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O Encontro com Jesus Cristo: caminho de conversão e comunhão

O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: CAMINHO DE FORMAÇÃO INTEGRAL DO DISCÍPULO MISSIONÁRIO

2.2 O Encontro com Jesus Cristo: caminho de conversão e comunhão

estabelecermos o nosso encontro pessoal com Ele, temos a possibilidade de nos realizarmos plenamente. “Se Cristo deixasse de viver alguma das determinações fundamentais da existência humana, não seria cabalmente humano, e nós não estaríamos redimidos por inteiro”75. Portanto, Cristo é a imagem do homem novo, que participa da natureza divina enquanto se humaniza plenamente.

No encontro com Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, somos impulsionados a viver o caminho da conversão e da comunhão com Ele. Somos chamados a pertencer a ele e a ter as mesmas atitudes que o mestre. Isso nos impulsiona a viver o seguimento e a missão do Senhor.

2.2 O Encontro com Jesus Cristo: caminho de conversão e comunhão

A partir do encontro pessoal com Cristo, com a sua pessoa, sua humanidade e sua divindade, podemos estabelecer com Ele uma aliança, uma vida de comunhão. Essa vida em Cristo nos leva a percorrer um caminho de conversão e de comunhão. A conversão se dá em Cristo, esta é a grande novidade do discipulado. Para o discípulo já não conta tanto as aptidões humanas nem mesmo morais, mas o encontro com a pessoa de Jesus Cristo. O nosso modo de viver e de agir modifica-se a partir do encontro com Cristo.

No encontro com Cristo, descobrimos a boa-nova da esperança plena para nós e para o mundo. “Participar de Deus para o homem é poder ter aquilo que em Deus é ser: é amar radicalmente, autodoar-se permanentemente... Viver em comunhão, dimensionar-se para os outros... é divinizar-se e permitir que Deus se humanize”76.

Na Sagrada Escritura, a expressão “o tempo se cumpriu” refere-se ao termo grego

Kairós, que quer significar o tempo em que o Senhor se faz presente, se manifesta. Por isso, ao dizer que o tempo se cumpriu, o evangelista quer nos mostrar que há uma revelação especial de Deus com a qual Jesus se comprometeu, e nós podemos participar. Esse tempo nos insere no caminho da conversão e é pressuposto para estabelecer uma vida de comunhão com Ele.

75 Ibidem, p. 175. 76 Ibidem, p. 289.

Não se trata de uma realidade puramente interior que acontece no fundo de nossas almas. É um projeto de Deus que ocorre, no coração de uma história, na qual os seres humanos vivem e morrem, acolhem e rejeitam a graça que os transforma a partir do interior77.

Portanto, a graça de ser inserido no caminho da conversão e da comunhão em Cristo, exige de nós a vontade e a radical adesão ao seu projeto. Ao irmos ao encontro de Cristo, somos convidados a percorrer o caminho da vida. O caminho da vida é marcado pela sua presença entre nós, bem como pela nossa participação na sua vida. Em Jesus Cristo, realiza-se o mistério da redenção, que nos humaniza e nos diviniza.

Deus quer de nós uma conversão profunda e pessoal em vista de uma verdadeira transformação. “É um fato que, na história da salvação, após o pecado original, cada vez que Deus vai ao encontro do homem para com ele dialogar, fa-lo para provocar, no mesmo ser humano, a conversão do coração”78. Ao estabelecer um encontro com Cristo, nós nos sentimos motivados e impulsionados a modelar o nosso coração ao Dele, pois acreditamos que, ao nos relacionarmos com Cristo, nos identificamos com Ele, somos levados a nos assemelhar cada vez mais a Ele, e essa tarefa nos realiza e nos humaniza sempre mais.

É em Cristo que nós nos tornamos verdadeiros discípulos. Não há outro caminho para o discipulado senão esse. “Não se começa a ser cristão, por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”79.

A partir do relacionamento de comunhão que nós estabelecemos com o Mestre, é que vamos experimentando a verdadeira conversão, a gratuidade e a satisfação na alma, pois esse relacionamento parte do coração e da reciprocidade entre o homem e Deus. Quanto mais o homem voltar-se para Deus, mais lhe será revelada a sua grandeza humana. Essa vida de comunhão exige voltar-nos para nossa condição de batizados. Para isso, é preciso uma maior conscientização das nossas comunidades: “Uma via fecunda para avançar para a comunhão é recuperar em nossas comunidades o sentido do compromisso do Batismo”80.

