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2.3. TERCEIRA IDA A CAMPO

2.3.5. ENSAIO DO MALÊ DEBALÊ

NO DOMINGO TEM ENSAIO DO MALÊ

Em abril de 2014, durante sua entrevista, Eduardo professou uma sentença que me chamou a atenção:

Pra conhecer o Malê, você tem que ir no Malê. Essa é uma coisa já inicial. Você pode ouvir, conhecer o Olodum, Ilê Aiyê por ouvir falar, por mídia, por canções, por uma série de outras situações que extrapolam o espaço físico desses blocos. Mas o Malê é diferente. O Malê você precisa ir no Malê. (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014)

Seguindo seu conselho, cheguei bem cedo ao Abaeté naquele chuvoso domingo de novembro. O objetivo era encontrar integrantes do bloco antes que o ensaio marcado para as 16h00min tivesse início e assim conseguir realizar algumas entrevistas.

A garoa que caía insistente não pareceu ser problema para o evento que se anunciava. Claudio, presidente da agremiação, trabalhava nos preparativos do ensaio. Testava um letreiro luminoso com o nome do bloco que teimava em não funcionar. Josélio, presidente de honra e pai de Claudio, organizava a cantina, colocando caixas de cerveja na geladeira. O produto, assim como alimentos e outras bebidas, era comercializado durante os ensaios, incrementando a renda do bloco.

Sem querer atrapalhar, me fiz presente cumprimentando a todos. Comentei com Claudio e Josélio sobre a possibilidade de conversarmos e de ambos recebi como resposta que aquele não era um bom momento, mas que poderíamos conversar mais tarde. Josélio informou ainda que receberia a visita de uma equipe de televisão, que gravaria com ele uma reportagem alusiva ao Dia da Consciência Negra. Lembrei-me das palavras de Eduardo: “Invisibilidade. Entidades que tem trabalho social o ano todo, trabalha na área de educação o ano todo, mas que talvez no mês de novembro faça alguma matéria. Uma reportagenzinha.

Mas saiu daí...” (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014). Procurei por um local para me sentar e aguardar.

As horas foram passando e a chuva começou a ficar mais intensa, o que obrigou a uma total mudança de planos. O ensaio, que aconteceria no palco fixo existente na sede, em cujo público fica ao ar livre, foi transferido para a reduzida área coberta do pátio.

Passava das 14h00min e eram poucas as pessoas que circulavam pela sede. Nem sinal, também, da equipe de reportagem televisiva. Quem apareceu foram os integrantes do grupo “Samba e Sede”, que participaria do evento como convidado especial. É comum que os ensaios de artistas de Salvador, sejam eles blocos ou não, contem com a presença de convidados, em uma clara demonstração de parceria e ao mesmo tempo um incentivo a mais para a presença do público.

Com a chegada dos sambistas, comecei a ver serem dispostos seus instrumentos. A reduzida área tornou-se ainda menor. Uma mesa de som foi ligada e um a um os instrumentos foram sendo microfonados. Entre testes e mais testes de áudio, um álbum do Malê Debalê era reproduzido à exaustão.

Josélio veio me informar que a tal reportagem havia sido adiada em virtude do mau tempo e perguntar se queria realizar logo nossa entrevista. Seguimos para a área aberta do pátio, onde nos sentamos em cadeiras de plástico. As mesmas usadas no seminário da semana anterior. Em meio à garoa, sem titubear lancei mão do gravador.

Josélio Araújo é um dos fundadores do Malê Debalê. Sua importância para a trajetória do bloco é tamanha que hoje ocupa o cargo de presidente de honra. Sabedor de inúmeras histórias, Josélio começou a relatar curiosas passagens, em uma fala envolvente. Entretanto, a todo o momento sua atenção era desviada, direcionada as pessoas que chegavam a sede e, mesmo de longe, faziam questão de lhe cumprimentar. Sentia que, à medida que cada conhecido por ali aparecia, crescia em Josélio a vontade de terminar logo nossa conversa e partir para a confraternização. Em virtude disso, a entrevista não se prolongou por muito tempo, tendo eu agradecido o entrevistado pela disponibilidade cerca de meia hora depois de termos iniciado. Voltei para meu lugar anterior, abrigado da chuva.

