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1. O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?

1.2 Enredo

Ainda no início da obra, o narrador se abre para o jornalismo, se abre para o narrador-jornalista. Em dado momento, parece até que os dois (narrador e narrador-jornalista) conversam entre si: “se escapo de mais essa, vou contar como foi tudo” (GABEIRA, 2009, p. 11). Aqui, tem-se a impressão de que o narrador evoca o seu lado jornalístico, desafiando-se a assumir-se

repórter e cumprir com suas obrigações de divulgar a informação. Abre-se, então, o desejo jornalístico do narrador.

Essa natureza na área jornalística vai se tornando mais evidente com a construção da obra, usando, por exemplo, jargões típicos do mundo dos periódicos, como “copidesque” (setor do jornal responsável pela revisão dos textos que serão publicados), “JB” (abreviatura para Jornal do Brasil) e “empastelamento” (fechamento de um periódico à força, normalmente destruindo suas oficinas, por razões políticas). O narrador ambienta-se, assim, como jornalista.

A cena inicial, que se passa no Chile, aflita e tensa, é interrompida para se iniciar a narrativa de fato. Este é um recurso que transmite uma ideia cinematográfica para a obra, dá velocidade de leitura, oferece dinamismo. Destarte, a trama começa a ser construída muito rapidamente, a partir de pequenas conjurações do narrador, que se questiona acerca das infinitas possibilidades não concretizadas que poderiam alterar o rumo dos acontecimentos.

A primeira elucubração do narrador sobre essas possibilidades aparece como uma confissão de ingenuidade:

De repente, não sei como, cinquenta pessoas se reúnem no meio da rua, tiram suas faixas e cartazes e gritam: abaixo a ditadura. Como? Os carros não podem se mexer: é uma passeata. Mil coisas estavam acontecendo nos telegramas empilhados na minha mesa: guerras, terremotos, golpes de Estado. Ali, diante dos meus olhos, cinquenta pessoas com faixas e cartazes, iluminadas pelos faróis e meio envoltas na fumaça dos canos de descarga, avançavam contra o trânsito. Mais verba, menos tanques, abaixo a ditadura, gritavam. Lembrei-me da minha terra. O Guarani Futebol Clube batido mais uma vez, pelo mesmo adversário, irrompendo na rua Vitorino Braga com sua bandeira azul e branca, cantando “Em Juiz de Fora quem manda sou eu”. (GABEIRA, 2009, p.12)

No fragmento, o narrador tenta apontar para uma ignorância da população, que segue sua vida normalmente, enquanto um punhado de pessoas estampam suas reivindicações atrapalhando o trânsito. Levanta o desinteresse social por questões mais profundas do que um jogo de futebol, por exemplo. Surge, desde esse ponto, uma discussão acerca da briga ideológica que será travada ao longo da obra, ideológica, diga-se, a partir da visão marxista (MARX, 2007) sobre a questão. De um lado, tem-se uma população apática, alienada (sem autonomia), vítima da ideia de “naturalidade” das coisas, ou seja, tomar por natural algo que não é: as coisas são como são, não há o que se fazer, não há por que protestar, o melhor a se fazer é trabalhar. De outro lado, um movimento esquerdista que se levanta contrário ao regime instaurado, questionador, disposto, inclusive, a pegar em armas a fim de enfrentar as forças contrárias.

Gabeira coloca uma visão dicotômica acerca da luta contra a repressão do governo militar no Brasil. Essa visão era típica da esquerda da época, um tanto ingênua e romântica. Dividia-se o mundo das ideias em apenas duas partes: direita e esquerda. Ou se usava o aparelho do Estado para prevenir um golpe comunista, ou para, de fato, criar um sistema comunista; ou se colocavam a soberania e a segurança nacionais em primeiro lugar, ou o bem comum em primeiro lugar. Tal divisão ideológica é o argumento da obra. Gabeira e seus companheiros assumem-se esquerdistas, comunistas, dispostos a usar a luta armada para a resistência.