Essa compreensão nos torna mais conscientes da necessidade de uma eclesiologia de comunhão presente no diálogo ecumênico, a relação com os nossos irmãos e irmãs batizados.

77 GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992, p. 136.

78 SÍNODO DOS BISPOS, Assembléia Especial para a América: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 36.

79 DA 243. 80 DA 228.

Eles, juntamente conosco, formam essa realidade de conversão para Cristo e de vida de comunhão com Ele. “Portanto, a unidade das Igrejas, que atende à oração de Jesus, que é uma ordem para os cristãos, tem como finalidade a coerência com o Evangelho e a relevância para com a humanidade”81.

Como podemos perceber, é fundamental, para um verdadeiro encontro com Jesus Cristo, uma conversão pessoal, não individualista, pois já é claro para nós que a conversão em Jesus Cristo exige a inserção na sua vida, no seu corpo, e esta é vivida na comunhão com Ele e com os seus seguidores. Assim nasce a Igreja e a sua identidade é confirmada sempre mais. Somos um corpo, o corpo de Cristo, por isso, devemos viver segundo os membros desse corpo.

Para aqueles que querem seguir o mestre, é preciso abraçar a sua causa e aderir a Ele. Permanecer com Ele todos os dias, não nos esquecendo que Ele se faz presente na história e nos acontecimentos e nos convida sempre a perceber os sinais do seu reino presente, na nossa vida, na vida de nossa sociedade. “Os sinais da vitória de Cristo Ressuscitado nos estimulam enquanto suplicamos a graça da conversão e mantemos viva a esperança que não engana”82. Esses sinais são sobretudo a vitória sobre o pecado e sobre a morte. Logo, toda a realidade de morte e de pecado é transformada diante dessa certeza de ressurreição.

Uma verdadeira conversão edifica o homem e o humaniza cada vez mais. Ela possibilita ao homem buscar o Reino e colaborar na construção desse Reino. O Espírito nos inseriu no Reino para que pudéssemos crescer, na graça da conversão permanente. “A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida”83. É preciso que estejamos atentos a essa proposta de formação integral para todos nós que desejamos viver a vocação do discipulado-missionário.

O desejo de se inserir no Reino anunciado por Cristo passa pela conversão e se consuma no próprio Cristo. “Ao Reino anunciado por Cristo só se pode chegar mediante a

metanoia, ou seja, a íntima e total transformação e renovação do homem todo, de todo o seu sentir, do seu julgar e do seu agir”84. A metanoia nos configura a Jesus Cristo, fazendo-nos

aderir de forma radical e concreta à edificação do seu Reino. Sem essa transformação radical,

81 AMERINDIA. V Conferência de Aparecida: Renascer de uma esperança. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 136. 82 DA 14.

83 DA 366

84 SÍNODO DOS BISPOS, Assembléia Especial para a América: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 36.

a partir de um encontro pessoal com Cristo, fica debilitada toda e qualquer iniciativa pastoral e missionária na Igreja.

A conversão é elemento essencial para que a Igreja cresça e cumpra sua missão. Por isso, é preciso que cada fiel tome consciência de que, a partir das exigências do discipulado, a conversão pessoal é elemento indispensável para se cumprir essas exigências. “A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida”85.

As primeiras comunidades cristãs primitivas procuravam seguir os passos de seu mestre a partir da sua maneira de viver. Essa opção de vida pela construção do reino gerava em cada um o verdadeiro espírito de seguidores e, como testemunhas, procuravam difundir a pregação do batismo e da conversão para o perdão dos pecados (cf. At 2, 37-38). É do contato com o mestre, sobretudo pelo aprendizado adquirido com o Mestre, que os discípulos foram se transformando em outros mestres, segundo o desígnio de Deus. “A conversão é um conceito complexo, que significa uma profunda mudança de coração sob o influxo da Palavra de Deus. Essa transformação interior exprime-se nas obras e, por conseguinte, na vida inteira do cristão”86.

