cartas aos bispos orientais. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.63.

109 LEÃO I. Carta Ut nobis gratulationem. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.106.

como uma pomba, descer até ele” (Mc 1, 10). A Trindade em Jesus realiza a salvação e se faz presente entre os homens.

O amor de Deus Pai, dom, graça, infinita e princípio de vida, tornou-se visível em Cristo e, na sua humanidade, tornou-se ‘parte’ do universo do gênero humano e da história. Essa manifestação da graça, na história humana, mediante Jesus Cristo, realizou-se por obra do Espírito Santo, que é princípio de toda ação salvífica de Deus no mundo110.

Jesus é a manifestação da graça, do Espírito, e é o princípio da ação salvífica de Deus no mundo. Por Cristo, no Espírito, o Pai realiza a sua doação plena e definitiva de amor aos homens. “Entre Jesus e o Pai, a relação é de pertença recíproca, de recíproca imanência de profunda comunhão e de unidade perfeita”111. Por Cristo, no Espírito, o Pai realiza a sua doação plena e definitiva de amor por nós. Santo Ireneu faz a seguinte analogia: “O Filho e o Espírito são as duas mãos do Pai, com as quais Ele cria o universo, modela o ser humano e regenera todas as coisas”112. A intimidade de Jesus com o Pai revelou-nos quem é o Pai: amor, bondade e misericórdia.

Lembremo-nos do pedido de Filipe, um dos doze apóstolos, a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta! Diz-lhe Jesus: Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 8-9). Ou seja, Jesus é a imagem perfeita de Deus, a visibilidade do Deus eterno e invisível.

É preciso entender que ao fazer o encontro com o Filho nós não ignoramos o Pai nem muito menos o Espírito Santo. No Filho, nós reconhecemos o poder e a onipotência de Deus; de um só Deus que se manifestou a nós, nas três pessoas, com igual perfeição e poder.

Em Deus, pois, quando o Filho que é igual se une ao Pai que lhe é igual, ou o Espírito Santo, que é também igual ao Pai e ao Filho, Deus não se torna maior do que cada uma das pessoas, pois essa perfeição não lhe é acrescentada. Perfeito é o Pai, perfeito é o Filho, perfeito é o Espírito Santo;

110 Marcial MAÇANEIRO, Deus Pai e seu amor salvífico em alguns documentos de Paulo VI e João Paulo II, Roma, 2001, p. 33.

111 FORTE, Bruno. A Trindade como história: Ensaio sobre o a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1987, p.92.

perfeito é Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Concluindo, Deus é Trindade, mas não tríplice, isto é, não são três deuses113.

Os evangelhos ainda nos mostram que Jesus, o ungido, estava cheio da presença do Espírito durante toda a sua vida.

Por isso, era o novo homem totalmente livre e libertado das amarras históricas. Na força do Espírito, lança seu programa messiânico de total libertação. O Espírito e Cristo sempre estarão juntos para reconduzir a criação ao seio da Santíssima Trindade114.

Jesus recebe do Pai a missão de transmitir o Espírito, para que a sua ação realize, na comunidade, a mesma força, a mesma alegria e a mesma sensibilidade que realizou em Jesus. O Espírito é revelado, pois, como o sopro de Deus que anima e revitaliza, encoraja, esclarece o sentido da missão salvífica de Deus na história humana.

A terceira pessoa da Trindade está intimamente ligada a Jesus. Ele age em toda a vida e obra de Jesus, desde a concepção virginal de Maria; depois no batismo, nos acontecimentos messiânicos, até a ressurreição.

Jesus viveu como ungido do Espírito Santo. Foi concebido no seio de Maria por obra do Espírito Santo (Lc 1, 35). Batizado no Espírito Santo (Lc 3,22) venceu as tentações na força do Espírito (Lc 4, 1). Sabia-se possuído pelo Espírito para evangelizar os pobres (Lc 4,18) e expulsar os demônios (Mt 12,28). Alegrou-se no Espírito pela evangelização dos pequenos (Lc 10,21). Ressuscitado pela força do Espírito Santo (Rm 1,4), enviou o Espírito como continuador de sua obra, memorizador de sua mensagem, defensor de sua causa, consolador e advogado de seus discípulos (Lc 24,49; Jo 14,16-17.26; 16, 5-15)115.

