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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LEANDRO DOS SANTOS

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Academic year: 2019

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LEANDRO DOS SANTOS

O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: EXIGÊNCIA PARA O

DISCIPULADO

MESTRADO EM TEOLOGIA

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LEANDRO DOS SANTOS

O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: EXIGÊNCIA PARA O

DISCIPULADO

MESTRADO EM TEOLOGIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Teologia, sob a orientação da Professora Dra. Maria Freire da Silva.

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Banca Examinadora

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temática do Encontro com Jesus Cristo como exigência para o discipulado. Isto se justifica pelo interesse com que a Igreja tem tratado o assunto. Utilizando o método teológico, fazemos uma análise da atual realidade procurando perceber a influência do presente tema para a vida e a missão da Igreja. Procuramos desenvolver a temática auxiliados por teólogos, bem como as recentes manifestações do Magistério da Igreja. A conclusão é que o tema do encontro com Jesus Cristo pode contribuir significativamente como base para uma reflexão teológica profunda e êxito pastoral.

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theme of the encounter with Jesus Christ as requirement to the discipleship. This is justified by interest that the Church has treaty the subject. Using the theological method, doing an investigation of present reality to perceive the influence of the present subject to the life and the mission of Church. We want develop the theme oriented by theologian and the recent manifestation of the teachership of Church. The conclusion is that the theme of the meeting with Jesus Christ is able to contribute significantly as base to a deep theological refletion and effect pastoral.

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CEC – Catechisme de I’Église Catholique (Catecismo da Igreja Católica).

DA – Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência geral do episcopado latino-americano e do Caribe.

CPMGJ – Comissão Pastoral e Missionária do Grande Jubileu

DV – Dei Verbum, Constituição Dogmática da Concílio Vaticano II sobre a Revelação Divina.

EN – Evangelii Nuntiandi, Exortação Apostólica sobre a evangelização do mundo contemporâneo de Paulo VI.

GS – Gaudium et Spes, Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II Sobre a Igreja no mundo de hoje.

LG – Lumen Gentium, Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II sobre a Igreja.

MR – Missal Romano

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CAPÍTULO..I

DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM PARA SALVAR...11

1.1 - A presença de Deus na criação...11

1.2 - O encontro do divino com o humano...14

1.3 - O Pecado: ruptura do encontro com Deus...15

1.4 - A Aliança: reencontro e relacionamento com Deus...17

1.5 - O encontro com o Deus da vida e da libertação...19

1.6 O conhecimento de Deus como caminho para o seguimento...22

CAPÍTULO..II O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: CAMINHO DE FORMAÇÃO INTEGRAL DO DISCÍPULO MISSIONÁRIO...24

2.1 - Na encarnação, o Filho de Deus vem ao encontro de nossa humanidade...25

2.2 - O Encontro com Jesus Cristo: caminho de conversão e comunhão...31

2.3 - O Encontro com Jesus Cristo sob o sólido fundamento da Trindade-Amor...40

2.4 - O Espírito Santo: mestre e guia dos seguidores de Jesus Cristo...45

2.5 - A Palavra de Deus como dom do Pai para o Encontro com Jesus Cristo...50

2.6 - O encontro pleno e definitivo com o Senhor...54

CAPÍTULO..III IGREJA: COMUNIDADE QUE VIVE E PREGA O ENCONTRO COM JESUS CRISTO..61

3.1 - O encontro com a Igreja: Sacramento de Cristo...62

3.2 - Os sacramentos: lugar eficaz do Encontro com Jesus Cristo...67

3.3 - Eucaristia: lugar privilegiado do Encontro com Jesus Cristo...71

3.4 - O Encontro com Jesus Cristo nos pobres: missão da Igreja discípula missionária...74

3.5 - Maria nos conduz ao encontro e ao seguimento de Cristo...79

CONCLUSÃO...84

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INTRODUÇÃO

A temática do encontro com Jesus Cristo é prioritária para afirmar a exigência do discipulado. Cada pessoa que deseja seguir os passos de Jesus Cristo e vir em seu seguimento deve estabelecer um encontro pessoal com Ele, um encontro que faça surgir um verdadeiro cristão, que estabeleça vínculos. Encontro que não venha apenas de uma decisão ética ou de uma grande ideia, mas que produza um acontecimento, um relacionamento pessoal, uma orientação para a vida inteira. Esse encontro deve ser verdadeiramente um encontro de fé com a pessoa de Jesus Cristo para que, fascinados pelo Mestre, desejemos permanecer com ele. É também desse encontro que acontece a verdadeira conversão, pois, sem ela, não acontece o discipulado, e a missão não cumpre a sua meta. “O seguimento do discípulo é ‘ir atrás’ de Jesus com fidelidade e coerência na colocação em prática de sua mensagem”1.

A escolha desse tema é significativa e, ao mesmo tempo, profundamente teológica. Quer ser um instrumento para todos aqueles que desejam conhecer Jesus Cristo e segui-lo decididamente, pois, só se torna um cristão autêntico aquele que fez opção por Cristo, por seus gestos, por suas atitudes e por suas palavras. Somente quem fez um encontro pessoal com Ele pode assumir essa opção radical de conversão, comunhão e solidariedade.

Pastoralmente, também vemos que não há outra maneira de exercer e de buscar uma verdadeira evangelização sem antes promover um encontro e passar por um processo de experiência pessoal com Cristo e com seu evangelho, percebendo sua presença na história, na vida do povo, para, assim, tornarmo-nos homens verdadeiramente novos e apóstolos dessa mesma boa-nova redentora.

Nosso trabalho pretende estudar o presente tema a partir dos tratados dogmáticos da fé católica a fim de que se obtenha com maior profundidade uma consciência madura e coerente da missão evangelizadora. A temática do encontro com Jesus Cristo nos faz perceber a urgente provocação da Igreja nos últimos tempos, em todos os seus âmbitos: é Ele nosso ponto de partida e nossa meta a ser alcançada.

Estudaremos o tema em três partes principais, divididas em capítulos. Primeiramente, refletiremos sobre a presença de Deus, que vem ao encontro do homem para salvá-lo. Ao contemplar a criação, vemos a beleza e a presença de Deus. O homem, criado por Deus e para Deus, é chamado a viver essa presença amorosa e, ao mesmo tempo, a reconhecer o divino,

1 BINGEMER, Maria Clara. Discípulos de Jesus hoje. In: SOTER e AMERINDIA (orgs) Caminhos da Igreja na

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que vem ao encontro do humano a fim de torná-lo, à sua imagem e à sua semelhança, participante da vida da graça e de chamá-lo a ser responsável pela criação, transmitindo vida e utilizando-se dos bens criados para o seu bem e de todos os seres.

Ainda estudaremos nessa parte a temática do encontro entre Deus e o homem. A partir da Revelação, o divino mostra-se ao humano e vem ao seu encontro.

Entretanto, nem sempre o homem responde positivamente a essa iniciativa de Deus, que vem ao seu encontro: muitas vezes, pelo pecado, o homem apega-se às criaturas e destrói as obras do criador, estabelecendo uma ruptura entre o humano e o divino.

Mesmo assim, Deus, em seu amor, continua a fazer-se presente na vida do homem e deseja salvá-lo. Estabelece um reencontro por meio da Aliança, assim como fez com Abraão, nosso pai na fé: constitui um relacionamento com o homem a fim de conduzi-lo à libertação, através de Moisés, sendo presença constante e estabelecendo um encontro que gere um verdadeiro conhecimento de seu amor e de sua ação libertadora por parte dos homens, a fim de que assumam um verdadeiro caminho de seguimento.

No segundo capítulo, vamos desenvolver um estudo sistemático sobre o encontro com Jesus Cristo, visto como caminho para uma formação integral daqueles que verdadeiramente desejam segui-lo, ou seja, tornarem-se seus discípulos.

Se o Espírito de Jesus se manifesta no modo concreto como Ele viveu, só na medida em que o seguimos, isto é, em que vivemos como ele viveu, em que reproduzimos/atualizamos seu modo de vida (seguimento) somos seus discípulos2.

A partir do encontro com Jesus Cristo, tomamos consciência da nossa fé, da alegria e da coerência que ela nos proporciona, a fim de que sejamos conscientes de que somos discípulos e missionários de Cristo, de que é Ele que nos envia ao mundo para anunciar e testemunhar nossa fé e amor.