A resistência, aliás, será por ele mesmo questionada. No primeiro capítulo, o narrador relata que era jornalista de dois periódicos, o Jornal do Brasil e o Panfleto4. Ele conta que, por ocasião da tomada do poder pelos militares, o Panfleto fora empastelado5 e que ele, assim como muitos outros jornalistas, pensava que resistiria, mas no fim fugiria. Mais uma vez, Gabeira-narrador aparece desiludido, conformado que o real poder popular e jornalístico é o de fugir, tão somente.

Segui para o JB e encontrei um grupo de jornalistas na Rio Branco. Era o que procurava. Fomos juntos para o Sindicato dos Gráficos, onde resistiríamos. E nós, que pensávamos em resistir, acabamos sendo envolvidos na confusão geral que se armou para retirar os papéis, para escapar da polícia. Foi assim também com muita gente no Chile. Você diz que vai resistir, você parte para resistir, mas o que você vai fazer, de verdade, é fugir. (GABEIRA, 2009, p.13)

O primeiro capítulo aparece, portanto, com um ar de derrota. Derrota, porque a esquerda brasileira havia sucumbido diante das tropas militares e da instabilidade de seus próprios movimentos. Assim como no cinema, o frenesi da cena inicial segura o leitor, ainda que a imagem do golpe seja de fracasso para os movimentos populares. Gabeira se valeu de estratégias estéticas comuns na literatura para conduzir a informação (jornalismo).

No segundo capítulo, o narrador traz reflexões e questionamentos típicos de quem viveu os anos de 1964 e 1965. Discute as relações de poder e duvida do próprio vigor da luta armada. Essas dúvidas serão fundamentais para a compreensão dos atos do protagonista ao longo da obra. Considerado um intelectual no movimento esquerdista, ele tenta, a todo momento, dimensionar o impacto das ações a serem tomadas, ainda que essa não seja uma tarefa a ele

4 “Semanário da ala esquerda do PTB que, mais tarde, depois do golpe, iria sobreviver de forma autônoma como Movimento Nacionalista Revolucionário, MNR” (GABEIRA, 2009, p.12)

atribuída oficialmente. “De que adiantavam as armas se os principais partidos políticos não tinham tensionado suas forças para resistir? E de que adiantava os partidos fazerem isso, se a sociedade no seu conjunto não estava convencida da importância de resistir?” (GABEIRA, 2009, p.19).

Sua hesitação diante das circunstâncias e da movimentação política contrasta com sua ousadia jornalística de questionar a insignificância simbólica das armas. Ora, o jornalismo já foi considerado o quarto poder6, especialmente em tempos de comunicação de massa, e a reflexão do narrador acerca da ineficiência das armas, naquele momento, aponta para sua desilusão com o poder jornalístico. Ele, um repórter de um dos maiores jornais do Brasil, com tiragem dominical7 na casa dos 200 mil exemplares, não acredita que seu emprego neste periódico ajudará a mudar muitas coisas. Aliás, sua dúvida parece circunscrever mais o jornal do que a profissão de repórter, tendo em vista que ele se propõe ao longo de toda a história a publicar e divulgar seu Panfleto, um jornal independente que não teria amarras políticas que o impedissem de cumprir com sua missão jornalística.

Essa investigação intelectual também alude à essência do jornalismo de apuração da notícia, de esquadrinhar qualquer informação a fim de desnudá-la e a ponto de compreendê-la e de dizer a verdade. A paixão da maioria dos jornalistas reside nesta apuração. Quando Gabeira percebe que a grande mídia (composta pelos principais veículos impressos, radiofônicos e televisivos de comunicação do país) apoiou direta ou indiretamente a tomada do poder pelos militares, ele entende que o ufanismo jornalístico da verdade e da apuração são dependentes da ação do homem, que por sua vez é corruptível e sujeito aos mais escusos interesses.

O terceiro capítulo, “Engolindo Sapos”, segue apresentando ao leitor o contexto político dos anos de 1960, sempre ancorado na percepção do próprio narrador sobre os fatos.