Além da conversão pessoal, adquirida mediante um caminho de realização plena, na vida da Igreja e dos sacramentos, bem como, na vivência dos valores e na consciência reta para com a Palavra de Deus, é necessária uma conversão social, que leve cada pessoa, em comunhão com Deus e com o próximo, a buscar fazer a vontade do Senhor, para que “todos tenham vida plena”. Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê (1Jo 4, 20). Para isso, é preciso olhar para os aspectos da vida social da humanidade. “São realidades complexas que, sendo fruto das ações humanas, nem sempre de acordo com a vontade divina, precisam ser iluminadas pelo Evangelho para servir ao homem e à sua salvação pessoal”87. Como vemos, somente a partir de um encontro pessoal com Cristo é que podemos chegar à conversão e ao seguimento na vida de comunhão da comunidade eclesial.

A Igreja está inserida no mundo e na história de um povo. Por isso, ela deve estar sempre atenta aos sinais do Reino presentes na atual sociedade, para poder perceber qual é a

85 DA 366.

86 JOÃO PAULO II. Reconciliatio et paenitentia. Exortação Apostólica. Petrópolis: Vozes, 1984, 12. 87 SÍNODO DOS BISPOS, Assembléia Especial para a América: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 37.

vontade de Deus e poder assim cumpri-la. “As transformações sociais e culturais representam naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus”88.

A construção do Reino enquanto missão específica da Igreja, confiada por Cristo, é justamente perceber, sentir e anunciar a presença transformadora de Cristo Ressuscitado. “A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus Cristo e segui-lo”89. Somente no encontro e no relacionamento pessoal com o Mestre, mediante o

seguimento, é que experimentamos e vivemos uma verdadeira conversão.

O anúncio de Jesus e a prática do seu seguimento sempre nos levam a percorrer um caminho de transformação. Ao seguir Jesus, nós sentimos a necessidade de mudança, pois os verdadeiros discípulos devem se configurar ao Mestre. Portanto, quem segue Jesus Cristo já não consegue ser o mesmo, não pode continuar a viver no pecado.

Em nossa Igreja, devemos oferecer a todos os nossos fiéis um encontro pessoal com Jesus Cristo, uma experiência religiosa profunda e intensa, um anúncio querigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança integral de vida90.

A conversão será tanto mais frutuosa quanto maior for a nossa adesão e a nossa consciência de que ela nos aproxima dos ideais cristãos, ou seja, de que ela nos leva a seguir o Cristo e a imitar suas atitudes, sua obra e sua missão. O discípulo-missionário de Jesus Cristo deve buscar a conversão, assumindo como seu próprio ideal a salvação de todos. O próprio Cristo nos advertiu: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34).

O encontro com Cristo torna-se para o discípulo uma condição indispensável para a conversão. É um processo que nos leva à comunhão, pois na comunhão, experimentamos a vida de Cristo, e, com ela, as suas exigências.

A conversão é a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê n’Ele pela ação do Espírito e decide ser seu amigo e ir após Ele,

88 DA 367. 89 DA 244. 90 DA 226.

mudando sua forma de pensar e de viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é alcançar a vida91.

Seguir o Cristo e permanecer com Ele é a atitude de cada discípulo-missionário de abraçar para perseverar na vida Cristã e poder enfrentar os desafios do tempo presente. A conversão deve ser pessoal para levar também a uma conversão social e ainda estrutural. A conversão deve chegar a todos, especialmente às estruturas pastorais e seus pastores, ou seja, toda a Igreja, enquanto comunidade constituída, deve buscar a vida em Cristo mediante a graça da conversão.

Não é a Igreja enquanto instituição divina, assistida pelo Espírito Santo e, por tanto, infalível na transmissão da Revelação, que deve se converter e sim a Igreja enquanto comunidade constituída por homens pecadores que precisam se converter constantemente em seus membros e nas suas estruturas pastorais, para dar autêntico testemunho da proximidade do reino dos Céus92.

Como vemos, a conversão parte de uma atitude concreta de amor e de relacionamento com o Mestre. Assim, vivenciaram os primeiros discípulos e outros que, no percurso do caminho, tiveram um encontro pessoal com Ele.

A conversão dos primeiros discípulos partiu da pregação, ou seja, do exterior para o interior do homem (cf. Mc 1, 4-15; 6,12; Mt 12,41; Lc15,32; 24, 47; At2, 38; 3, 19; 17,30; 20,21; 26,20). A conversão é graça do Espírito Santo, manifestada pelo amor misericordioso de Deus para com o pecador. “Desprezas a riqueza da sua bondade, paciência e longanimidade, desconhecendo que a benignidade de Deus te convida à conversão?” (Rm 2, 4).