O Cristo, que se encarnou e se fez homem para que nós pudéssemos participar de sua divindade, convida-nos a assumir essa realidade de amor e a viver um encontro pessoal com Ele. Tal encontro não é ideológico, mas um encontro pessoal e edificante que nos leva a compreender nossa vocação batismal como caminho de conversão e comunhão.

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A perspectiva fundamental do encontro é a Trindade, manifestação concreta de um encontro que se estabelece na unidade e na comunhão inseparável. Deus Pai é quem nos atrai por meio da entrega de seu Filho, e deles recebemos o Espírito Santo como guia e mestre de nossa vida. Contudo, a Palavra de Deus, o Verbo Encarnado, será sempre o dom concedido do Pai para o encontro com Jesus Cristo, sob a orientação do Espírito. Somente a partir do encontro com o Cristo é que permaneceremos no compromisso consciente de que Nele é que temos a luz, o amor, a esperança, e a vida eterna. Esta é a autêntica espiritualidade cristã pregada pela Igreja a partir de Jesus Cristo.

Quando falamos de espiritualidade cristã, falamos da experiência do Espírito de Jesus Cristo – do que Ele faz em nós e de nós e do que nós fazemos n’Ele e com Ele no dia a dia de nossa vida. O mesmo Espírito que fez de Jesus de Nazaré o Cristo (ungido, messias) é o que faz de nós cristãos (ungidos, messias)3.

No terceiro capítulo, é importante considerar o tema da Igreja como comunidade que vive a partir da pregação e do encontro com o Senhor, uma vez que a sua origem está justamente ligada à experiência desse encontro pessoal das primeiras comunidades cristãs, ressaltando-se os aspectos da conversão e do testemunho dessas comunidades, com o Cristo. A partir desse encontro pessoal é que descobrimos a verdadeira Igreja cristã. “Sem o Cristo não haveria Igreja cristã. Ela nasce e se constitui, precisamente, enquanto testemunha de Jesus Cristo – sua vida, morte e ressurreição”4.

Manifestada ao mundo pela ação do Espírito, no dia de Pentecostes, a Igreja será sacramento de salvação para aqueles que nela se encontram e que vivem a proposta do Reino. Da Igreja, vamos aos sacramentos, que serão lugares eficazes para que esse encontro com Jesus Cristo seja marcado em todas as etapas da vida. Sobretudo, na Eucaristia, encontraremos o verdadeiro sentido de nossa relação com Deus e com o próximo.

Na nossa reflexão, estudaremos também o tema da opção preferencial pelos pobres como lugar do encontro com Jesus Cristo. É no serviço que deve ser prestado, sobretudo para com os mais necessitados, ou seja, os pobres, os preferidos do Senhor e do Reino, que estabelecemos um verdadeiro encontro com Cristo e nos abrimos a uma profunda conversão.

3 JÚNIOR, Francisco de Aquino. Viver segundo o espírito de Jesus Cristo: espiritualidade como seguimento. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 40.

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Não podemos nos esquecer que essa opção é de uma Igreja verdadeiramente discipular e missionária. “A opção pelo pobre é um componente fundamental do seguimento a Jesus”5.

Finalmente, estudaremos sobre o tema Maria no encontro com Jesus Cristo. Maria nos conduz a esse encontro de comunhão e de serviço. Ela é exemplo para os seguidores de Jesus Cristo, e mostra que o verdadeiro encontro com Ele nos impulsiona para o serviço.

Desse modo, nossa intenção é constatar que a temática do encontro com Cristo perpassa todos os âmbitos teológicos. Desenvolvendo este estudo de maneira sistemática e programática, lançamo-nos quais peregrinos nessa estrada e assumimos o desejo dos gregos que disseram a Filipe: “Queremos ver Jesus!” (Jo 12, 21). Tal são o objetivo do nosso percurso e, como discípulos, reconhecemos a importância dessa exigência.

5 GUTIÉRREZ, Gustavo. A opção profética de uma Igreja. In: SOTER e AMERINDIA (orgs) Caminhos da

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CAPÍTULO I

DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM PARA SALVAR

Desde o princípio, o Deus Criador, amorosamente, fez-se presente na vida do seu povo, Israel. Ao fazer memória da sua história, o povo entende que Deus é presente, que sempre caminha à sua frente, guiando-o e protegendo-o. Essa presença dá-se através desse divino encontro, em que muitos acolhem-no na fé e na esperança, e outros incompreendem-no e, até mesmo, rejeitam-no.

Somos, desde o início, um povo peregrino e testemunhas da presença de Deus sempre atuante em todo o nosso caminhar. Deus, por livre decisão, revela-se e doa-se ao homem. Revelando-se, Deus manifesta a sua vontade e essa é a de que sejamos capazes de conhecê-lo e amá-lo a partir de um encontro vivo com Ele.

Por isso, Deus fez-se presente na história humana e manifestou a todos os povos, de todos os tempos e das mais variadas culturas, a sua presença amorosa. Sua vontade é que sejamos salvos, ou seja, participemos de sua vida e sejamos conduzidos à sua plena presença salvadora e eterna.

1.1 A presença de Deus na criação

O Deus que cria também se faz presente junto de suas criaturas. Como não reconhecer essa presença? Como ignorar ou não perceber esse encontro de Deus com suas criaturas?

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“A variedade das coisas visíveis ao ser humano, acessíveis a seu entendimento, porém, é ínfima em face do que permanece oculto e inescrutável à compreensão humana”6. É Deus que move e sustenta toda a criação; por mais que os homens desejem conhecer todas as coisas, jamais conseguirão compreender o infinito ato criador de Deus.

As coisas criadas distinguem-se do Criador e as coisas feitas daquele que as fez. Ele não foi feito e não tem princípio nem fim, não precisa de ninguém, basta a si mesmo e, mais que isso, confere a existência a todas as outras coisas 7.

Porém, não podemos deixar de reconhecer o ato da criação do homem como imagem e semelhança de Deus. “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, à imagem de Deus Ele o criou, homem e mulher Ele os criou” (Gn 1, 27).

No encontro com Jesus Cristo, reconhecemos ainda mais o sentido de pertença ao Criador, uma vez que o Filho sempre esteve presente desde o princípio da Criação. “Ora, ele sempre existiu, se, como ele mesmo diz, está no Pai (Jo 14, 10s) e se Cristo é a Palavra, a sabedoria e a força, que o Cristo seja isto, como sabeis, o dizem as divinas Escrituras (Jo 1, 14; 1Cor 1, 24); ora, essas são forças de Deus”8.

A plenitude da criação é a existência do homem. O ser criado à imagem e semelhança de Deus é que confere ao homem a sua dignidade, a dignidade de pessoa, que o torna um ser de relação e comunhão. Tudo foi criado para que o homem pudesse reconhecer a Deus e a sua grandiosidade, bem como estabelecer sua vida de comunhão com seu Criador. Por isso, nosso Deus é um Deus de comunhão desde o princípio; criando, Ele ama e, por amor, Ele salva. O objetivo primeiro e último da criação é a manifestação da presença divina junto às criaturas, e a criação é um louvor à grandeza de Deus.

Essa criação é manifestada por Deus para a nossa salvação, este é o seu desejo: “Deus cria para salvar, ou Deus cria e salva”9. Assim, Ele estabeleceu a comunhão com as criaturas e, ao criar todas as coisas por obra de suas mãos, manifestou a sua amorosa presença.

6 SATTLER, Dorothea; SCHNEIDER ,Theodor. “Doutrina da criação”. In Manual de Dogmática I. Petrópolis: Vozes, 2000, p.146.

7 LIÃO, Ireneu de. São Paulo: Paulus, 1995, p.266.

8 DIONÍSIO. “Trindade e Encarnação”. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, São Paulo: Paulinas, 2007, p. 47.

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Não podemos reduzir a criação simplesmente a um acontecimento que ocorreu num período da história, de uma única vez; o conceito de criação supõe que a ação de Deus é constante e desenvolve-se a todo o momento. Deus continua a criar e a fazer-se presente, estabelecendo a comunhão entre criador-criaturas. O amor de Deus comunica a vida do ser e concretiza o nosso existir. É um encontro entre o criador e a criatura, um encontro de amor e de plena comunhão, um encontro que nos permite estabelecer um relacionamento de amizade com Deus; nesse relacionamento, somos criados e Deus vai criando-nos. “Ele nos criou livres e nos fez sujeitos de direitos e deveres em meio à criação”10.

