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2.3. TERCEIRA IDA A CAMPO

2.3.4. ENSAIO DO OLODUM

O Pelourinho de Jorge Amado estava em festa. Aquele domingo reservava eventos musicais para os três largos que carregam nomes de seus personagens. Pedro Archanjo faria ecoar o reggae e Quincas Berro D’Água o samba. Como uma síntese, Tereza Batista receberia

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YouTube. Que bloco é esse? – Malê Debalê. Vídeo (3min29s). Disponível em: www.youtube.com/watch?v=WTgV6yZkLyw. Acesso em 10 de julho 2015.

o samba reggae do Olodum. Tradicionalmente o bloco divide suas apresentações regulares entre os dias de domingo, quando acontecem os ensaios, e terças-feiras, quando acontece a chamada “benção do Olodum”, apresentação que se segue após a benção concedida aos fiéis pelas igrejas de São Francisco e Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Pelourinho.

“Alegria Geral” (Composição de Alberto Pita) Olodum tá hippie, Olodum tá pop, Olodum tá reggae, Olodum tá rock O Olodum pirou de vez E canta, canta Salvador, canta, canta Canta meu amor, canta, canta Olodum do Pelô Todos os domingos e terças-feiras Tem samba de roda e capoeira Domingo tem Olodum no Pelô Na terça tem a benção do Senhor Pelourinho se transforma em carnaval Nesse momento a alegria é geral No samba de roda eu toco agogô Junto com Tom Zé, Capinan e Canô63

Adquiri o ingresso e resolvi esperar para entrar no espaço, que parecia ainda vazio. Aproveitei para observar as obras de um dos inúmeros artistas que expõem seus trabalhos nas calçadas do lugar.

O público foi chegando aos poucos, sem pressa. Como também parecia estar sem pressa a banda, que já extrapolava o horário previsto para o início da apresentação. Meia hora se passou até que os musicistas subissem ao palco. Dez percussionistas, trajados com camisetas amarelas estampadas com a logo do bloco, posicionaram-se no meio da plataforma. Avistei Gilmário entre eles. Na lateral direita um guitarrista se posicionou. Na esquerda foi a presença de um baixista que se fez notar. Completando o grupo, quatro vocalistas, dispostos a frente. Além de Lazinho, apresentar-se-iam também naquela tarde Narcisinho, Sátyra Carvalho e Matheus Vidal. Reconheci os dois últimos do desfile carnavalesco do bloco que pude acompanhar in loco, no ano de 2013. Narcisinho havia sido cantor da Banda Olodum em tempos idos e agora retornava ao grupo, depois de um tempo afastado.

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A apresentação teve início e, diferentemente do que havia presenciado no Festival de Verão anos antes, desta vez o público se mostrou participativo e interessado. Os gringos se afinavam na folia, como dizia uma antiga composição do bloco. A aglomeração de pessoas, bem como o limitado espaço do largo, tornava restrita a movimentação dos presentes. Era possível observar braços levantados que pendiam de um lado para o outro, vez por outra dando lugar a aplausos entusiasmados.

Uma antiga canção do Olodum dizia que ao chegar do bloco os corpos não ficariam mais inertes. E era exatamente o que presenciava. Lembrava-me da entrevista com Gilmário e de seu relato sobre uma apresentação no Japão:

A gente já tocou no Japão, que é uma coisa assim... Eu nunca vi na minha vida. Por onde a gente passava, de tocar em teatro e as pessoas ter que sentar, ver o show sentadinho, e na terceira música do Olodum todo mundo levantar. E o contratante: ‘Não, pode não! Tem que abaixar! Tem que sentar!’ O show do Olodum é contagiante. Você fazer milhares de japoneses levantar, dançar... A gente fazendo show no Japão, o show acontecendo, e o cara não tava nem aí pro show. Aí o pessoal explicou: ‘Ele tá sim, ele tá ouvindo, mas a cultura deles aqui é essa’. Depois da terceira, quarta, quinta música, você vê todo mundo batendo... Inclusive o cara. O som, a música, ela é universal. Ele passa várias barreiras. (Gilmário Marques, entrevista realizada em abril de 2014)

Os cantores foram desfilando uma série de clássicos do repertório da banda, com os vocais sendo constantemente alternados. Hora era aberto espaço para uma apresentação solo, hora o canto era entoado em uníssono. A plateia seguia fazendo parte do espetáculo, acompanhando cada uma das canções com um brado que ecoava por todo o largo. Mesmo aqueles que pareciam desconhecer algumas das composições, procuravam recompensar com alegria o trabalho desempenhado pelos artistas em cima do palco.

Eis que o grito de “Faraó” se apresentou. Para minha surpresa, sem provocar efeito de proporção similar ao que havia presenciado anos antes. Apesar de repercutido e devidamente respondido, grito e canção pareciam não ter um peso maior do que o restante do repertório para a maior parte daqueles que ali estavam. Talvez a composição do público, em boa parte formado por turistas, explicasse tal diferença de recepção. “Faraó” parecia possuir um significado distinto para aqueles que vivem em Salvador, um significado construído localmente, difícil de ser partilhado por pessoas estranhas aquele contexto.

Aos poucos fui percebendo que, a despeito de ser denominado ensaio, o que presenciava ali era um show. Não havia erros a serem corrigidos, tampouco repetição exaustiva de algum número em busca de aprimoramento. O que se observava era um espetáculo totalmente organizado, de perfeita execução e total integração com o público.

Cerca de duas horas após ter sido iniciada, a apresentação chegou ao fim. O público aos poucos deixou o espaço, com corpos suados e sorriso nos lábios. Em mim restou a sensação de que o tempo se acelerara e que as duas horas não foram mais que meros instantes. Restava também a expectativa para o próximo ensaio, no domingo seguinte. Seria a vez do Malê Debalê, em Itapuã.