6 A expressão Quarto Poder surgiu na Inglaterra no século XIX. “Na Europa, o jornal The Times, órgão dominante de imprensa em Londres, se considerava, durante as décadas de 1830, 1840 e 1850, um "quarto poder". Diz-se que quem cunhou a frase foi o historiador Macaulay, embora ele estivesse se referindo à Galeria de Imprensa no Parlamento, e não especificamente ao The Times ou à imprensa como um todo. O conceito medieval de um "Estado" ou "poder" — espiritual, temporal e comum — havia sido quebrado na França revolucionária, mas sobreviveu residualmente na Grã-Bretanha nas duas casas do Parlamento, e a nova expressão "quarto poder" foi usada como título de um livro sobre imprensa em 1850, escrito pelo jornalista F. Knight Hunt”. (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 192). A expressão, já no século XX, indica o caráter fiscalizador da prática jornalística, apontando-o em equivalência de relevância social e influência com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. 7 Tradicionalmente, as tiragens dominicais são mais numerosas que as semanais.

[...] O governo Goulart nos era apresentado numa versão unilateral, a versão dos inquisidores.

Na minha mesa de redator do JB, caíram muitas notícias sobre o período Goulart. A algumas delas demos até um certo encanto, transformando-as em matérias atraentes. Lembro-me de um IPM8 numa repartição oficial, onde se apurou que o chefe beliscava a secretária, vinha diariamente vestido de terno branco, calçava sapato marrom e branco e dava rasteira no contínuo. Imaginem que diversão: rasteira num companheiro de trabalho. Lembro-me de um depoimento do chefe da Casa Militar, dizendo que o mordomo do palácio tratava mal os convidados e ajudou a isolar Jango. Lembro-me da notícia em sua forma final: chefe da Casa Militar diz que a culpa da queda de Goulart foi do mordomo. (GABEIRA, 2009, p.23)

Chamar os oposicionistas do governo João Goulart de inquisidores mostra como o narrador vai compondo a imagem dos que tomaram o poder em 1964. O parágrafo destacado é um exemplo que o narrador usa para mostrar o uso da grande imprensa na defesa de uma posição política específica, contrariando qualquer princípio jornalístico de imparcialidade ou de sempre mostrar todos os lados de uma notícia.

O “engolir sapos”, a que o narrador se refere, envolve diversas formas de conduzir e cercear a opinião pública, por meio de estratégias que envolviam manobras jurídicas, políticas e midiáticas para manutenção do poder. Outro exemplo é o comentário do narrador de que “A supressão das eleições diretas não chegou a provocar uma reação na massa” (GABEIRA, 2009, p.22). Este comentário sinaliza para a teoria da Espiral do Silêncio, proposta por Noelle-Neumann (1955), que defende:

A teoria da espiral do silêncio se apoia na suposição de que a sociedade – e não apenas os grupos em que os membros se conhecem mutuamente – corre o risco de isolamento e de exclusão dos indivíduos que se desviem do consenso. Os indivíduos, por sua vez, têm um medo em grande medida subconsciente do isolamento, provavelmente determinado geneticamente. Este medo do isolamento faz com que as pessoas tentem comprovar constantemente quais opiniões e modos de comportamento são aprovados ou desaprovados em seu

meio, e quais opiniões e formas de comportamento estão ganhando ou perdendo força.9 (NOELLE-NEUMANN, 1955, p.179-180).

O jornalismo exige, em sua natureza, leitores críticos. Essa é a razão do jornalismo ter sido por anos um local de debate dos poderosos somente, já que por séculos sociedades eram massificadamente analfabetas. Está aqui uma pista para se compreender o porquê de tão poucas notícias e informações na grande mídia sobre a periferia e sobre os oprimidos.

Assim, é possível perceber que o jornalismo tem forte atuação na educação da sociedade. Além de levar ao conhecimento público notícias e reportagens, o jornalismo é determinante para a própria formação da opinião pública. Cabe ressaltar que as salas de aula são fundamentais para sua compreensão e constituição. E aqui se encontra um grande ponto convergente das duas áreas, educação e jornalismo.

Paulo Freire, talvez o maior educador brasileiro, defende a educação como promoção do sujeito, como instrumento de mudança pessoal e social. Para ele, a educação tem que promover a conscientização do educando, o que gera crítica social (mudança na opinião pública) e, consequentemente, mudança social.

O ato de estudar, no fundo, é uma atitude em frente ao mundo. (FREIRE, 2011, p.12).

Mais que escrever e ler que a “asa é da ave”, os alfabetizandos necessitam perceber a necessidade de um outro aprendizado: o de “escrever” a sua vida, o de “ler” a sua realidade, o que não será possível se não tomam a história nas mãos para, fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos. (FREIRE, 2011, p.20).