Esses encontros, Jesus estabeleceu com muitos que se lhe aproximaram. À mulher pecadora93, que com lágrimas se aproxima do Mestre e lhe cai aos pés implorando misericórdia, Jesus oferece o perdão e a conversão, pois ela demonstrou reconhecê-lo verdadeiramente a partir do encontro estabelecido no amor. “Há, pois, nessa conversão, dois

91 DA 276. 92 SD 30.

93 A pecadora desse episódio, segundo os exegetas não deve ser identificada nem com Maria de Betânia, irmã de Marta, nem tampouco com Maria Madalena. Aqui quer se ressaltar uma pecadora anônima, crente, que ama e é perdoada.

encontros de misericórdia com o Cristo: um primeiro encontro pela fé viva no Cristo- Salvador; um segundo, inspirado pelo reconhecimento do perdão obtido que estimula a um crescimento de amor”94.

Assim também foi Zaqueu, o publicano (cf. Lc 19, 1-10), que foi agraciado por um encontro de salvação por iniciativa do próprio Cristo. Fez a experiência da graça da conversão oferecida pela presença do Mestre em sua casa. “Jesus não se recusa aos que o procuram, ainda que o façam por uma simples curiosidade bem intencionada”95. Zaqueu assume uma atitude de desprendimento dos bens materiais e de caridade para com os indigentes, que o leva a dar aos pobres a metade das suas posses

Como não relembrar o encontro de Jesus com a Samaritana (Jo 4, 5-43) e que culmina no cego de nascença (Jo 9, 1-38). João nos mostra, a partir de uma experiência de encontro com o Messias, que a conversão à fé, mesmo que, a princípio, hesitante, gera um progresso sensível e marcante na vida daquela mulher e daquele cego. A conversão leva-nos a professar a verdadeira fé em Cristo: “Creio Senhor! E prostrou-se diante dele.” (Jo 9, 38). O cego curado torna-se anunciador do Messias, pois foi por Ele iluminado. Por isso, não é aceito entre os judeus. Porém, Jesus abre a porta do novo redil, não será o cego a ovelha desgarrada, pois faz parte do novo povo de Deus, inaugurado por Jesus.

Neste contexto concreto, o discurso de Jesus sobre a porta e o pastor adquire significado precioso e ilustra a nova situação criada na história da salvação com a vinda do Messias que dá a vida ao povo de Deus dos últimos tempos, ao rebanho escatológico do Senhor, caracterizado pela fé no Verbo Encarnado, Messias que é a porta do rebanho de Deus e pastor da Igreja96. A autêntica conversão e a verdadeira vida de comunhão é que nos conduz a Cristo. A conversão nos insere na vida de comunhão com Cristo e com seu corpo, ou seja, com a comunidade nele formada.

O verdadeiro encontro com Jesus Cristo é, para o discípulo missionário, caminho para a comunhão. “Neste encontro nasce uma forte adesão da pessoa a Cristo, a ponto de ela,

94 DILLENSCHNEIDER, Clement. O Dinamismo de nossa fé. São Paulo: Paulinas, 1970, p. 74. 95 Ibidem, p. 75.

96 BOSETI, Elena; PANIMOLLE, Salvatore. Deus-Pastor na bíblia: solidariedade de Deus com seu povo. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 61.

daqui para frente, crer em Cristo e investir tudo nele e no Reino que ele anuncia. Nasce assim o discípulo de Jesus”97.

Todo o fiel batizado deve acolher a proposta desse caminho oferecido pela ação do Espírito Santo, que nos impulsiona a confessar a nossa fé em Jesus como Filho de Deus e a chamar a Deus de Pai.

Portanto, é na comunhão de amor da Trindade que nós somos motivados a percorrer e a abraçar esse caminho de comunhão de vida, tendo nela o modelo perfeito para vivermos uma verdadeira vida de comunidade no amor. A Trindade será a nossa motivação para a comunhão eclesial e pessoal com Jesus Cristo.

É necessário proclamar que esta comunhão é o esplêndido projeto de Deus [Pai]; que Jesus Cristo, feito homem, é o centro desta mesma comunhão, e que o Espírito Santo age constantemente para criar a comunhão e reconstituí- la quando se rompe98.

