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4.2 ETNOMATEMÁTICA COMO POSSIBILIDADE – UM HISTÓRICO

4.2.1 Matemática e senso comum: o reencantamento da razão

Procuramos entender também as relações de proximidade entre o saber matemático acadêmico e o saber matemático popular (senso comum), para que possamos compreender e estabelecer possíveis situações de vinculação e correspondência entre estas duas ciências. Nossa preocupação é com o estudo crítico/reflexivo dos princípios, pressupostos e organização da matemática como integralidade. Desta forma, desejamos considerar a subjetividade do saber científico, sua natureza, seu dinamismo, seus limites, seus resultados, sua conjuntura atual e, principalmente, suas possibilidades para a contemporaneidade e para sua própria transcendência.

Neste contexto, pensando no ‘reencantamento da razão’, onde se pretende colocar o sujeito no centro da racionalidade, procura-se estabelecer relações entre as diferentes matemáticas, entre o senso comum e a academia. Propomos, então, pensar o seguinte:

[...] se a Matemática é, em grande parte, um jogo mental, uma ciência objetiva e racional que de alguns princípios ou axiomas preestabelecidos, como pode coincidir com o comportamento natural das coisas? (SOUZA, 1999, p. 137).

De fato, essa é a leitura que a maioria das pessoas apresentam quando se referem a matemática. E esse é também um dos maiores obstáculos enfrentados pelo professor de matemática, o nível de sua abstração, o ‘preconceito’ e o sentimento de aversão e repulsa quando da manifestação da maioria dos sujeitos em contato com essa ciência. No entanto, certamente muitos cientistas ao realizarem suas descobertas, seus sistemas, teoremas,

utilizaram-se das suas intuições, observações e experimentações. Esse conhecimento, que chamamos de senso comum, pressupõe presença existente na origem epistemológica das diferentes ciências. Souza (1999) diz: “a ciência é, então, uma das possibilidades humanas de intervenção na realidade, e por isso historicamente determinada pela condição social, cultural e econômica presentes em dado momento”.

Concordando com Souza, entendemos obviamente a matemática como ciência acadêmica e sua respectiva importância, no entanto, a percebemos na totalidade de sua transcendência como a ciência que se significa na correlação ao conhecimento do senso comum. Ou incorremos o risco de ocultarmos a criatividade matemática. Smale diz:

Matemática é mais como arte do que as demais ciências. A matemática tende a ser correta. Mas também a matemática tende a ser irrelevante. Há um grande risco de a matemática se preocupar com coisas que são corretas, mas não são importantes. (apud D’AMBROSIO, 2005, p. 29).

De fato, precisamos nos preocupar com a significação desta ciência. Encará-la sob um enfoque transdisciplinar que possibilite a substituição da ‘soberba’ implícita ao caráter preciso e absoluto da matemática, pela virtuosa capacidade de investigação constante, de busca permanente, evitando situações inquestionáveis e saberes conclusos, obtendo-se, sobretudo, um aprendizado que se desenvolve em meio aos princípios de solidariedade, respeito e cooperação. Assim, o que se propõe, quando falamos em reencantamento da razão, é um reencantamento pelo mundo, que busca valorizar o humano, o imprevisível, o trivial, o cultural. A valorização do campo empírico apresenta, como já falamos, a possibilidade de retirarmos o foco dos ‘conteúdos’ e colocá-los no ‘sujeito’, ou seja, deslocar o centro de um deus racional – cartesiano e metafísico – para o homem, em toda sua pessoalização.

Para SOUZA,

Referindo à questão do dualismo “platônico/cartesiano” entendemos, com Lins (1994), Carraher, Carraher& Schiliemann (1988) e D’Ambrosio (1990), que a distinção – no que tange à natureza – entre o conhecimento matemático do pedreiro e o conhecimento matemático dos matemáticos é que a enunciação daqueles conhecimentos produz objetos diferentes. Isto é, eles são produzidos dentro de Campos Semânticos distintos ainda que se esteja falando a partir de um mesmo texto, ou seja, o texto difere no contexto. (1999, p. 143) [grifo nosso].

Articulando a possibilidade de que ambas as matemáticas – do matemático e do pedreiro – diferem no contexto, é preciso a priori que se entenda a matemática como um

texto e que, a partir dele, o conhecimento acontece. Sobremaneira, desejaríamos descredenciar o cientificismo da matemática, quando sugerimos que esta se dê num contexto a ser considerado, o que se deseja realmente e nos parece um grande desafio é de conseguirmos, como bons matemáticos, transformar esse saber cientificamente comprovado em saber necessário, em saber ensinável, ensinado, aprendido e, sobretudo, apreendido. Utópico? Talvez.

