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2.2 EDUCAÇÃO E CURRÍCULO INTERCULTURAL: identificando fronteiras nos “entre-

2.2.2 Do encontro de identidades ao diálogo

Olhando para o meu caleidoscópio, eu me pergunto: - Conheço-te?

Busco as palavras para responder, procurando-me, - Bem (...)

Não creio que HAJA um “eu”.

Identificar quem eu sou é excluir-me de experimentar quem eu serei Amanhã

29 Segundo Fleuri (2000), o educador passa da perspectiva multicultural à intercultural quando constrói um

Posso dizer-lhe o que aprendi sobre mim, o que eu PENSO que constitui meu ser,

Mas, quem “EU SOU”, minha identidade, é uma longa, diária, surpreendente Revelação;

Existe enquanto existo em tempo e espaços mutantes de diferentes maneiras

Nunca inteiramente fixa mas baseada na vida, na terra,

Existo aqui e agora.

Uma vez quis ligar-me a uma identidade

“Latina”, ou “mulher”, ou (...) seja lá o que for – mas agora, me ligo à Verdade de mim mesma;

um trabalho realizado pelo tempo, noção “pós-estruturalista” de mim mesma, a culminação de vários elementos que Não cabem bem dentro de uma caixa;

não consigo desenganchar-me quando interrogada: Identifique-se!

Latina? - Certo, Hispânica? - hm, acho que (...) Hispânica não branca?

- hhmm (...) Que quer dizer isso? Sexo feminino?

- Sim. Mulher?

- Diria que sim, mas de qualquer forma, que é que você quer dizer com isso (...)? Assim muitos elementos desarticulados aparecem

em mim e se expressam todos os dias.

Convergem sem que eu saiba

Embora não sem meu reconhecimento –

Aprecio suas viagens para dentro de mim e a conseqüente descoberta; Elementos que me roçam –

Ininteligivelmente, por determinação própria Sempre a dar-me um nome, um coração, uma alma Uma vida. Aprecio a aprendizagem, a experiência o desejo de rir e de ser amada, de amar e viver com o infinito milagre de Ser quem Eu sou30

Eu, você, nós. Silêncio, comunicação, diálogo. Limiar, fronteiras, deslocamento. Encontro, convivência, inter-relação. Identidade, cultura, pertencimento... Então: eu, portador de um silêncio subjetivo e de uma identidade particular, num encontro limiar, ao

ver você, passo a perceber uma oportunidade de comunicação e o surgimento de fronteiras na convivência entre nossas culturas, que uma vez entendida por nós, como um direito ao diálogo, próprio de quem ousa deslocar-se por todo espaço territorial, de modo que na inter- relação possa descobrir-se pertencente ao seu, ao meu e ao nosso “lugar”, consiga, sobretudo, promover de fato, o encontro de identidades dialógicos.

Sem minimizar a complexidade presente nas sentenças elaboradas no parágrafo anterior, tentamos colocá-las como fundamentos na ousada tentativa de entender o processo que decorre no limiar do encontro das diferentes identidades culturais ao árduo exercício do diálogo. Já dizia LARROSA: “o outro (...) põe-nos em questão, tanto o que nós somos, como todas essas imagens que construímos para qualificá-lo, para nos proteger de sua presença incômoda, para enquadrá-lo”. (apud FLEURI, 2003, p. 62).

Como realizar um diálogo multicultural quando algumas culturas foram reduzidas ao silêncio e as suas formas de ver e conhecer o mundo se tornaram impronunciáveis? Como fazer falar, de modo mais livre e autônomo possível, o silêncio? Como, ao mesmo tempo, favorecer a inteligibilidade entre as diferenças? Como construir uma teoria da tradução que torne compreensível para uma dada cultura as necessidades, os valores, os costumes, os símbolos e as práticas de outra cultura? Para Sousa Santos, a diferença sem inteligibilidade conduz à incomensurabilidade, e em última instância, à indiferença31. (TEDESCHI, 2008, p.

14).

Centrar a ação e o pensamento no espaço fluido do multi e do inter não significa não assumir nenhuma posição, não possuir nenhuma cultura ou identidade, muito pelo contrário, significa desenvolver a habilidade de deslizar no terreno do híbrido da ambivalência, das fronteiras e do diálogo. A experiência do entre ou interlugar, provoca em nós a necessidade da desconstrução32 de modelos unívocos de educação, com o objetivo de construir novas

perspectivas educacionais. Isso não significa que queremos encontrar outros modelos

31 SANTOS, Boaventura de Souza. Dilemas de nosso tempo: Globalização, multiculturalismo e conhecimento.

Educação &Realidade, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, 2001, vol.26, nº 1, p. 13-32.