Somos chamados a viver em comunhão. É na vida de comunhão que nós nos conhecemos mais plenamente. O próprio Jesus quis estabelecer comunhão conosco, a fim de que pudéssemos conhecê-lo cada vez mais como Deus e cada vez mais como homem.

A comunhão passa pela conversão, que gera a fé. Essa fé é constitutiva para procurar perceber a ação de Deus e sua exigência para se permanecer nessa vida de comunhão.

Por assim dizer, Deus Pai sai de si para nos chamar a participar de sua vida e de sua glória. Mediante Israel, povo que fez seu, Deus revela seu projeto de vida. Cada vez que Israel procurou e necessitou de seu Deus, sobretudo nas desgraças nacionais, teve singular experiência de comunhão com Ele, que o fazia partícipe de sua verdade, sua vida e sua santidade99.

Jesus, ao chamar os doze apóstolos, quis também estabelecer com eles esse mesmo vínculo de amor, o vínculo da comunhão. Chamou-os para permanecerem com ele. Essa é a característica mais especial de uma vida de comunhão com Deus. Poder participar da sua vida

97 HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana. São Paulo: Paulus, 2002, p. 16.

98 JOÃO PAULO II. Ecclesia in America. Exortação Apostólica pós-sinodal, 1999. São Paulo: Paulus, 1999, 33.

e de sua missão. Poder estar com ele e ir ao encontro da santidade de Deus. Jesus chamou-os para viver em comunhão com Ele (Mc 3, 14). Jesus quis favorecer a comunhão com os apóstolos para poder instruí-los melhor, para que eles não só adquirissem conhecimento a respeito de sua missão, mas participassem dela verdadeiramente. Por isso, estar em comunhão com Jesus é participar da sua missão.

O discipulado se dá no encontro íntimo com Jesus, que toca até o interior mais profundo do homem a fim de transformá-lo totalmente. “Ao que parece, o encontro a sós indica que Jesus quer falar-lhes ao coração (Os 2,14). Também hoje o encontro dos discípulos com Jesus, na intimidade, é indispensável para alimentar a vida comunitária e a atividade missionária”100.

Somos chamados a estabelecer a comunhão com Cristo e com os irmãos. Esse deve ser o nosso desejo. Membros do povo de Deus, da sua Igreja, devem ser sinal de comunhão, porque os seus membros, como os ramos, participam da mesma vida de Cristo, a verdadeira videira (cf. Jo 15, 5). “Com efeito, mediante a comunhão com Cristo, Cabeça do Corpo místico, entramos em viva comunhão com todos os crentes”101.

Não podemos esquecer que estar com Ele, assumir a sua missão é assumir também as consequências das suas atitudes de vida. O verdadeiro discípulo de Jesus Cristo é aquele que abraça a fé em suas palavras e obras, que assume sua cruz e, se não o faz, não pode ficar com Ele (Mt 10, 38). “O chamado ao discipulado inclui o chamado à provação, porque se trata da comunhão com ele, que é rejeitado e que vai à paixão e à morte”102. Toda a comunhão dos fiéis discípulos de Jesus sustenta-se na comunhão trinitária. Somos chamados a viver em comunhão com o Pai, com seu Filho Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e com o Espírito Santo.

O discipulado exige uma adesão à vida de comunhão com o Mestre. “A vocação ao discipulado missionário é convocação à comunhão em sua Igreja. Não há discipulado sem comunhão”103. A Igreja deve ser sempre essa casa e escola de comunhão, e, juntamente com seus pastores, estabelecer uma comunhão filial e fraterna. Por isso, a Igreja deve constantemente ser promotora de comunhão. “Portanto, a comunhão na Igreja não é uma simples experiência de participação democrática, mas, para além dela, é a própria realidade da

100 DA 154.

101 JOÃO PAULO II. Ecclesia in America. Exortação Apostólica pós-sinodal, 1999. São Paulo: Paulus, 1999, 33.

102 ALDANA, Hugo Orlando Martinez. O discipulado no evangelho de Marcos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 87. 103 DA 156.

vida cristã que brota da relação de íntima comunhão do Pai com o Filho, na unidade que fortalece e cria laços profundos, pois se dá pelo amor do Espírito Santo “que foi derramado