Acrescentamos ao texto, a contribuição de BELLO,

Trabalhar interculturalmente sempre significou, na minha opinião, um momento privilegiado no qual o professor soubesse fazer inter-relações entre conhecimentos presentes no contexto sócio-cultural mais amplo e aquele, de caráter mais disciplinar e legítimo, presente na sua formação acadêmica, objeto de difusão nas instituições de ensino. (2004, p. 381).

Buscando alcançar a interligação entre o pensamento dos autores e o diálogo com nosso campo empírico de pesquisa, abordaremos agora a discussão desenvolvida pela professora pesquisadora e os alunos indígenas, quando da realização do quarto encontro de estudo. Este momento nos propomos refletir sobre o local e o global na escola, numa discussão a partir da etnomatemática, onde analisamos, a partir da opinião do aluno, a existência da matemática indígena ou das várias matemáticas indígenas, e ainda, de ideias matemáticas culturalmente distintas.

Na voz dos alunos,

Existe sim uma matemática na cultura dos indígenas, mas nós não

temos noção, pois não damos importância para o começo da compreensão da

matemática e o que ela representa. (Aluno A, 2008, IV encontro) [grifo nosso].

Existe. Na nossa cultura indígena tem várias formas de trabalhar a matemática. Basta nós transformarmos os conteúdos de acordo com a nossa cultura. (Aluno B, 2008, IV encontro).

Em minha opinião não existe uma matemática diferente a cada cultura, o que existe é a maneira como é ensinada essa matemática em cada cultura. (Aluno C, 2008, IV encontro).

Acho que existe sim uma matemática indígena só que não é trabalhada

nem explorada por nós, pois em cada objeto ou utensílio confeccionado pelos índios é usada a matemática mesmo que sem perceber. (Aluno D, 2008, IV

encontro) [grifo nosso].

Sim, à medida que ensinamos resolução de cálculos e geometria, podemos usar materiais concretos confeccionado pelo artesanato indígena (cestos). (Aluno E, 2008, IV encontro).

Percebemos, nos depoimentos dos alunos, um ameno reconhecimento de uma

matemática ou episteme no saber indígena, e, quando percebido, é declarado desconhecido – nós não temos noção – nas palavras do aluno A. No entanto, declaram possuir na cultura indígena várias formas de trabalhar a matemática, sugerindo que basta ‘transformar’ os conteúdos para a realidade da cultura indígena. O que para nós significa a existência de múltiplas matemáticas. Contudo, seria esse ‘transformar’ uma espécie de adaptação dos conteúdos matemáticos para a realidade indígena? Pensamos ser pertinente que se pense essa adequação, mas acreditamos ser apenas um dos princípios muitos de uma epistemologia matemática indígena. No entanto, entendemos ser desconhecidos dessa “nova geração indígena”.

Registramos, ainda, que em nosso quarto encontro apresentamos alguns slides que nos possibilitavam visualizar melhor a ideia da matemática indígena, sob aspectos da etnomatemática. O material apresentado propôs uma abordagem ao pensamento matemático contemporâneo que se desloca entre a matemática e a educação matemática, sugerindo uma ‘outra’ postura educacional, capaz de romper as barreiras entre o conhecimento e a capacidade de imaginação, para com as coisas a serem conhecidas. Buscamos, assim, vislumbrar a etnomatemática e suas possibilidades de relação com a educação indígena, sobretudo, desejando a consideração do ser entre os saberes e fazeres de diferentes manifestações culturais, na possibilidade de, literalmente, enxergarmos a matemática em “lugares”, “seres” ou “culturas” outras. Utilizando-nos de figuras ilustrativas, observamos um dos rituais da cultura indígena, a arte da pintura corporal, possibilitando o relacionamento com os conhecimentos geométricos que usam o corpo como suporte para a geometria, numa cultura impregnada de matemática. Detemo-nos, ainda, a analisar através dos slides a prática da cestaria, confecção de balaios, comumente referenciada pelos indígenas, os quais apresentam também conceitos matemáticos em seus traçados e confecções, mas, que segundo depoimentos dos alunos é feito apenas como arte e não como conhecimentos matemáticos. Enfim, fizemos apenas um recorte do que pensamos ser possibilidades de relação entre educação matemática e etnomatemática implicadas no contexto da cultura indígena (anexos). Momento em que nos surpreendemos com o olhar curioso e surpreso com que os alunos ‘assistiam’ às representações ilustrativas do nosso objeto de estudo, naquele momento, como se tais situações não fossem do seu cotidiano cultural e talvez não o sejam mais em sua totalidade. O que não os impede de conhecer e

reconhecer como cultura existente, num contexto outro talvez, num mundo contemporâneo, globalizado. Quisera socializado.