32 “O termo desconstrução foi introduzido pelo filósofo francês Jacques Derrida, indicando a necessidade de

comportamentos críticos nos confrontos das formas totalizantes de cada tradição cultural. (...) Mas por que usar o recurso da pedagogia da desconstrução (nos seus vários níveis – lingüístico-conceitual, psicológico, instrumental e estrutural) na didática intercultural? Eis, de forma sintética, algumas possíveis respostas: a interculturalidade exige um ‘novo pensamento’ e este poderá surgir, tão-somente, se aceitarmos a ‘destruição’ do pensamento único e a deslegitimização dos dogmatismos; as relações entre culturas diversas não são totalmente simétricas, pois são também relações de força numa dialética entre culturas hegemônicas e subalternas, entre Centro e Periferia; a escola (e educadores/as) não são mediadores culturais neutros, mas estão historicamente situados; o etnocentrismo é uma característica de todas as culturas, inclusive da nossa. A consciência de todos estes elementos exige um trabalho de desconstruções culturais” (NANNI e ABBRUCIATI apud FLEURI, 2003, p. 53).

epistemológicos que substituam as “verdades” absolutas por outras absolutamente iguais as anteriores. Nosso pensamento complexo e contemporâneo se constitui e se apresenta como um sistema aberto, em permanente processo de interação e reinvenção, seja ele talvez um dos motivos relevantes para a necessidade de estabelecermos paradigmas onde possamos aportar nosso pensamento. Não proporíamos de forma alguma que não tivéssemos “sistemas educacionais”, mas vislumbramos como necessário ao tempo que se coloca a possibilidade de tê-los sob a forma de referencias, não tão rígidos, onde pudéssemos vê-los como horizontes que se transformam a cada passo, a cada nova direção, a cada novo ângulo estabelecido por nossos deslocamentos, mesmo que de forma momentânea.

Diante disso, é oportuno colocar como possibilidade a nós educadores, aprendentes e ensinantes, o ‘uso’ das fronteiras que nos são postas, como “material” de trabalho, como mediação à faculdade de tradução33 que nos é possibilitada em contato com tais fronteiras

culturais, incluída nelas as nossas fronteiras individuais, especificamente em âmbito escolar. Acreditamos que a beleza do ser humano não está apenas no seu ser, mas essencialmente em como ele faz para ser.

Considerando nosso interesse nesse segundo capítulo, em “deslizar” pelo campo educacional, desvelando a força da escola e da comunidade, elementos que constituem a paisagem da educação onde os rituais dos encontros trazem à tona a complexidade das inter- relações, expondo as fronteiras de ‘nós outros’, isso nos coloca, provavelmente, em nível de acessibilidade e torna possível o diálogo entre nós, compreendemos melhor este espaço de educação intercultural, onde em específico, vemos retratada a realidade em que o I.E.E. Fagundes Varela, campo da empiria e da teoria da nossa pesquisa, que composto culturalmente por identidades indígenas e não indígenas, realiza a sua ação.

Contudo, reforçamos nosso interesse de pesquisa para com o ensino desenvolvido no Curso Normal, a formação desse profissional em meio a essa realidade multicultural e a sua proximidade com a prática escolar indígena, que realiza sua constituição, supostamente, num ambiente culturalmente adverso ao de sua origem. Para isso, buscaremos no capítulo seguinte, “olhar” para o curso normal, preocupando-nos, sobretudo, com o componente curricular de didática da matemática em seu exercício igualmente formador.

33 Entendida no sentido etimológico do latim, “transferir, transportar entre fronteiras”, características das

3 DIALOGANDO COM A ESCOLA, O CURSO NORMAL E O

COMPONENTE CURRICULAR DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Uma vez, de posse das reflexões, construções e reconstruções elaboradas no capítulo anterior, quando nos permitimos ‘passear’ pelo viés de uma educação intercultural, tendo como espaço e tempo empírico o Instituto Estadual de Educação Fagundes Varela, proporcionamos encontros e desencontros a nós outros, o que nos remete ao passo seguinte, onde focamos agora, o olhar atento de quem investiga ao pesquisar a ação educadora realizada por esse educandário, quando do desenvolvimento do seu Curso Normal – habilitação para o magistério. Na perspectiva de compreendermos melhor a formação desses sujeitos, que mediatizados essencialmente pelo fator multiétnico, dever-se-ão constituir-se enriquecidos pelo contexto complexo em que coexistem enquanto seres aprendentes, em permanente processo de formação e constituição, deste e neste local. Em outras palavras, observaremos aqui, a constituição do professor na e da escola Fagundes Varela, abordando em específico a participação do componente curricular da didática da matemática nesse processo de educabilidade.

Trazemos agora ao trabalho alguns aspectos significativos da constituição filosófica e organizacional da escola, registrados em sua legislação interna. Buscamos conhecer a essência do pensamento e do fazer pedagógico da escola Fagundes Varela, presentes em seu Regimento Escolar, Projeto Político Pedagógico e Plano de Estudos, para obtermos uma visão significativa e integral dos fundamentos que norteiam a escola. Apresentaremos, ainda, a inserção do aluno indígena em formação, através da transcrição de suas falas, quando questionados sobre seu olhar referente às práticas desenvolvidas pela escola no processo da sua formação, na intenção de legitimar e qualificar o trabalho de nossa investigação.