Tudo vem de Deus, dele depende; é Ele quem afirma a criação através de sua presença criadora e salvífica. Concluímos assim que Deus quis estar presente no meio de nós para que nós pudéssemos participar da sua vida, pois dele tudo precede, tudo convive e tudo se plenifica.

Também não é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa, Ele que a todos dá vida, respiração e tudo o mais. De um só, Ele fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados e os limites do seu hábitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, esforçassem-se por encontrá-la, embora não esteja longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17, 25-28a).

O criador comunica sua vida a nós, é o seu próprio ser que se faz presente na criação. “Quanto mais presente o criador, tanto mais faz ser a criatura”11. Na criação, Deus nos comunica o seu Ser; o ser de Deus comunica a vida e nos faz participar da sua vida, de modo que, embora haja a diferença entre criador e criatura, há também a unidade do criado com o criador. Isso pode chamar-se de encontro íntimo e transcendente, encontro que Deus estabeleceu conosco em seu infinito amor.

A criação nos dá a certeza de que pertencemos a Deus, e essa pertença nos enche de esperança. “Com a criação, Deus não abandona a sua criatura a ela mesma. Não somente lhe dá o ser e a existência, mas também a sustenta a todo instante no ser, dá-lhe o dom de agir e a conduz a seu termo”12.

10 CELAM. Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado

Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007, p. 104. (A partir desta referência, nas próximas citações usaremos sempre a citação simplificada: DA).

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Como vemos, o nosso destino é estar em Deus e sermos sua imagem e semelhança. Na encarnação do Verbo Divino, isso se concretiza ainda mais, pois Deus humaniza-se para que nós possamos ser divinizados. A presença de Deus no homem, por meio de Cristo, foi-nos revelada para que todo ser humano, dotado de alma e espírito, seja sinal visível de seu criador.

1.2 O encontro do divino com o humano

Ao revelar-se a nós, Deus quis estabelecer um encontro de amor conosco, por meio de uma aliança. Ao longo da história, a Sagrada Escritura vai mostrar-nos justamente, o encontro de Deus com a humanidade. “Por isso, o Verbo de Deus veio ele próprio, a fim de que, sendo a Imagem do Pai, possa re-criar o homem segundo a imagem”13.

Assim, compreendemos que “enquanto o homem experimenta em si mesmo, na natureza ou na história, a Deus como chegando a ele, como se manifestando a ele, está tendo a experiência radical da revelação”14. É o próprio Deus quem estabelece esse encontro com o homem; como todo encontro, nesse caso, não é diferente: o homem também tem a liberdade de acolher e propiciar a integração desse encontro.

Nesse sentido, “mediante esta revelação, portanto, o Deus invisível, levado por Seu grande amor, fala aos homens como a amigos, e com eles se entretém para convidá-los à comunhão consigo e nela os receber”15. Portanto, o encontro de Deus conosco é um encontro de amor, que estabelece relação, amizade, reciprocidade, comunhão, realização. “À medida que Deus sai imediatamente ao encontro da liberdade humana, está iluminando e capacitando o homem para que oriente na justa direção o processo do mundo, e assim alcance ele mesmo sua autêntica realização”16.

É importante ressaltar que esse encontro de Deus, na sua revelação divina, dá-se com todos os homens, e não somente com um povo específico. Deus está realmente presente em todos os homens, e se revela a eles realmente, apesar de suas deformações; revela-se a eles, sobretudo nas experiências mediadas por suas tradições religiosas17.

Portanto, o encontro de Deus com a humanidade acontece por uma experiência de fé de uma religião. Há, porém, os limites desse encontro, limites que não vêm de Deus, mas

13ATANÁSIO. “A Encarnação do Verbo, restauração humana”. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.143.

14 QUEIRUGA, Andres Torres. A revelação de Deus na realização humana. São Paulo: Paulus, 1995, p. 149. 15 DV 2.

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próprios da criaturalidade humana. Porém, Deus quis se fazer presente a cada homem e, mesmo na limitação humana, proporciona um encontro de amor que ultrapassa tal limitação.

O encontro com o Deus que se revela envolve intimamente, nessa total entrega de si que o homem é chamado a viver, a inteligência e a vontade e se realiza graças à moção do coração, à abertura da mente e à doçura do consentimento, todos eles obra do consolador18.

No encontro com o Verbo encarnado, encontramo-nos a nós mesmos, pois mediante as suas obras, Ele nos revela o rosto do verdadeiro homem e nos faz reconhecer o Pai e a sua ação no mundo. “Assim, o Verbo, querendo devidamente socorrer os homens, devia residir, na terra como homem, tomar corpo semelhante ao deles, e agir através das coisas terrenas, isto é, por obras corporais. Dessa forma, os que não haviam querido reconhecê-lo por causa de sua providência e seu domínio universal, reconheceriam pelas obras corporais o Verbo de Deus encarnado, e por ele, o Pai”19.

1.3O pecado: ruptura do encontro com Deus

O homem ignorou seu encontro com Deus, recusando viver a sua busca de plenitude em Deus. “Levantou-se contra Deus desejando atingir seu fim fora dele” 20. Deus estabelece um encontro de amor com o homem. Este, por sua vez, rompe sua aliança de comunhão com Deus, afastando-se de sua presença.

Criado na liberdade, o homem afasta-se do Criador a partir do momento em que adere totalmente às criaturas. Ao contemplar seu coração, o homem vê que tende a inclinar-se para o mal. Percebendo tal possibilidade, ele rompe seu encontro de comunhão com Deus e desestabiliza-se da sua relação consigo mesmo e com as demais criaturas. “O pecado é o afastamento de Deus e apego às criaturas”21.

Agostinho parte da teoria do amor. Fomos criados por amor. A criação, mediante a revelação, é um encontro de amor e nos impulsiona a amar. Essa busca de amor leva-nos a

18 FORTE, Bruno. Teologia da história: Ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1995, p. 185.

19 ATANÁSIO. “A Encarnação do Verbo, restauração humana”. In Compêndio dos símbolos, definições e

declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.144. 20 DV 13.

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buscar os bens que nos façam amar e sentirmo-nos amados. Isso gera uma busca de felicidade na vida do homem, levando-o a apegar-se às felicidades desta realidade terrena, obscurecendo a sua visão acerca da plena felicidade constituída por Deus desde a criação e afastando-o de seu convívio. “O pecado, porém diminuiu o próprio homem, impedindo-o de conseguir a plenitude”22.

O homem pode, muitas vezes, querer se utilizar das criaturas em busca de sua felicidade, esquecendo-se de que ele foi criado para seu Criador; não reconhecer essa verdade pode levá-lo a pecar e a afastar-se da vida de comunhão com Deus. “Consiste, antes, em preferir ficar com a obra e a arte, em vez, de através delas, chegar ao artista”23.

O pecado pode limitar o homem a contentar-se com a criação, impedindo-o de chegar ao encontro com o seu Criador. Eis a tendência humana de apegar-se desordenadamente aos bens passageiros e limitados, afastando-se do Bem eterno e do encontro com a plenitude, sua realização.

Para Agostinho, o afastamento de Deus acontece quando o homem cede à tentação de “ser como Deus”. Se isso acontece, a quem o homem desejará chegar? Qual será a sua meta? Ele perderá seu destino, logo, seu sentido de ser. Acreditando se bastar em si mesmo, voltando-se somente para si, negando sua condição de criatura e fazendo-se um “deus”.

Essa consciência deve nos levar, a saber, que “o bem e a graça de Deus, por seu plano, chegam a nós também mediante os outros. A fidelidade pessoal a Deus não significa apenas a realização da vocação pessoal, mas a cooperação no bem de todos”24.

Conforme sublinha Moser, “para São Gregório Nazianzeno, a origem da guerra, das revoltas e da tirania encontra-se justamente, no fato de alguns se apoderarem do que estava destinado a todos” 25. O pecado também trouxe para a humanidade a injustiça, dentro da qual uns enriquecem e outros ficam cada vez mais pobres. O mal do pecado gera a desigualdade e, na sociedade, produz a miséria de muitos em detrimento do excesso do luxo de poucos.

O homem apega-se às criaturas e busca desordenadamente enriquecer-se delas, transgredindo a ordem da criação e violentando-se contra o próprio criador. O pecado leva-o a afrontar-se acima dos valores da sua dignidade estabelecida por Deus e usando violentamente as coisas criadas, até mesmo a vida humana. No curso da história, podemos constatar que muitos homens e mulheres foram tratados como propriedades de outros. Ainda hoje,

22 DV 13.

23 MOSER, Antonio. op. cit, p. 184.

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encontramos na sociedade a comercialização das pessoas, como o comércio ilegal das adoções, a prostituição etc. O pecado gera a morte e a negação do amor, impedindo-nos de encontrar Deus e rompendo nosso relacionamento com Ele.