Nessa perspectiva de socialização, desejamos dialogar com os alunos sobre suas sugestões, a respeito do que poderia ou pode ser essencial na constituição do programa do componente curricular de didática da matemática, considerando sua possível relação com a etnomatemática, quando do seu curso de formação de professores.

Que devemos olhar com outros olhos o que é de fato importante para a nossa cultura, trazendo para a sala de aula uma prática que venha fortalecer a nossa cultura. (Aluno A, 2008, IV encontro).

Que se trabalhe com recursos utilizados nas comunidades, como por exemplo, as mais variadas formas de artesanato. (Aluno B, 2008, IV encontro).

Sugiro para o curso de formação um maior aprofundamento em

ensinar as matemáticas diferentes, usando recursos do cotidiano. Que se

trabalhe de acordo com a realidade dos educandos, respeitando todas as culturas. (Aluno D, 2008, IV encontro) [grifo nosso].

Desde que fomos colocados em contato com o que é a etnomatemática,

compreendemos melhor o sentido de cada uma (matemática e etnomatemática) e assim construímos a ideia de que elas se complementam.

(Aluno A, 2008, IV encontro) [grifo nosso].

É necessário o professor mudar sua forma de ensino da matemática,

trabalhando com o concreto, utilizando recursos que obtemos na nossa comunidade indígena. (Aluno A, 2008, IV encontro) [grifo nosso].

Uma complementa a outra e ambas devem estar ligadas para que se tenha um maior entendimento dos alunos. Só que cada um tem a sua maneira de ver a matemática, pois podemos trabalhar a matemática através do uso de utensílios feitos por índios, ou seja, da nossa realidade (cestos, pinturas, colares). (Aluno A, 2008, IV encontro).

Foi quando ouvimos tímidas falas, mas não menos preocupadas, com o fato de não estarmos, talvez, escola formadora e alunos em constituição, desenvolvendo em nossas práticas educacionais, uma educação matemática que considere a essência do programa etnomatemática. Encontramos na fala dos alunos, frequentemente, o apontamento para a necessidade de trabalharmos com materiais e recursos do cotidiano, cita-se ainda, cestos, pinturas, colares, etc., como se essa fosse a única possibilidade para trabalharmos com culturas e matemáticas diferentes. Contudo, sabemos que a etnomatemática abrange um campo infinitamente amplo, como por exemplo, a necessidade de haver um conhecimento histórico, ou seja, a necessidade de estudarmos a matemática dos povos diferenciados culturalmente, sob um viés muito mais profundo, com muito mais propriedade, como

educadores matemáticos que desejam desvelar o processo histórico cultural da constituição do ‘texto’ que vamos trabalhar neste ‘contexto’.

Estamos tentando chamar atenção para o fato de que ao considerarmos a abordagem etnomatemática precisamos pensá-la “como (etno)matemática, num sentido mais disciplinar, seja como a “vida dos povos”, num sentido transdisciplinar” (D’AMBROSIO, 1997, p. 9). Num enfoque sociológico que abarque os chamados saberes matemáticos populares e acadêmicos, sem, contudo, deixarmos de direcionar nosso olhar e nossa preocupação para a relação de desigualdade em que os saberes populares e acadêmicos se contextualizam. Segundo Knijnik (1996), a relação de superioridade entre os saberes acadêmicos e populares se dá em razão às relações de poder. A autora coloca ainda, esta relação, na ótica em que os saberes produzidos na academia, se caracterizam como saberes pertencentes ao grupo dos dominantes e saberes populares, que são aqueles pertencentes aos grupos socialmente subordinados.