Colocar a educação como práxis de posicionamento frente ao mundo é dizer que ela é constituinte da opinião pública, uma vez que a criticidade levantada em tal posicionamento alicerça a construção social de opiniões sobre diferentes assuntos. Em outras palavras, Freire fixa o conhecimento junto ao processo de conscientização do indivíduo em sociedade.

9 Tradução do pesquisador para: “La teoria de la espiral del silencio se apoya en el supuesto de que la sociedad - y no sólo los grupos en que los miembros se conocen mutuamente - amenaza con el aislamiento y la exclusión a los individuos que se desvían del consenso. Los individuos, por su parte, tienen un miedo en gran medida subconsciente al aislamiento, probablemente determinado genéticamente. Este miedo al aislamiento hace que la gente intente comprobar constantemente qué opiniones y modos de comportamiento son aprobados o desaprobados en su medio, y qué opiniones y formas de comportamiento están ganando o perdiendo fuerza.” (NOELLE-NEUMANN, 1955, p.179-180).

Estabelece a fonte do aprendizado fora do ambiente de sala de aula, na vivência e história de cada educando.

Paulo Freire preocupa-se, por toda sua obra, em despertar uma possibilidade de educação dialógica e libertadora. Dialógica porque a educação deve ser construída a partir da troca de experiências entre o educador e o educando. Libertadora porque, para ele, a sociedade brasileira vive em um sistema dicotômico, dividido em opressores e oprimidos (daí sua obra mais conhecida intitular-se “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987)) e a educação em seu ver é elemento-chave para transformação dessa estratificação.

O bom jornalismo é também elemento-chave para essa transformação. Com o avanço das populações e das complexidades sociais, o jornalismo assume um papel que a comunicação interpessoal direta já não era capaz de suprir. Assim, ele abraça a função de amplificador coletivo da educação que se dá no âmbito particular.

O jornalismo se tornou um espaço das elites: alimentado, comandado e direcionado por elas. A apropriação desse meio por parte da sociedade comum é basilar para a transformação social. Sem essa apropriação, grande parte da população cai na Espiral do Silêncio.

Essa teoria baseia-se na observação de que, quando um determinado assunto é amplamente difundido nos meios de comunicação de massa, ele pode uniformizar a opinião pública e faz com que opiniões contrárias percam força, esvaindo-se até que caiam em uma espiral de silêncio. A razão principal desse processo, segundo Noelle-Neumann, é o medo da rejeição que assume o controle das mentes opositoras, forçando-as a se calarem.

Dessa forma, o jornalismo pode funcionar como instrumento de dominação. Pode ser uma ferramenta de manutenção do poder e não de contestação. O poderoso, quando domina o processo comunicacional do jornalismo, vale-se desse poder para manter ou aumentar sua opressão. O resultado, nesse cenário, é o da desinformação, em que o leitor (receptor da mensagem) não apreende ou não recebe em sua totalidade a informação almejada.

No melhor dos casos (escreve Schulz) ele é informado superficialmente sobre os fatos, personagens e temas em destaque que dominam as discussões dos assuntos atuais. Não está capacitado a elaborar um conhecimento acumulativo e uma compreensão duradoura dos contextos políticos. (KUNCZIK, 2001, p.326).

No contexto da redação do Jornal do Brasil, foi com o convívio de Raul Ryff, redator no JB e ex-secretário de imprensa de João Goulart, que o narrador começou a simpatizar mais com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), relembrando um pouco de sua infância em uma rua de operários. Esta lembrança mostra que, desde jovem, Gabeira vê uma direita aristocrática, que não gosta de pobre, e uma esquerda mais igualitária.

Na tentativa de entender seu contexto político-partidário, o autor resgata a origem anarquista do PCB (Partido Comunista Brasileiro). A partir dessa análise, critica a postura de importação acrítica de ideias e modelos europeus, que não se sustentam em um contexto brasileiro. Coloca este ponto como a razão da queda dos movimentos anarquistas em 1922 e salienta que a crise que o PTB vivia em 1964 era muito parecida com o contexto daquele período. Esses apontamentos, segundo o narrador, direcionam para grandes mudanças na estrutura do país, que ainda eram incompreensíveis para o jovem Gabeira.