1.4 A Aliança: reencontro e relacionamento com Deus

A aliança é um elemento teológico fundamental para que possamos compreender a história de Israel, um povo que rompe sua relação com Deus, mas que depois caminha com Ele e sente-se eleito e escolhido. O encontro que Deus realiza com o povo de Israel quer ser um encontro de salvação: Deus toma a iniciativa de salvar.

A Salvação que Deus oferece a Israel exige uma resposta. Todo encontro exige uma acolhida da parte de quem recebe o convite para se encontrar. Deus vem ao encontro do povo para salvá-lo e esse, por sua vez, responde livremente com fidelidade, mediante seu compromisso ético, religioso e cultural. A participação do homem é essencialmente significativa, pois a infidelidade para com esse encontro, ou seja, para com a aliança, leva-o a essa ruptura. Porém, constatamos que Deus aproxima-se novamente do homem: ele estabelece um reencontro com o ser humano, oferecendo uma nova aliança. Israel é convidado a olhar constantemente para as alianças feitas, no passado, para assim entender sua situação perante Deus.

Desde o início da história do povo de Israel, vemos a presença de Deus atuante. Ele quer salvar, porém, exige fidelidade. “Deus estabelece relacionamento pessoal com o homem. O homem responde pessoalmente à proposta de Deus” 26. Portanto, inicia-se um reencontro entre Deus e o homem, um reencontro que promove o relacionamento pessoal e existencial.

Esse relacionamento se concretiza por meio da Palavra; poderíamos assim chamá-lo de tempo da Palavra. “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2). Deus falou-nos por meio da Palavra dos profetas e por meio de seu Filho, Plenitude do tempo da Palavra. Tal é a história profética, a da antiga aliança, na qual percebemos a linguagem de Deus que sempre fala aos homens. “É através da palavra que se realizam todos os grandes inícios da história da

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salvação: assim foi com a vocação de Abraão: “Javé disse a Abraão [...]” (Gn 12,1), assim foi com a de Moisés [...] ”27.

Deus falou com os profetas. Estabeleceu um relacionamento com eles a partir de um encontro. Esse encontro gerou neles uma escuta atenta e sensível da Palavra de Deus, certos de serem fiéis à sua vontade, respondendo com aceitação à sua proposta.

Assim foi com Abraão. A Palavra de Deus foi dirigida a ele numa visão e disse: “Não temas, Abraão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande” (Gn 15, 1). Deus estabelece com ele uma aliança e promete-lhe uma grande e constante recompensa. Ainda mais, promete-lhe uma descendência. Abraão responde com fé. Sua confiança lhe proporciona um encontro de relacionamento com Deus, encontro que é representado da maneira do seu tempo à maneira mais comum usada no Antigo Oriente: “repartir o animal no meio e caminhar entre as partes separadas ligava as partes em aliança” 28·. O fogo que ali termina a celebração da aliança é sinal da presença de Deus. “Quando o sol se pôs e estenderam-se as trevas, eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre os animais divididos. Naquele dia, Iahweh estabeleceu uma aliança com Abraão...” (Gn 15, 17-18a).

A aliança realizada com Abraão expressa um Deus presente a atuante na vida do seu povo. “Abraão e os seus percebem uma presença ativa que fica além das formas, sem se identificar com elas”29. Deus vai estabelecendo um relacionamento na vida de Abraão, mediante sua presença. O encontro dá-se de maneira gradativa, revelando-se pouco a pouco, estabelecendo sua aliança. Isso significa que o povo de Israel também foi percebendo a proximidade de Deus e de sua vontade ao longo da história.

Abraão recorda-nos de que Deus estabelece um reencontro com cada um de nós, fazendo-se presente e confiando-nos uma promessa. Estabelecendo uma aliança conosco, ele exige de nós uma resposta com fidelidade. “Bendizemos a Deus pelo dom da fé que nos permite viver em aliança com Ele até o momento de compartilhar a vida eterna”30.

27 FORTE, Bruno. Teologia da História: Ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1995, p.126.

28 BERGANT, Dianne. KARRIS, Robert. Comentário Bíblico Volume I. São Paulo: Loyola, 1999, p. 71. 29 MESTERS, Carlos. Deus, onde estás?, Belo Horizonte: 5.ed. Vega, 1976, p. 21.

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1.5 O encontro com o Deus da vida e da libertação

Há uma afirmação do livro do Êxodo que relata a proximidade de Deus com o sofrimento humano e sua complacência por nós (Ex 3, 7-8).

No texto, nós constatamos que Israel estava sendo explorado pelos egípcios e foi libertado por uma intervenção de Deus. Isso demonstra que Deus vem ao encontro do homem para salvar e também para libertar. Deus vai revelando-se como salvador e libertador. O êxodo desdobra-se em três acontecimentos fundamentais: “a libertação da escravidão no Egito, a peregrinação pelo deserto, conduzido por Iahweh, e o compromisso assumido entre este e o povo de Israel”31. Ambos os acontecimentos são para manifestar a imagem de Deus

para o povo: um Deus que deseja a vida do seu povo e quer torná-lo livre, para que tenha vida em plenitude.

Podemos, então, considerar que: “a saída do Egito para Israel, dada a situação da escravidão em que se encontra o povo, trata-se de uma verdadeira salvação”32. O povo de Israel, mediante sua experiência de exílio e também de deserto, vai ao encontro de vida, ou seja, de salvação e libertação. Essa foi a experiência do povo no monte Sinai. “Ali Javé se manifesta e conclui um pacto com aqueles que tirou do Egito, constituindo uma verdadeira comunidade, um povo novo”33.

Deus quer estabelecer um povo novo, restaurado, possuidor de uma terra cheia de vida e libertação. No Sinai, Deus revela sua lei e estabelece a aliança com seu povo, tornando-o ptornando-ovtornando-o de Deus. Esse enctornando-ontrtornando-o gera uma identidade e uma certeza de que Deus caminha ctornando-om seu povo e interessa-se por ele.

A experiência feita por Moisés junto de Deus nos ajuda a compreender a presença deste Deus que quer a vida e a libertação. Essa última é manifestação da vida. Moisés, que se dispõe a servir o Senhor e diante da presença de Deus, recebe uma missão especial: conduzir o povo à libertação.

A história de Moisés e sua relação com Deus revelam como Deus trata seu povo. “Então disse Moisés a Deus: Quem sou eu para ir a Faraó e fazer sair do Egito os israelitas? Deus disse: Eu estarei contigo; e este será o sinal de que eu te enviei: quando fizerdes o povo

31 RUBIO, Alfonso Garcia. Unidade na pluralidade: O ser humano à luz da fé e da reflexão cristã. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 94.

32 BINGEMER , Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: A vida no coração do mundo. São Paulo: Paulinas; Valência: Siquem, 2002, p. 43.

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sair do Egito, vós servireis a Deus nesta montanha” (Ex 3, 11-12). No monte de Deus, Moisés recebe a incumbência de ser sinal de libertação e de levar o povo a um ato de fé. “Nela Javé se revela como libertador, através de um gesto que acompanha e dá sentido a todo o itinerário que leva seu povo ao encontro com ele”34. A fé no Deus da libertação leva o povo a prestar-lhe culto. “Por isso libertação e culto ao Senhor estão estreitamente ligados”35. Para que o povo preste verdadeiro culto ao Senhor, é preciso que ele esteja livre. O verdadeiro culto a Deus supõe o estado de liberdade.

Moisés é sinal de libertação e de vida concedidos por Deus ao seu povo. A presença divina junto do povo é dada pela mediação humana de Moisés. Deus não age sozinho. Ele conta com a participação do homem.

O encontro pessoal com o Deus da vida e da libertação leva-nos a gerar vida e a promover a liberdade daqueles que hoje estão aprisionados e escravizados. Deus conta conosco para salvar, porém não caminhamos sozinhos e este não é um poder próprio, mas Ele sempre está presente.