Assim, uma perspectiva, no que se refere à etnomatemática, pode ser entendê-la como um discurso legítimo associado à apropriação e expropriação de práticas em meio a relações de poder. Porém, como associá-la agora, por exemplo, à vida dos povos, visão que supera o caráter disciplinar, etnocêntrico e ideológico que seu nome representa? E o que pode acontecer se propusermos um novo sentido e significado como se pretende, abrangendo, numa perspectiva holística, formas de explicar e conhecer? [...] No entanto, ao se falar em ‘vida dos povos’ estaria, também, implícita a vida que se desenvolve em meio a relações de poder e que, portanto, considera as lutas e tensões que esse viver representa. Nesse sentido, não podem ser esquecidos aspectos referentes à repressão, à permissão, à valorização, à manifestação de práticas e expressões culturais em relação a diferentes etnomatemáticas. [...] Com isso, entenda-se por práticas etnomatemáticas aquilo tudo que envolve a ‘vida dos povos’. Inclusive as lutas e as tensões em meio a processos de imposição, aceitação e resistência cultural. As artes e técnicas de explicar e conhecer transformam-se continuamente, são postas à parte, preservadas, adaptadas, tudo segundo os problemas, as situações e as relações de poder do contexto no qual se fazem necessárias. (BELLO, 2006, p. 60-61).

Neste sentido, e atentos às falas dos alunos, que se referem à etnomatemática (mesmo que a compreendam superficialmente), como uma possibilidade de comunicação entre as matemáticas, é possível percebermos a existência de uma espécie de apropriação do exercício das matemáticas como experiência legítima daqueles que encontram-se em estado de subordinação. Mais que isso, esse processo de reconhecimento das matemáticas ou etnomatemáticas, podem produzir nestes grupos, ora dominados, a pretensa de uma forma de libertação de propagação do conhecimento. Enfim, o que se propõe é o entendimento da

etnomatemática para além do seu significado de caráter étnico, para a possibilidade de resistência, de sobrevivência e transcendência.

Assim, mais uma vez nos reportamos a Paulo Freire, fazendo referência a um trecho da sua entrevista concedida a Pedro Paulo Scandiuzzi51 e Patrick Clark52, realizada em 1996 publicada no BOLEMA (ano 16, n.20, 2003, p.127-37) onde falou sobre etnociência e senso comum na perspectiva da questão: “Há episteme no saber dos indígenas?”.

[...] A minha convicção é a de que a gente tem que partir mesmo da compreensão de como o humano com quem a gente trabalha, compreende. Não posso chegar à área indígena e pretender que os indígenas que estão lá compreendam o mundo como eu o compreendo, com a experiência que tenho, não dá. [...] Então eu acho que o meu respeito da identidade cultural do outro exige de mim que eu não pretenda impor ao outro uma forma de ser de minha cultura, que tem outro curso, mas também o meu respeito não me impõe negar ao outro o que a curiosidade do outro e o que ele quer saber mais daquilo que sua cultura propõe. Eu me sinto um pouco livre com isso. Um dia, por exemplo, foi um matemático que eu pensava ser até um biólogo. Foi meu amigo matemático de lá, que é um italiano, Sebastiani.53 Ele me contou que estava num grupo indígena, e um jovem índio

disse para ele: “Eu vou pescar de arpão, e eu vou mostrar para você como fazer

isso”. Ele acompanhou o índio e, quando, num determinado momento, viu um peixe grande e bonito, pegou o arpão: “É agora que eu vou pescar”. Sacudiu o arpão, e o matemático disse: “Ei! Eu não entendi porque você sacudiu o arpão entre o peixe e o barco não propriamente em cima do peixe?” O jovem índio disse para ele: “Isso é uma ilusão dos seus olhos”. Uma explicação linda e

maravilhosa, e você veja que, na refração, há um pouco de ilusão mesmo. Então a minha tese é a seguinte: haveria uma necessidade concreta e objetiva de explicar ao índio o que é refração naquele momento? [...] Mas respeitar a cultura do outro não significa manter o outro na ignorância sem necessidade, mas fazê-lo superar sua ignorância não significa ultrapassar os sistemas de interesses sociais e econômicos da sua cultura. É como se houvesse gente inteligente no outro planeta, noutro

lugar, noutro universo, e viesse aqui, agora, e dissesse a mim que eu devo pensar da forma absolutamente contrária àquilo que penso, pois lá já se pensa diferente. (FREIRE, 2004, p. 84-5) [grifo nosso].

Apresentamos este fragmento da entrevista de Freire, para tentarmos traçar um paralelo entre etnomatemática, subsistência e transcendência. É como se pudéssemos enxergar na prática desenvolvida pelo indígena no momento da pesca, o saber da ciência imbricado no conhecimento cultural existente na arte da pesca do índio, que como conhecimento etnomatemático está intimamente ligado à prática da subsistência e de perpetuação da espécie, como possibilidade de transcendência.