Uma possível leitura desses primeiros capítulos da obra é a de que o narrador está em busca de significados para as transformações vividas na década de 1960. É, de certa maneira, uma preparação para os eventos futuros da obra. Gabeira-narrador escancara sua inocência em uma crítica velada aos movimentos esquerdistas daquele tempo.

O narrador conta que o Partido Comunista lhe era muito misterioso à época. Não sabia direito do que se tratava:

Do Partido Comunista conhecia muito pouco, no princípio dos anos 60. Quando menino todos os operários do meu bairro eram getulistas. Apenas seu Milton Barbeiro era comunista e o único líder famoso que o partido deu em Juiz de Fora foi Lindolfo Hill. A simpatia que havia por eles era a simpatia que havia por todos aqueles de quem a polícia não gostava. (GABEIRA, 2009, p.26)

Acrescenta que “as coisas tinham um sabor de século XIX, mas as questões que a luta interna foi colocando diante dos meus olhos eram muito mais sofisticadas que as minhas” (GABEIRA, 2009, p.26). Para exemplificar sua inocência conta de uma assembleia estudantil de quando tinha 17 anos e não conseguia convencer os pais dos alunos a entrar em greve geral, quando um senhor se levanta e faz um discurso inflamado dizendo que, como pais, eles todos deveriam acatar a palavra de ordem da greve. Tempos depois encontra o mesmo senhor em um bar, bebendo. Conversando com ele, descobre que o senhor não tinha filhos.

Ao mesmo tempo em que Gabeira constrói aos poucos seu narrador e personagem principal, também enumera alguns exemplos de jornais e jornalistas que foram resistentes a ditadura. Faz esse levantamento, evidenciando que não eram poucos os que tentavam resistir:

No nível da imprensa, o centro da oposição estava localizado no Correio da Manhã, de onde surgiram excelentes artigos condenando o governo. António Callado, Oto Maria Carpeaux, Carlos Heitor Cony, Márcio Moreira Alves e Hermano Alves eram alguns dos autores da crítica à ditadura. Os jornais chegavam às bancas e praticamente se esgotavam. Se a venda avulsa desse lucro, o Correio da Manhã daquela época teria prosperado rapidamente. A política de Castelo, que acabou culminando com a edição do AI-2, após a vitória da oposição em Minas e no Rio, era dissecada impiedosamente. Havia um outro jornal no Rio que se dedicava exclusivamente à oposição. Chamava-se Folha da Semana, era publicado em cores, azul e preto. Alguns dos articulistas eram os mesmos, como por exemplo Carpeaux e Artur José Poerner. O Correio da Manhã foi asfixiado pelo corte da propaganda. Só com a venda avulsa não dava para agüentar. O Folha da Semana foi simplesmente fechado pelo Cenimar e seus diretores processados. O estopim foi um artigo acusando o ministro Suplicy de Lacerda de tentar corromper a liderança estudantil. Na verdade, os órgãos de segurança diziam ser o Folha da Semana um órgão simpático ao Partido Comunista Brasileiro e iriam fazer todo esforço para demonstrar essa conexão. (GABEIRA, 2009, p.29)

A estratégia de minar um jornal pelo corte de propaganda não era novidade na imprensa brasileira. Nos anos de 1930 e 1940, o governo Getúlio Vargas, no Estado Novo, já exercia influência estatal sobre as empresas (com ameaças de cortes nos contratos com o governo, ameaças de uso da máquina pública para prejudicar empresas etc.) a fim de que o sustento da imprensa ficasse limitado à venda em bancas.

Essa tática governamental é extremamente funcional porque a estrutura financeira de publicações jornalísticas se dá em uma relação triangular, cujos vértices são o produtor da informação (jornal), o público leitor e a indústria e o comércio (publicidade). Assim, um jornal, para sobreviver, necessita da verba que procede do público, por meio de assinaturas e vendas em bancas, e da verba proveniente da publicidade. Regido também pelas leis de mercado, as publicações reduzem o custo para o leitor com o intuito de vender mais, e repassam esse custo

No documento Uma análise de O que é isso, companheiro? (páginas 30-46)

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