Não podemos ignorar esta verdade: “A ação de Deus requer que se ponham em prática seus mandamentos”36. Somente a vivência dos mandamentos pode gerar vida e contar com a intervenção humana na salvação do homem. Deus salva amando, nós somos chamados a participar desse plano de salvação vivendo, sobretudo o amor e a justiça. “Deus não impõe a sua aliança; ela é um dom, e, portanto, exige uma opção. Uma opção pela vida” 37. Portanto, “optar pela vida é escolher a Deus, apegar-se a Ele como uma criança com seus pais, fonte e proteção de sua vida” 38.

A presença de Deus será sempre manifestação de vida e libertação, por isso a revelação do nome de Deus confirmará ainda mais essa presença. “Moisés disse a Deus: “Quando eu for aos israelitas e disser: ‘O Deus de vossos pais me enviou até vós’; e me perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’, que direi?”Disse Deus a Moisés:“Eu sou aquele que é.” (Ex 3, 13-14).

É importante salientar que “no mundo semítico, o nome de uma realidade é a própria realidade, é o significado da presença e da ação de um ser”39. A revelação do nome de Deus

supõe a sua presença na vida de Moisés e de seu povo. O nome de Deus quer significar que

34 GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da vida. 2aed. São Paulo: Loyola, 1992, p. 26.

35Ibidem, p. 26. 36Ibidem, p. 28. 37Ibidem, p. 28. 38Ibidem, p. 29.

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Deus está conosco, caminha com o seu povo, está presente. Deus se faz presente na humanidade para comunicar a vida e libertá-la de toda opressão. “O eterno faz-se presente no temporal, o absoluto na história, sem ser, porém, apenas uma presença: é também comunhão, dom”40. O nome de Deus manifesta o seu desígnio de libertação e vida.

A importância da vida e da libertação é uma necessidade indispensável para o homem; é nesse encontro com Deus e diante da sua presença que nós encontramos não apenas os bens materiais, como o alimento, mas também a nossa liberdade e a nossa dignidade como pessoa. No encontro com o Deus da vida, “deixamos de ser estrangeiros e peregrinos para nos tornarmos possuidores no pleno exercício de todos os seus direitos, os homens e as mulheres poderão dirigir a Deus um culto em espírito e verdade” 41.

No encontro com o Deus da vida e da libertação, somos convidados a reconhecer a sua grandeza; esse reconhecimento de nossa parte coloca-nos em relacionamento com ele. “A proximidade de Deus das suas criaturas faz compreender melhor o sentido do seu poder”42.

Essa proximidade e essa presença foram experimentadas pelo povo durante sua caminhada pelo deserto. Entre sair da escravidão e chegar à terra prometida, houve um tempo de deserto, de espera. O deserto proporciona um encontro maior com Deus e consigo mesmo. O povo faz experiência de suas necessidades e, ao mesmo tempo, a experiência de um Deus providente. É a experiência da necessidade, mas também da maturidade; da tentação, mas também da mão prodigiosa de Deus. Na terra sem vida do deserto, é o próprio Deus que sustém, a cada dia, cada membro do seu povo (Ex 16,4). Pão (maná) e carne (as codornizes), água (Ex 17,5), até calçados e roupas (Dt 29, 4), são tantos outros sinais da amorosa presença de Deus que, como um pastor, guia seu rebanho pelo deserto (Sl 78, 52)43. O deserto é símbolo da caminhada do povo de Deus. Nele, faz-se a experiência de Deus, o encontro com Deus também se estabelece nesse caminho.

Esse encontro com o Deus da vida e da libertação gera a salvação, mas também passará pela ausência. O povo sente a ausência de Deus e é tomado de ingratidão e revolta. “Antes fôssemos mortos pela mão de Iahweh, na terra do Egito, quando estávamos sentados junto à panela de carne e comíamos pão com fartura. Certamente nos trouxestes a este deserto para fazer esta multidão morrer de fome” (Ex 16, 3). Ao deparar-se com essa experiência, o povo revolta-se e blasfema contra Deus a ponto de buscar ídolos ou outros deuses. O deserto

40GUTIÉRREZ , Gustavo. O Deus da vida. São Paulo: Loyola, 1992, p. 36. 41Ibidem, p. 42.

42Ibidem, p. 43.

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remete-nos à Aliança. O povo vive a incredulidade e a ingratidão. Contudo, Deus, no seu infinito amor, sempre vai ao encontro do homem, e o chama para proporcionar um novo encontro diante da sua presença, a fim de salvá-lo e caminhar com ele.

Deus é sempre o protagonista do encontro com a humanidade, ele está sempre presente, e sua presença é uma presença de amor e de justiça. Portanto, no encontro com o Deus da vida e da libertação, somos chamados a uma adesão; esse encontro deve nos influenciar, nos tornar cheios de vida para amar e nos tornar livres para exercer a justiça.

1.6 O conhecimento de Deus como caminho para o seguimento

Para se conhecer a Deus, é preciso um profundo encontro com Ele. Ele se deixa encontrar, na vida e na história, no dia a dia do povo, nas lutas a nas esperanças, nas tribulações e nas realizações da humanidade. Esse é o Deus da bíblia, da tradição da comunidade.

Deus é um Deus pessoal e único que proporciona um encontro pessoal com o homem mediante uma aliança de amor. Ele escolhe e converte o seu povo. E este o escolhe para servi-lo e amá-servi-lo. Há um caminho, uma pedagogia a ser traçada.

Nesse caminho é preciso considerar cada etapa a ser traçada: “Para identificar estas etapas, poderíamos, recorrendo à tipologia do teólogo Juan Luis Segundo – chamá-las de: 1-Deus terrível; 2-O 1-Deus da aliança; 3-O 1-Deus Transcendente e Criador; 4-O 1-Deus justo para além dos limites da vida e da morte” 44.

Não podemos nos esquecer que Deus está presente a todo o momento; pela graça, Ele nos torna participantes da sua vida e, na graça, Ele nos proporciona esse encontro de conhecimento de sua vontade e de seu amor.

Deus é conhecido pela história. Isso corresponde à experiência humana concreta, como também a tiveram outros povos e também a temos nós ainda hoje: encontramos a Deus antes de tudo não por meio da nossa própria reflexão, mas pelo fato de que crescemos num ambiente caracterizado pela

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religião, a qual sabe que foi fundada e é sustentada por Deus, colocando também a mim em relação com Deus45.

A história é testemunha da presença de Deus no mundo, e nós somos continuadores dessa certeza por meio de nosso testemunho e de nossa adesão à fé. Portanto, o nosso conhecimento acerca de Deus é caminho para o seguimento, pois, conhecendo o testemunho e testemunhando-o, eu me abro a ele. Essa abertura gera em mim o desejo de segui-lo e de testemunhá-lo ao mundo para que outros também o reconheçam e o sigam.

A teologia do encontro não ignora o fato de que “Deus se torna conhecido por meio de homens que o conhecem, põem-se à sua disposição, preparam-lhe um lugar no mundo”46. O caminho para seguir a Deus não é duvidoso, não está longe de nós, não é algo irreal, mas presente na vida humana.

O caminho para Deus, concretamente, sempre torna a passar pelo homem que já está com Deus. “Não passa pela pura reflexão, mas pelo encontro, o qual, a verdade, se aprofunda pelo pensamento, se torna mais autônomo e ao mesmo tempo, também comunicável de modo novo” 47.

É no encontro que nós estabelecemos um relacionamento com Deus e nos adentramos ao mistério de sua vontade e de sua vida de amor. Por isso, nossa adesão é essencial, nossa participação na sua vida e na sua obra é condição necessária para segui-lo e preservar nossa dignidade de pessoa humana. “O conhecimento de Deus é um caminho; ele se chama seguimento. Não se revela a quem não participa, a um espectador que permanece neutro, mas se abre quando nos pomos a caminho” 48.

45 RATZINGER, Joseph. Dogma e Anúncio. São Paulo: Loyola, 2007, p. 85. 46Idem, p. 89.

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CAPÍTULO II

O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: CAMINHO DE FORMAÇÃO

INTEGRAL DO DISCÍPULO MISSIONÁRIO

No encontro com Jesus Cristo, vivo e ressuscitado, encontramo-nos com o verdadeiro Deus feito homem e conosco mesmo. É Deus presente em nossa história, de forma definitiva. É a maneira pela qual nos aproximamos do verdadeiro amor e da verdadeira comunhão com Ele e com os irmãos.

Em Jesus Cristo, nós nos encontramos e encontramos o verdadeiro sentido de nossa existência.