Por isso, podemos dizer que o encontro com Jesus Cristo se dá sob o sólido fundamento da Trindade que é comunhão de amor e assim podemos adentrar a esse mistério e

113 AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994. p.227.

114 BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 54-55. 115 CPMGJ, p. 26-27.

fazer a experiência desse Deus. Esse encontro foi eficaz desde a Igreja primitiva. Os primeiros discípulos missionários já puderam experimentar e vivenciar essa comunhão trinitária.

Na vida e na obra de Jesus de Nazaré, as primeiras testemunhas puderam intuir e constatar progressivamente, embora às vezes difícil e fragmentariamente, a presença e a pulsação da vida trinitária. E registraram isso nas páginas do Novo Testamento116.

O encontro com Jesus Cristo é para cada discípulo missionário um caminho de amadurecimento e de revelação do mistério salvífico. Por isso, “o cristianismo é um caminho novo e só se desvela completamente, na experiência de ouvir a Palavra e receber a revelação do mistério do amor trinitário, ou seja, do amor de Deus, em Jesus Cristo e no seu Espírito derramado sobre a Igreja e a história”117.

Deus se revelou como Santíssima Trindade e nós participamos da sua vida desde o dia do nosso batismo, pois fomos assim batizados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. “A vida nova em Cristo é participação na vida de amor do Deus Uno e Trino” 118.

O discípulo que estabelece um encontro pessoal com Jesus Cristo participa da missão trinitária, pois, conduzido pelo Espírito Santo, é seguidor do Mestre e testemunha de sua ressurreição. “Diante da Santíssima Trindade, sejamos também discípulos que ouvem a Palavra de Jesus, o qual nos revela o mistério de Deus Uno e Trino”119.

O discípulo de Jesus Cristo vive a vida de comunhão trinitária em busca de uma realização plena, que leve à integração da pessoa e à sua pertença ao Reino. Essa integração nos impulsiona para a missão, serviço aos irmãos e realização pessoal. Esse serviço deve ser estabelecido à luz da Trindade, pois, ela nos conduz ao verdadeiro serviço de amor, de entrega e de total participação na vida de comunidade. Nós, chamados a sermos discípulos missionários de Jesus Cristo, devemos aprender dele a viver uma vida de comunhão solidária e de entrega total a todos.

Uma autêntica proposta de encontro com Jesus Cristo deve estabelecer-se sobre o sólido fundamento da Trindade-Amor. “A experiência de um Deus uno e trino, que é unidade

116 BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: A vida no coração do mundo. São Paulo: Paulinas, 2002, p.80.

117 BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: A graça que habita em nós. São Paulo: Paulinas, 2003, p.133.

118 DA 357.

119 HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana. São Paulo: Paulus, 2002, p. 32.

e comunhão inseparável, permite-nos superar o egoísmo para nos encontrarmos plenamente no serviço para com o outro120.

Esse serviço mútuo pode-se exercê-lo quando estamos reunidos como Igreja em nome da Trindade. Somente, no encontro pessoal com Jesus Cristo, podemos fazer a experiência de Deus, de um Deus-comunhão, de um Deus-trinitário, ou seja, que se manifesta a nós trinitariamente sem perder sua distinção, mas fortalecendo a vida de cada pessoa na vida de uma comunidade eclesial. “O Deus único e verdadeiro não é somente o Pai, mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo”121.

Nesse contexto de fé trinitária, somos impulsionados a viver o verdadeiro seguimento de Jesus Cristo, sendo sinais de comunhão, da unidade em diversidade e da gratuidade com responsabilidade. “No Deus Trindade, a diversidade de Pessoas não gera violência e conflito; ao contrário, é a fonte mesma do amor e da vida”122. É nessa realidade que o discípulo é inserido e a exigência do discipulado se torna clara: não se pode tornar-se discípulo senão estiver unido ao corpo todo, logo, a unidade na diversidade é a meta da comunidade dos discípulos de Jesus Cristo. É no encontro pessoal com Jesus Cristo que tomamos consciência desta verdade transformadora.