O céu nublado trouxe a sensação de que a noite chegara mais cedo, roubando do dia parte de seus domínios. Perguntei a Miguel Arcanjo se poderíamos realizar nossa entrevista, pois especulava que após ter início o ensaio seria impossível qualquer tentativa de conversa. Miguel pediu que aguardasse mais alguns minutos, pois precisava resolver questões diretivas de última hora. Aproveitou para me apresentar a César, mestre de percussão do Malê Debalê. Interessado em ouvir o regente, solicitei uma entrevista, sendo prontamente atendido. Para

meu alívio, abandonamos o pátio encharcado e seguimos para uma das salas de aula da Escola Municipal que ali funciona. Sentados em carteiras escolares, demos início a nossa conversa.

César Veloso é o responsável pela musicalidade do bloco, sendo coordenador dos músicos e também professor dos que ali são iniciados.

Eu to na entidade há 24 anos. Comece a vir no Malê com 14 anos de idade, a contragosto dos meus pais. Meus pais eram de uma família de classe média e tinham um pouco de preconceito racial. Bloco afro eles não queriam. Mas eu me apaixonei pelo bloco. Eu vi o bloco ensaiando aqui mesmo, nas areias do Abaeté. Era bem pequeno. Foi amor à primeira vista. Entrei na primeira formação da banda mirim. Vim pro projeto social da banda mirim com 15 anos. Aí vim me profissionalizando, querendo conhecer mais, me aprofundar nas coisas, ir na raiz mesmo. Entrei na banda mirim tocando dobra, depois procurei me aprofundar no repique, parti pro fundo. Isso foi em 1990. Em 1991 eu já estava tocando todos os instrumentos. Eu tive a oportunidade em 1996, na ausência de um regente, de ser relacionado como mestre da banda mirim do Malezinho. No mesmo ano de 1996 me chamaram pra ser o mestre da banda do Malê adulto. Passei pra banda adulta porque já tinha conhecimento e de lá pra cá não parei mais. Sou o mestre desde 1996 da banda adulta do Malê Debalê. Em 2010 eu tive uma pequena ausência, porque eu saí da regência. Aí em 2011, com a nova administração, a nova diretoria, com a passagem da administração de Josélio para Claudio, Claudio me solicitou, me chamou de novo e to aqui até hoje. (César Veloso, entrevista realizada em novembro de 2014)

Orgulhoso de seu trabalho na agremiação, várias foram as oportunidades em que César ressaltou o papel determinante que o Malê Debalê desempenhou em sua formação como profissional e cidadão.

Com recente regresso de uma série de workshops na Alemanha, César aproveitou para relatar outras de suas viagens para o exterior, a repercussão que a sonoridade do bloco afro desperta em diferentes públicos, bem como experiência que acabou adquirindo ao longo dos anos. Experiência que permitiu a César fazer emergir da percussão do Malê Debalê uma assinatura própria, que a diferenciasse de todos os demais blocos. O regente informou que, neste processo de dotação de característica própria, teria surgido no Malê Debalê um inédito toque de tambores, nomeado de “Desmond Tutu”, em homenagem ao líder sul-africano.

Sobre sua atividade como professor de música do bloco, foi explicado que o aprendizado é calcado na prática, mas amparado pela teoria, sendo a leitura de partituras uma parte indispensável do método. Neste ponto transpareceu a preocupação do mestre com o futuro de seus discípulos para além do universo do bloco afro. Segundo César, o trabalho por ele desenvolvido no interior da agremiação visa a formação de músicos completos, sendo o conhecimento de teoria indispensável neste propósito. O recente workshop em terras germânicas serviu de exemplo de tal necessidade. Segundo César, sem dominar a teoria, sequer teria sido convidado para ministrar a atividade. Neste ponto foi impossível não estabelecer um paralelo com a mesma preocupação expressada por Antônio e gravada no

material didático produzido pela Escola Olodum. Eram os blocos pensando em perspectivas futuras para seus musicistas, para além do universo do carnaval.