Em Cristo e por Cristo, Deus revelou-se plenamente à humanidade e aproximou-se definitivamente dela; e, ao mesmo tempo, em Cristo e por Cristo, o homem adquiriu plena consciência da sua dignidade, da sua elevação, do valor transcendente da própria humanidade e do sentido da sua existência49.

Do seio da Trindade, desvela-se o grande projeto de amor. Deus encarna-se, na realidade humana, para se comunicar conosco e se manifestar a nós por meio de Cristo; nesse sublime encontro, nós podemos nos encontrar e nos reconhecermos a nós mesmos. Ele mesmo se comunica a nós, está presente no meio de nós, vivendo conosco e sentindo nossas alegrias e nossas dores: “viveu em tudo a condição humana, menos o pecado”50.

Ao vir ao nosso encontro e assumindo a nossa carne, o Deus-encarnado a redime definitivamente. Em Jesus Cristo, dá-se de modo definitivo e pleno o plano salvífico de Deus. “Jesus Cristo, portanto, Verbo feito carne, enviado como homem aos homens, profere as palavras de Deus (Jo 3, 34) e consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou”51. Jesus Cristo é o novo Adão e se faz presente no meio de nós para nos salvar e formar de maneira integrada todo o nosso ser, se fez presente em meio aos seres humanos. Por isso, o verdadeiro discípulo-missionário de Jesus Cristo deve reconhecer nele o verdadeiro Deus que habitou em nosso

49 JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. Carta Encíclica, 1979. São Paulo: Paulus, 1997, 11. 50Missal Romano, Oração eucarística IV.

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meio e o verdadeiro homem que nos mostra a maneira mais eficaz de viver a nossa verdadeira humanidade.

2.1 Na encarnação, o Filho de Deus vem ao encontro de nossa humanidade

Deus vem ao encontro de nossa humanidade para recriá-la, para mostrar o mistério do homem e para restituir a sua verdadeira dignidade. A fé da Igreja, na Encarnação do Verbo, é o grande sinal da fé cristã. Deus visitou o seu povo. A visita de Deus é definitiva. Ele está conosco (Emanuel) e vai fazer de nós filhos de Deus, partícipes da natureza divina.

O Pai é o princípio desse encontro. Ele enviou o Filho e o Espírito para nos conceder o dom da redenção, da adoção e da santificação, segundo o hino cristológico da Carta aos Efésios. A ação do Pai é sempre iniciativa de revelação e salvação, pois sabemos que “o Deus altíssimo que criou todas as coisas com sua palavra, fez aliança com os patriarcas, elegeu Israel como um filho, derramou o Espírito sobre os profetas e ofereceu seu favor às nações”52.

Portanto, o Pai é a origem da vida eterna e fonte primeira de toda a bênção. “É o Pai quem envia o Filho e, com o poder de sua paternidade, envia também o Espírito”53. O Pai é quem abre os nossos corações para que possamos acolher Aquele que vem, ou seja, o Seu Filho único, Fonte da vida plena para a humanidade. “É Deus Pai quem nos atrai por meio da entrega eucarística de seu Filho (cf. Jo 6, 44), dom de amor com o qual saiu ao encontro de seus filhos, para que, renovados pela força do Espírito, possamos chamá-lo de Pai”54.

É o amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo que nos renova e nos conduz à vida de comunhão e de novas criaturas. Essa vida de comunhão é o conceito mais próprio para se entender o mistério da salvação. Comunhão é o encontro da vida divina com a vida humana. Esse encontro nos eleva à comunhão com o Pai e nos proporciona o anseio de nos aproximarmos cada vez mais da vida da Graça Divina. “Na história do amor trinitário, Jesus de Nazaré, homem como nós e Deus conosco, morto e ressuscitado, nos é dado como caminho, Verdade e Vida”55. Em Jesus, nós temos o sentido, o meio e a razão para viver. Ele

é quem nos conduz ao Pai e nos comunica o Pai.

52 Marcial MAÇANEIRO, Deus Pai e seu amor salvífico em alguns documentos de Paulo VI e João Paulo II, Roma, 2001, p. 18.

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No encontro de fé com o inaudito realismo de sua Encarnação, podemos ouvir, ver com nossos olhos, contemplar e tocar com nossas mãos a Palavra de Vida (cf. 1 Jo 1,1) experimentamos que o próprio Deus vai atrás da ovelha pedida, a humanidade extraviada56.

O Filho de Deus assumiu a nossa natureza humana para realizar nela a salvação. Ele se fez homem para que nós pudéssemos ser inseridos na sua divindade e, assim, participar da salvação. “E por nós homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”57.

Essa foi a sua prova de amor por nós e a prova de que nós pertencemos a Ele eternamente, pois estamos inseridos Nele, uma vez que Ele nos assumiu. Jesus é plenamente humano, sem perder a sua divindade. Entretanto, na plenitude de sua humanidade, é ícone da criação, pois revela a verdadeira face do homem. Seus gestos, palavras, seu modo de viver, ao mesmo tempo em que revela a presença de Deus, que aqui é nosso locus teologicus, revela também a face do humano.

É no mistério da encarnação que descobrimos a grandeza da humanidade. Essa grandeza foi estabelecida pelo próprio Deus por meio de Jesus Cristo.

Com efeito, pela Encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado58.

Na Encarnação do Verbo, nós nos tornamos participantes da natureza divina, entramos em comunhão com o criador, mas também somos plenamente humanos, revelando, em nossa carne, a existência e a essência de Deus e do homem que se encontrou com Deus e consigo mesmo.

Por isso, a cada missa que o sacerdote realiza ele faz memória desse ato salvífico, inclusive mediante um gesto simbólico desse fato. Na preparação do cálice, ao colocar o vinho e mergulhar nele uma gota d’água, ele reza a seguinte oração: “Pelo mistério desta água

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e deste vinho possamos participar da divindade do vosso Filho que se dignou assumir a nossa humanidade”59. A gota d’água dilui-se no vinho. A água não se transforma em vinho, mas é assumida por ele, participa da sua substância de vinho. O mesmo acontece conosco. Cristo assume a nossa humanidade de forma que Ele é verdadeiramente homem, mas nós não somos deuses. Porém, ao sermos assumidos por Ele, sem deixar nossa natureza humana, participamos de sua divindade, experimentamos os frutos da sua vida, a salvação. “Essa prova definitiva de amor tem o caráter de um esvaziamento radical (Kénosis), porque Cristo “se humilhou a si mesmo fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz (Fl 2,8)”60.

Essa é a fé da Igreja que nós professamos, na certeza de que Deus nos visitou e fez sua morada entre nós, uma morada eterna. O evangelho de João nos quer relatar justamente esse caráter do encontro do Senhor com a humanidade. Do Senhor que estava junto da humanidade desde o princípio. “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1, 1). O Deus que se revela na Palavra é Vida “e a vida era a luz dos homens” (cf. Jo 1,4). “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1, 14). O encontro com Jesus Cristo é vida e luz para a humanidade e nos impulsiona a partir deste encontro a mudar nossa maneira de viver o seguimento de Jesus. “Tudo o que significa dar vida, e de diversas maneiras, é próprio do seguidor do Senhor”61.

O mistério da encarnação nos insere numa realidade ímpar, sem igual. Neste mistério vemos claramente a ação de Deus no homem. “No mistério da Encarnação, a natureza humana foi assumida, não aniquilada” 62. Portanto, a encarnação nos dá a graça de pertencermos a Deus e nos tornarmos plenamente humanos, realizando em nós a existência e a essência desse encontro, que é vida e comunhão. O Senhor assumiu a nossa humanidade para que pudéssemos nos tornar homens novos, recriados pelo seu infinito amor. “Deve-se professar que ele, Sabedoria, Verbo Filho de Deus, assumiu o corpo humano, alma, sentir, isto é, o Adão inteiro, e, para dizê-lo ainda mais expressamente, todo o nosso homem velho, sem o pecado”63. Em Jesus Cristo, realiza-se e atualiza-se o mistério do homem.

Jesus é o Filho de Deus, a Palavra feita carne (cf. Jo 1, 14), verdadeiro Deus e verdadeiro homem, prova de amor de Deus aos homens. Sua vida é uma

59Missal Romano, Preparação das Oferendas. 60 DA 242.

61 GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida, São Paulo: Loyola, 1992, p. 113. 62 CEC 470.

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entrega radical de si mesmo a favor de todas as pessoas, consumada definitivamente em sua morte e ressurreição64.