51 Pedro Paulo Scandiuzzi é professor assistente doutor da UNESP, campus de São José do Rio Preto-SP. 52 Patrick Clark, padre irlandês, é mestre em Ciências das Religiões.

Outro aspecto claramente identificado por nós, professora pesquisadora, mostra que o termo etnomatemática foi ouvido e trazido ao convívio e alcance deles, pela primeira vez. Prova do caráter recente que o movimento de pesquisa em educação matemática e etnomatemática representa para esse grupo. Acreditamos ser este um assunto que se encontra em fase inicial para toda a academia. Novos e não muito numerosos são os trabalhos de pesquisa desenvolvidos nesta área da ciência.

Enfim, apresentar e discutir a educação matemática e a etnomatemática como enfoque metodológico, apostando no professor como referência, como sujeito que reconhece e absorve seu compromisso e comprometimento com sua práxis e com o referencial histórico dos sujeitos de sua ação docente, faz dele, professor, um personagem imprescindível na ‘construção dessa nova pessoa’.

Tentando articular todos os aspectos apresentados e considerados até aqui, colocamos, agora, de forma mais segura, a urgente necessidade de que a educação, em sua totalidade, e em específico aqui, a ação educativa desenvolvida pelo Instituto Estadual de Educação Fagundes Varela – espaço oportuno em que se dá a empiria do nosso trabalho – apresenta em rediscutir e reelaborar em seus âmbitos interno e externo, uma política educativa que, para além de incluir as diferenças étnicas, caracterizando-a como uma escola multicultural, transforme-a em um ‘lugar’ onde as especificidades de cada cultura, nela experenciada por índios e não-índios, sejam, de fato, estudadas, conhecidas e pesquisadas, reestudadas, reconhecidas e pesquisadas constantemente, num movimento crescente e permanente daqueles que educam tendo como objetivo o sujeito, como conjunto a sociedade e como referência a ‘realidade’.

METAMORFOSE

Enfim, quase cego, no fim da vida, intuições luminosas levam, Fernando de Azevedo a pensar de novo, e melhor, a relação educação-transformação (PENNA, 1987). Parafraseando Azevedo, nos aproximamos do momento minucioso e ‘delicado’ mas, não menos prazeroso, de expormos nossas possíveis deduções. Por esta razão, nos convidamos a pensar ‘de novo e melhor’ sobre a pesquisa desenvolvida. Assim, para que nossas breves considerações finais sejam apenas apontamentos para novos começos, deixaremos a porta entreaberta para que permaneçamos em perfeita metamorfose, pensando sempre ‘de novo e melhor’.

Ao longo de nosso estudo buscamos responder a várias questões que pudessem nos conduzir ao alcance de nossa finalidade principal: investigar o papel da didática da matemática na formação do professor indígena, numa possibilidade de relação com a etnomatemática. Assim, procuramos saber se a escola - este espaço do pensamento global que se efetiva no reconhecimento da força e no pertencimento do local - e, a formação oferecida no componente curricular de didática da matemática, ao futuro profissional (indígena) de educação, consideram o multicultural com vistas a atingir uma educação intercultural? A escola e a matemática respeitam tais diferenças? E nesse espaço de tensão otimizam, aperfeiçoam e estabelecem relações entre as ideias matemáticas desses povos e entre esses povos culturalmente distintos?

Para isso, buscamos, inicialmente, conhecer melhor este Local, sua paisagem e seus sujeitos, na tentativa de compreender a diversidade cultural e as diferenças peculiares a este Lugar, presentes no seu contexto e no seu cotidiano, momento em que pudemos constatar a

existência de fronteiras nos entre-lugares de um mesmo lugar. Neste contexto, o multiculturalismo se apresenta como forma de diversidade cultural e assim é ‘aceito’, mas, distante ainda de ser olhado como diferença histórico-social a ser considerada e potencializada, sobretudo, estudada, neste espaço de com-vivência entre as culturas indígenas e não indígenas, sob possibilidade de transformar-se em conhecimento socializado e apreendido.

Embora percebamos, em nosso estudo, a enfática intenção da escola, manifestada em seus referenciais pedagógicos e em seus documentos regimentais, em desenvolver uma educação democrática e humanista disposta a trabalhar na perspectiva da educação inclusiva,