Terminada a entrevista, retornamos para o pátio coberto que já contava com público mais numeroso, mas ainda insuficiente para preenchê-lo completamente. Miguel me viu e de longe fez um sinal positivo. Logo o dirigente veio até mim, perguntado sobre a entrevista com César. Informei que havia sido bastante interessante e produtiva. Satisfeito, Miguel se disse pronto para nossa conversa. Solicitei que a mesma fosse realizada na sala em que me reuni com César, a fim de evitar a chuva que voltava a ser mais intensa, tendo sido prontamente atendido.

Assim como Josélio, Miguel Arcanjo é fundador do Malê Debalê e seu atual vice- presidente. Sua trajetória de vida se confunde com a do bloco, criado, segundo Miguel, para representar Itapuã no carnaval de Salvador, mas também com o propósito de ser um agente de ação do movimento negro na Bahia, concordando com o que me fora dito por Eduardo: “O Malê é um bloco que fica distante do centro, um bloco que não tem um apelo de mídia que os outros blocos têm. É um bloco que nasce lá em Itapuã, inclusive com essa proposta de dar uma visibilidade ao que é a história de Itapuã, ao bairro de Itapuã.” (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014)

Com este intuito, objetivou-se a criação de uma entidade que aludisse ao pertencimento da comunidade de Itapuã, relacionando-o com o sentimento de pertença a um universo mais amplo, que abarcaria o negro baiano e brasileiro. Não por acaso a logo do bloco traz a filiação “Itapuã – Bahia - Brasil”. Surgiu assim o primeiro bloco afro “itapuanzeiro”. O depoimento de Miguel me remetia, novamente, as palavras de Eduardo:

O Malê tem uma forte inclinação de ser uma entidade da comunidade, de Itapuã. Isso é muito forte. Então quando eu chego no Malê os ensaios que eu assistia lá no Abaeté, eram ensaios assim, com os moradores de Itapuã praticamente. Essa história do Malê ser muito longe fez com que construísse uma identidade muito próxima com a comunidade de Itapuã. Itapuã é um bairro que tem uma trajetória de construção de identidade comunitária muito forte. Itapuã tem uma palavra que eu conheci lá. Depois eu até vi outros desdobramentos em outros lugares, que é o “itapuanzeiro”, que é o nativo de Itapuã. Isso traz uma carga muito forte pra quem é de Itapuã. Então Malê nascer em Itapuã, Malê ter uma história vinculada a essa comunidade “itapuanzeira”... Isso desdobrou na história e nessa aproximação dessa relação comunidade Itapuã - Malê. (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014)

Curiosamente, os artífices do bloco que criou tão estreito vínculo com a comunidade de Itapuã, não eram nativos região, conforme relatou o mesmo Eduardo em mais uma interessante passagem de sua entrevista:

Quem funda o Malê, quem fundou o Malê, eram pessoas que não eram de Itapuã. Eram pessoas que tinham algum vínculo, como é o caso de Miguel, um dos fundadores, Miguel Arcanjo, que a família dele era de lá, mas ele não morava lá. Josélio Araújo também não era de lá. Era do Rio Vermelho, Nordeste de Amaralina. Peruano, que já faleceu, faleceu no ano passado, que também não era de lá. Era do Tororó. Então eram pessoas que chegam pra lá com uma idade já superior a 20, 25 anos. Quer dizer, já eram homens, pessoas feitas, mas que já vivenciavam o carnaval de Salvador. Peruano saía no “Apaches [do Tororó]” e saía no “Vai Quem Quer”. Miguel saía no “Badauê”, não sei. Josélio saía no “Melô do Banzo”, que era um bloco afro que existia naquela região. Então todos eles, cada um em seu canto. Quando ocorre de se encontrar em Itapuã é porque um casou com alguém de lá, outro a mãe foi morar lá. E de repente eles encontraram ali em Itapuã e aí decide montar um bloco de carnaval, já que Itapuã tá muito longe de tudo, até hoje é, pra brincar o carnaval, já que nenhum bloco de Salvador ia pra lá. E mais, além de brincar o carnaval aqui, “nós vamos pegar nosso bloco aqui pra levar pro carnaval”. Então o Malê é querido. É um bloco de Itapuã que nasce em Itapuã, mas os fundadores não são de Itapuã. Então quem é o “itapuanzeiro” é o Malê, não são as pessoas. Quem é o nativo é o Malê. (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014)