O verdadeiro discípulo de Jesus Cristo deve reconhecê-lo como único Deus e totalmente homem. Ao assumir toda a humanidade, menos o pecado, Ele assumiu até mesmo a morte. Tudo o que Ele assumiu, Ele redimiu. Portanto, reconhecemos Nele a Nova Vida que Ele nos deu com a entrega da sua própria vida. É um mistério, que não significa apenas uma aproximação, mas comunhão.

Quando, pois, o Logos se faz homem, essa sua humanidade não é algo que preexista, mas o que se torna e surge em sua essência e existência, se e à medida que o Logos se exterioriza. Este homem é precisamente enquanto homem a auto-expressão de Deus como a expressão de si para fora de si, pois Deus expressa-se a si precisamente quando se exterioriza, dá-se a conhecer a si mesmo como o Amor, quando esconde a majestade deste Amor e se mostra na ordinariedade do homem65.

O Verbo de Deus, ao se fazer carne e vir habitar no meio de nós, assumiu a ordinariedade humana para revelar o majestoso amor de Deus nas realidades humanas: “continua sendo verdade que o Logos se fez homem, que a história do devir desta realidade humana tornou-se a sua própria história, nosso tempo tornou-se o tempo do Eterno, a nossa morte tornou-se a morte do próprio Deus imortal”66. Portanto, o encontro do Filho de Deus com a nossa humanidade é de modo pleno. Porém, no encontro com o Logos encarnado, Ele não apenas nos fala de Deus, pois se assim o fosse, a encarnação seria limitada em si, mas na encarnação é o próprio Deus a se comunicar conosco. “É preciso que o homem Jesus em si mesmo, e não só mediante suas palavras, seja a auto-revelação de Deus, e propriamente não o pode ser, se precisamente essa sua humanidade não for a expressão de Deus”67.

A encarnação não é uma ideologia, um símbolo, uma parábola, mas “Cristo é o homem em sua máxima radicalidade, e sua humanidade é a mais autônoma e a mais livre, não

64 DA 101.

65 RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulus, 1989, p.267. 66Ibidem, p.263.

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apesar, mas porque é a humanidade que foi estabelecida ao ser assumida, foi estabelecida como a auto-expressão de Deus”68.

O homem se conhece e se reconhece a partir do momento em que ele busca ir ao encontro de Jesus Cristo e a aprender dele o sentido de ser verdadeiramente homem criado à imagem de Deus: só posso entender-me a partir e no horizonte do Verbo Encarnado, Jesus Cristo. Ele se uniu à minha humanidade. Resgatou-me e deu-me uma dignidade sublime e uma altíssima vocação. Essa dignidade é aquela dignidade de pessoa humana, livre e inteligente. Uma dignidade pela qual partilho necessariamente minha existência com outros seres humanos, responsável por meus atos e minhas omissões, por minha vida e destino, e corresponsável pela vida e pelo destino dos outros. A vocação é a de ser filho de Deus, irmão dos outros seres humanos, e um dia ressuscitado dos mortos, herdeiro do céu.

Podemos ter presente que “na realidade, tão só o mistério do Verbo encarnado explica verdadeiramente o mistério do homem. Cristo, na própria revelação do mistério do Pai e de seu amor, manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre sua altíssima vocação”69.

Nisso, podemos concluir que experimentamos nossa humanidade quando nos transcendemos, quando nos encontramos com Deus, quando buscamos a nossa divinização. Esse desejo de divinizar-se já está inscrito em nosso coração. Segundo Leonardo Boff, a natureza humana só é de fato humana quando buscamos a natureza divina e a participação na mesma articula a essência mais secreta do homem.

Pela Encarnação, não é somente Deus que vai ao encontro do homem; o homem também vai e sempre esteve em busca de Deus. Jesus de Nazaré, Deus humano, representa o encontro dos dois movimentos, o abraço de dois que, desde sempre, se buscavam... a busca humana de Deus é efeito da busca divina do homem70.

Portanto, já está inscrito, no coração humano, a busca pela divinização. A nossa participação, na natureza divina, insere-nos ainda mais na nossa essência humana. A natureza divina plenifica ainda mais a nossa humanidade.

68Ibidem, p. 270. 69 GS 22.

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A encarnação é a participação na vida de Deus, uma vez que Ele desejou participar da nossa vida humana. “Participar de Deus para o homem é poder ter aquilo que em Deus é ser: é amar radicalmente, autodoar-se permanentemente... Viver em comunhão, dimensionar-se para os outros... é divinizar-dimensionar-se e permitir que Deus dimensionar-se humanize”71. Podemos também afirmar que Deus participa da natureza do homem, “vive-se o estar do homem em Deus experimenta-se o estar de Deus no homem”72. Deus é presença na nossa vida, e nós nos

tornamos presentes na vida de Deus, quando estamos unidos, pela graça, a Jesus Cristo, Deus e homem. Esse mistério é iniciativa da graça de Deus, mas que conta com a colaboração humana.

Cristo é a imagem perfeita do mistério da Encarnação. A perfeita comunhão da vida divina e humana, pois tudo o que Ele viveu não foi somente para si que ele viveu, mas para todos nós seres humanos.

Confessamos, portanto, nosso Senhor Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, perfeito Deus e perfeito homem, composto de alma racional e de corpo, antes dos séculos gerado do Pai segundo a divindade, no fim dos tempos nascido, por causa de nós e de nossa salvação, da virgem Maria, segundo a humanidade, consubstancial ao Pai segundo a divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade. Aconteceu de fato, a união das duas naturezas, e por isto nós confessamos um só Cristo, um só Filho, um só Senhor73.

É no viver em Cristo que nos realizamos em nosso viver. Tornando nossa vida semelhante à Dele, podemos modificar toda a nossa vida. Esse seria o verdadeiro caminho integral de conversão do homem e o paradigma de uma perfeita comunhão.

Seu viver, de dentro mesmo de nossa finitude e de nossa impotência, uma vida de plena abertura a Deus e ao ser humano, uma vida fraternal para além do ódio e do egoísmo, uma vida absolutamente baseada no amor e cheia de sentido apesar de tudo... seu viver... tudo isso vai simultaneamente tornando possível que o homem finito e impotente seja capaz de vivê-lo74.

71Ibidem, p. 289. 72Ibidem, p. 290.

73 SISTO III “Carta a Dionísio, bispo de Alexandria”. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.103.

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Por isso, Cristo assume e realiza todas as realidades humanas. Nós, ao estabelecermos o nosso encontro pessoal com Ele, temos a possibilidade de nos realizarmos plenamente. “Se Cristo deixasse de viver alguma das determinações fundamentais da existência humana, não seria cabalmente humano, e nós não estaríamos redimidos por inteiro”75. Portanto, Cristo é a imagem do homem novo, que participa da natureza divina enquanto se humaniza plenamente.

No encontro com Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, somos impulsionados a viver o caminho da conversão e da comunhão com Ele. Somos chamados a pertencer a ele e a ter as mesmas atitudes que o mestre. Isso nos impulsiona a viver o seguimento e a missão do Senhor.

2.2 O Encontro com Jesus Cristo: caminho de conversão e comunhão

A partir do encontro pessoal com Cristo, com a sua pessoa, sua humanidade e sua divindade, podemos estabelecer com Ele uma aliança, uma vida de comunhão. Essa vida em Cristo nos leva a percorrer um caminho de conversão e de comunhão. A conversão se dá em Cristo, esta é a grande novidade do discipulado. Para o discípulo já não conta tanto as aptidões humanas nem mesmo morais, mas o encontro com a pessoa de Jesus Cristo. O nosso modo de viver e de agir modifica-se a partir do encontro com Cristo.

No encontro com Cristo, descobrimos a boa-nova da esperança plena para nós e para o mundo. “Participar de Deus para o homem é poder ter aquilo que em Deus é ser: é amar radicalmente, autodoar-se permanentemente... Viver em comunhão, dimensionar-se para os outros... é divinizar-se e permitir que Deus se humanize”76.

Na Sagrada Escritura, a expressão “o tempo se cumpriu” refere-se ao termo grego

Kairós, que quer significar o tempo em que o Senhor se faz presente, se manifesta. Por isso, ao dizer que o tempo se cumpriu, o evangelista quer nos mostrar que há uma revelação especial de Deus com a qual Jesus se comprometeu, e nós podemos participar. Esse tempo nos insere no caminho da conversão e é pressuposto para estabelecer uma vida de comunhão com Ele.