Retomando a conversa com Miguel Arcanjo, este fez uma série de considerações sobre o papel do Malê Debalê dentre as organizações negras de Salvador, ressaltando uma forma própria de agir, uma identidade que diferencia o bloco dos demais, aproximando sua fala, mais uma vez, a de Eduardo. Miguel considera que as agremiações afro-carnavalescas são referências necessárias paras as comunidades carentes de Salvador, majoritariamente negras. E que neste tocante, o Malê Debalê teria sido reconhecido como referência para a comunidade de Itapuã. Um ambiente em que as pessoas buscam elementos com os quais se identificar. E justamente neste ponto residiria a maior responsabilidade do bloco, segundo Miguel. O Malê Debalê nasceu para conscientizar os indivíduos de suas potencialidades, melhorar sua autoestima, encampar suas demandas e formar cidadãos. Percebia uma sintonia fina entre as falas de Eduardo, Miguel, Jany, Josélio e César. O propósito do bloco parecia, de fato, muito bem definido.

Findada a entrevista com Miguel, retornamos para o pátio coberto no exato momento em que o grupo “Samba e Sede” iniciou sua apresentação. A área seguia longe de estar repleta. Nem mesmo a gratuidade na entrada parecia estimular uma maior presença de público. Talvez o mau tempo tenha espantado os frequentadores.

Vejo Claudio sentado entre amigos e familiares, prestigiando a apresentação. Aproximei-me e, sem poder ser mais inconveniente, perguntei sobre nossa entrevista. Claudio pediu que aguardasse mais alguns minutos e propôs que entrevistasse Givanildo, um dos coordenadores de alas de dança do Malê Debalê, que estava sentado ao seu lado. Givanildo mostrou-se interessado em conversar. Seguimos para a mesma sala onde foram entrevistados César e Miguel.

Givanildo Neris é bailarino e responsável pela coordenação de algumas das quinze alas de dança do bloco.

Minha história no Malê vem de 20 anos atrás. Meu professor de dança, Aguinaldo, que era meu professor na escola de dança e era diretor do Malê, foi quem me trouxe aqui. Eu vi o Malê Debalê em 1993 e achei a coisa mais linda. Quando foi em 1994, ele me convidou pra vir aqui fazer uma apresentação de destaque. Depois teve um concurso de rei. Eu vim, concorri e fiquei em terceiro lugar. Aí comecei a sair de destaque. Dois anos depois teve o maior concurso do Malê, que foram dezesseis candidatos. O maior concurso que teve até hoje. Só tinha premiação pra um candidato, pro primeiro lugar. Concorri e fui campeão. Depois fui tricampeão do Malê, de rei e aí não podia mais concorrer. Quando foi em 2000, montei a minha primeira ala de dança e foi um sucesso. Aí eu comecei a ter amor e carinho de trabalhar com o povo da Sussuarana, juventude, pessoas de 12 anos em diante. Eu era dançarino do Olodum mirim, vim pra cá, concorri e ganhei. A diretora chegou pra mim e disse: “se você sair no Malê, você vai sair do Olodum”. Eu disse “problema meu, eu saio”. Aí saí, vim aqui, concorri e ganhei. Depois acabou que o corpo de dança do Olodum terminou. Eu conheci o Brasil todo com o Olodum, porque viajava muito. Pra fora eu conheci com o Malê. Minha primeira viagem internacional foi com o Malê. Se eu for dançar hoje em qualquer outro bloco o pessoal vira e diz: “não, você é a cara do Malê.” Me tornei um cartão postal do Malê. (Givanildo, entrevista em novembro de 2014)

Mostrando-se exigente e perfeccionista, explicou que a preparação para o carnaval é iniciada meses antes, com a escolha do tema, afirmando já ter em mente várias propostas para explorar a temática de kirimurê, no carnaval de 2015. Sobre o corpo de baile que dirige durante a folia, Givanildo me surpreendeu ao informar que a maior parte das pessoas não é residente em Itapuã ou sequer faz parte formalmente do Malê Debalê. São pessoas conhecidas de Givanildo, suas alunas em aulas de dança ministradas por toda Salvador, em especial na região de Sussuarana, que durante o carnaval juntam-se as fileiras do bloco de Itapuã. Trajetória próxima a do próprio Givanildo, que no ano de 1994 foi convidado por Aguinaldo, seu professor de dança – que fazia parte da diretoria do Malê – a se apresentar na instituição, sem ter qualquer outra relação prévia com o bloco. Toda a questão de pertencimento do bloco a Itapuã e da participação de seus moradores, lembrados por Miguel, parecia se chocar com as revelações do bailarino. Mais uma vez sou remetido à entrevista de Eduardo:

Essas experiências do bloco, da bateria, da percussão, tudo vem de fora. Os dançarinos que vão pra lá não são de Itapuã. Os dançarinos são, mas os coreógrafos não são. São oriundos de escolas de dança e não sei o quê, que vão pra Itapuã e começam a participar dos ensaios. (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014)

Givanildo explicou, ainda, que há uma grande rivalidade entre os coordenadores de alas de dança. Afirmação semelhante fora feita por Jany Salles em sua entrevista, inclusive sendo esta rivalidade considerada uma das responsáveis pelo alto nível das apresentações do

Malê Debalê como um todo. Entretanto, na fala de Givanildo, foi ressaltada a prevalência de interesses pessoais como motivadores da busca por um melhor desempenho. A possibilidade promoção profissional individual aparecia agora como o grande esteio que amparava todo espetáculo.

Ao que parece, a comunidade de Itapuã não consegue fornecer os elementos necessários para que o Malê Debalê mantenha-se como um dos principais blocos do carnaval. Foi preciso aceitar a participação de pessoas de fora, como músicos e bailarinos, para que a agremiação seguisse sendo “o maior balé afro do mundo”. Ganha-se em proporção mas ao que parece perde-se justamente na dimensão comunitária do bloco, tão ressaltada em algumas das entrevistas como sendo motivadora de sua gênese.

Já passava das 20h00min quando a banda show Malê Debalê assumiu o improvisado palco e iniciou seu espetáculo. Os oito percussionistas trajavam túnicas com estamparia do bloco, ainda do carnaval de 2014. À frente o cantor dividia o pequeno espaço com a bailarina que rodopiava pelo chão molhado, por vezes fazendo movimentos de arco com os braços, por vezes movimentando-os para frente e para trás, com as mãos espalmadas, em uma performance claramente referenciada no Candomblé. O sorriso estampado nos lábios parecia ser uma constante naqueles que participam dos blocos afro.

O repertório mesclou antigas canções com aquelas que repetidamente foram executadas durante todo o dia no equipamento de som da sede. Inicialmente desconhecedor de suas letras, tamanha fora a exposição às canções que naquele fim de dia já as sabia todas de cor.

Parte do público dançava timidamente, creio que pela própria limitação do espaço. Parte entregava-se a conversas nas rodas de amigos, parte ainda degustava o feijão da cantina, acompanhado da cerveja que fora colocada na geladeira no início do dia. As crianças seguiam com suas brincadeiras, por vezes repreendidas por pais que não queriam que os pequenos brincassem na chuva. Observando todo aquele cenário, pensava nas palavras de Eduardo, companheiro de reflexões ao longo de todo aquele dia.

Ate hoje se você vai nos ensaios do Malê é interessante porque 80% ou 90% das pessoas que participam são as pessoas de Itapuã. Então você chegando no ensaio do Malê nove horas da noite, tem as crianças lá, os meninos brincando pra lá e pra cá. Parece uma festa! Crianças pra lá e pra cá, muito menino, mulheres grávidas. E o Malê termina se confundido com tudo isso. Os pescadores. É a moça do acarajé que trabalha durante o dia e a noite vai pro ensaio. E as vezes o ensaio, que precisaria acabar oito horas da noite, tem que chegar até dez porque é a hora que os moradores tão chegando do trabalho. O Malê se confunde muito com essa coisa da comunidade. (Eduardo Santana, entrevista realizada em abril de 2014)

Assim como acontecera no evento do Olodum, percebi que o termo ensaio não correspondia ao que usualmente imaginava como sendo um ensaio, espaço para prática, testes, experimentos e correções. Procurei por César, na tentativa de tentar descobrir no regente