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Não se trata de uma realidade puramente interior que acontece no fundo de nossas almas. É um projeto de Deus que ocorre, no coração de uma história, na qual os seres humanos vivem e morrem, acolhem e rejeitam a graça que os transforma a partir do interior77.

Portanto, a graça de ser inserido no caminho da conversão e da comunhão em Cristo, exige de nós a vontade e a radical adesão ao seu projeto. Ao irmos ao encontro de Cristo, somos convidados a percorrer o caminho da vida. O caminho da vida é marcado pela sua presença entre nós, bem como pela nossa participação na sua vida. Em Jesus Cristo, realiza-se o mistério da redenção, que nos humaniza e nos diviniza.

Deus quer de nós uma conversão profunda e pessoal em vista de uma verdadeira transformação. “É um fato que, na história da salvação, após o pecado original, cada vez que Deus vai ao encontro do homem para com ele dialogar, fa-lo para provocar, no mesmo ser humano, a conversão do coração”78. Ao estabelecer um encontro com Cristo, nós nos sentimos motivados e impulsionados a modelar o nosso coração ao Dele, pois acreditamos que, ao nos relacionarmos com Cristo, nos identificamos com Ele, somos levados a nos assemelhar cada vez mais a Ele, e essa tarefa nos realiza e nos humaniza sempre mais.

É em Cristo que nós nos tornamos verdadeiros discípulos. Não há outro caminho para o discipulado senão esse. “Não se começa a ser cristão, por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”79.

A partir do relacionamento de comunhão que nós estabelecemos com o Mestre, é que vamos experimentando a verdadeira conversão, a gratuidade e a satisfação na alma, pois esse relacionamento parte do coração e da reciprocidade entre o homem e Deus. Quanto mais o homem voltar-se para Deus, mais lhe será revelada a sua grandeza humana. Essa vida de comunhão exige voltar-nos para nossa condição de batizados. Para isso, é preciso uma maior conscientização das nossas comunidades: “Uma via fecunda para avançar para a comunhão é recuperar em nossas comunidades o sentido do compromisso do Batismo”80.

Essa compreensão nos torna mais conscientes da necessidade de uma eclesiologia de comunhão presente no diálogo ecumênico, a relação com os nossos irmãos e irmãs batizados.

77 GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992, p. 136.

78 SÍNODO DOS BISPOS, Assembléia Especial para a América: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 36.

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Eles, juntamente conosco, formam essa realidade de conversão para Cristo e de vida de comunhão com Ele. “Portanto, a unidade das Igrejas, que atende à oração de Jesus, que é uma ordem para os cristãos, tem como finalidade a coerência com o Evangelho e a relevância para com a humanidade”81.

Como podemos perceber, é fundamental, para um verdadeiro encontro com Jesus Cristo, uma conversão pessoal, não individualista, pois já é claro para nós que a conversão em Jesus Cristo exige a inserção na sua vida, no seu corpo, e esta é vivida na comunhão com Ele e com os seus seguidores. Assim nasce a Igreja e a sua identidade é confirmada sempre mais. Somos um corpo, o corpo de Cristo, por isso, devemos viver segundo os membros desse corpo.

Para aqueles que querem seguir o mestre, é preciso abraçar a sua causa e aderir a Ele. Permanecer com Ele todos os dias, não nos esquecendo que Ele se faz presente na história e nos acontecimentos e nos convida sempre a perceber os sinais do seu reino presente, na nossa vida, na vida de nossa sociedade. “Os sinais da vitória de Cristo Ressuscitado nos estimulam enquanto suplicamos a graça da conversão e mantemos viva a esperança que não engana”82. Esses sinais são sobretudo a vitória sobre o pecado e sobre a morte. Logo, toda a realidade de morte e de pecado é transformada diante dessa certeza de ressurreição.

Uma verdadeira conversão edifica o homem e o humaniza cada vez mais. Ela possibilita ao homem buscar o Reino e colaborar na construção desse Reino. O Espírito nos inseriu no Reino para que pudéssemos crescer, na graça da conversão permanente. “A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida”83. É preciso que estejamos atentos a essa proposta de formação integral para todos nós que desejamos viver a vocação do discipulado-missionário.

O desejo de se inserir no Reino anunciado por Cristo passa pela conversão e se consuma no próprio Cristo. “Ao Reino anunciado por Cristo só se pode chegar mediante a

metanoia, ou seja, a íntima e total transformação e renovação do homem todo, de todo o seu sentir, do seu julgar e do seu agir”84. A metanoia nos configura a Jesus Cristo, fazendo-nos

aderir de forma radical e concreta à edificação do seu Reino. Sem essa transformação radical,

81 AMERINDIA. V Conferência de Aparecida: Renascer de uma esperança. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 136. 82 DA 14.

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a partir de um encontro pessoal com Cristo, fica debilitada toda e qualquer iniciativa pastoral e missionária na Igreja.

A conversão é elemento essencial para que a Igreja cresça e cumpra sua missão. Por isso, é preciso que cada fiel tome consciência de que, a partir das exigências do discipulado, a conversão pessoal é elemento indispensável para se cumprir essas exigências. “A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida”85.

As primeiras comunidades cristãs primitivas procuravam seguir os passos de seu mestre a partir da sua maneira de viver. Essa opção de vida pela construção do reino gerava em cada um o verdadeiro espírito de seguidores e, como testemunhas, procuravam difundir a pregação do batismo e da conversão para o perdão dos pecados (cf. At 2, 37-38). É do contato com o mestre, sobretudo pelo aprendizado adquirido com o Mestre, que os discípulos foram se transformando em outros mestres, segundo o desígnio de Deus. “A conversão é um conceito complexo, que significa uma profunda mudança de coração sob o influxo da Palavra de Deus. Essa transformação interior exprime-se nas obras e, por conseguinte, na vida inteira do cristão”86.

Além da conversão pessoal, adquirida mediante um caminho de realização plena, na vida da Igreja e dos sacramentos, bem como, na vivência dos valores e na consciência reta para com a Palavra de Deus, é necessária uma conversão social, que leve cada pessoa, em comunhão com Deus e com o próximo, a buscar fazer a vontade do Senhor, para que “todos tenham vida plena”. Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê (1Jo 4, 20). Para isso, é preciso olhar para os aspectos da vida social da humanidade. “São realidades complexas que, sendo fruto das ações humanas, nem sempre de acordo com a vontade divina, precisam ser iluminadas pelo Evangelho para servir ao homem e à sua salvação pessoal”87. Como vemos, somente a partir de um encontro pessoal com Cristo é que podemos chegar à conversão e ao seguimento na vida de comunhão da comunidade eclesial.

A Igreja está inserida no mundo e na história de um povo. Por isso, ela deve estar sempre atenta aos sinais do Reino presentes na atual sociedade, para poder perceber qual é a

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vontade de Deus e poder assim cumpri-la. “As transformações sociais e culturais representam naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus”88.

A construção do Reino enquanto missão específica da Igreja, confiada por Cristo, é justamente perceber, sentir e anunciar a presença transformadora de Cristo Ressuscitado. “A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus Cristo e segui-lo”89. Somente no encontro e no relacionamento pessoal com o Mestre, mediante o

seguimento, é que experimentamos e vivemos uma verdadeira conversão.

O anúncio de Jesus e a prática do seu seguimento sempre nos levam a percorrer um caminho de transformação. Ao seguir Jesus, nós sentimos a necessidade de mudança, pois os verdadeiros discípulos devem se configurar ao Mestre. Portanto, quem segue Jesus Cristo já não consegue ser o mesmo, não pode continuar a viver no pecado.

Em nossa Igreja, devemos oferecer a todos os nossos fiéis um encontro pessoal com Jesus Cristo, uma experiência religiosa profunda e intensa, um anúncio querigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança integral de vida90.

A conversão será tanto mais frutuosa quanto maior for a nossa adesão e a nossa consciência de que ela nos aproxima dos ideais cristãos, ou seja, de que ela nos leva a seguir o Cristo e a imitar suas atitudes, sua obra e sua missão. O discípulo-missionário de Jesus Cristo deve buscar a conversão, assumindo como seu próprio ideal a salvação de todos. O próprio Cristo nos advertiu: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34).

O encontro com Cristo torna-se para o discípulo uma condição indispensável para a conversão. É um processo que nos leva à comunhão, pois na comunhão, experimentamos a vida de Cristo, e, com ela, as suas exigências.

A conversão é a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê n’Ele pela ação do Espírito e decide ser seu amigo e ir após Ele,

Referências

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