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2.3 Ensino e aprendizagem sem/com tecnologias em processos formativos de

2.3.4 Ensinar e aprender Matemática

Aos pressupostos sobre ensino e aprendizagem matemática anteriormente apresentados neste trabalho, tais como os de Teixeira (2004) e de Gómez-Granell (2006), acrescentam-se outros, na tentativa de ampliar e aprofundar o explicitado, tendo como referência as Normas Profissionais para o Ensino de Matemática (National Council of

Teachers of Mathematics – NCTM) (1998), D’Ambrósio (2012) e Ponte (2005).

De acordo com as referidas Normas, desde 1960, o ensino de Matemática é objeto de atenção e estudos. Em 1980, emerge a compreensão de que “a competência matemática deixou de se reduzir ao simples domínio de técnicas de cálculo para passar a incluir de modo decisivo a compreensão dos conceitos” (1998, s/p) 59.

Na década de oitenta, a atenção deslocou-se dos conteúdos matemáticos propriamente ditos para a forma como eles são ensinados. Saltaram para o primeiro plano os aspectos problemáticos desta disciplina, dando-se especial ênfase à resolução de problemas e às formas mais elaboradas da actividade matemática, como a modelação de situações da vida real e o processo de desenvolvimento do saber por conjecturas, provas e refutações. Para além da reprodução de conhecimentos previamente adquiridos por parte dos alunos, passou a estar igualmente em foco a sua capacidade de raciocinar e de enfrentar situações problemáticas. (1998, s/p).

Aos professores, concebidos como “principais protagonistas na mudança dos processos pelos quais a Matemática é ensinada e aprendida nas escolas” (1998, p. 2), cabe implementá-la. Entre os obstáculos estão as crenças e concepções que alunos e professores levam para a aula, bem como pressupostos das autoridades escolares, dos pais e da sociedade sobre o currículo e o ensino e a aprendizagem de Matemática.

Segundo as Normas Profissionais para o Ensino de Matemática, ensinar requer do professor variados conhecimentos. “É preciso conhecer os alunos, saber matemática e saber ensiná-la e ter oportunidade de aplicar estes conhecimentos numa grande variedade de cenários pedagógicos” (1998, p. 125). Além disso,

59 Esta citação e a próxima encontram-se na quinta página de apresentação das Normas Profissionais para o Ensino de Matemática, não numerada. A numeração inicia na Introdução da obra.

[...] requer uma compreensão profunda do efeito que têm, no ambiente de aprendizagem, fenômenos tão diversos como o nível sócio-econômico, a herança cultural, as atitudes e as concepções e o clima político. Acima de tudo, é um trabalho que implica o conhecimento crescente de si próprio, que alie sensibilidade e responsabilidade para com os alunos com o conhecimento, as capacidades, o discernimento e a predisposição para ensinar Matemática. (1998, p. 125).

Ao tratar do que é necessário para ensinar Matemática, as Normas Profissionais para o Ensino de Matemática ressaltam que todos que exercem essa profissão “transportam consigo a sua própria experiência como alunos de Matemática, desde o ensino básico até ao fim da sua formação universitária”60. Em outras palavras, “os professores são influenciados pelo ensino que observaram e de que foram alvo” (1998, p. 126). Sua formação é vista como processo permanente, que comporta “necessidades específicas para os diferentes níveis de ensino” (1998, p. 126-127).

O objetivo do ensino de Matemática, segundo o referido documento, é dar condições ao aluno de “desenvolver o poder matemático” (1998, p. 2), que

[...] engloba a capacidade de explorar, conjecturar e raciocinar logicamente, bem como a capacidade de usar com eficiência uma variedade de métodos matemáticos para resolver problemas não rotineiros e a autoconfiança. [...] Inclui igualmente ser capaz de formular e resolver problemas, de julgar o papel do raciocínio matemático numa situação da vida real e de comunicar matematicamente. (1998, p. 21).

Pressupõem, ainda, o documento que, no ensino dos conceitos dessa área, “o raciocínio matemático, a resolução de problemas, a comunicação e as conexões devem ser centrais”61. Além disso, considera que “ser matematicamente culto inclui ter uma apreciação do valor e da beleza da Matemática, bem como ter capacidade e tendência para apreciar e usar informação quantitativa”62. As dimensões essenciais desse processo se encontram no quadro que se segue.

60 NCTM, 1998, loc. cit. 61 NCTM, 1998, loc. cit. 62 NCTM, 1998, loc. cit.

Quadro 7 – Dimensões do ensino de Matemática Dimensão Descrição

Atividades Projetos, questões, problemas, construções, aplicações e exercícios em que os alunos se envolvem.

Discurso Formas de representar, pensar, falar, concordar ou discordar que professores e alunos usam para se envolver nas atividades.

Ambiente Contexto da aprendizagem.

Análise Reflexão sistemática em que os professores se envolvem. Implica observação contínua da aula.

Fonte: NCTM (1998, p. 22).

Essas quatro dimensões ou “áreas principais do trabalho do professor” (1998, p. 22) encerram normas fundamentadas nos pressupostos abaixo.

1. O objetivo do ensino da Matemática é ajudar todos os alunos a desenvolver poder matemático.

2. O QUE os alunos aprendem está fundamentalmente relacionado com o COMO aprendem.

3. Todos os alunos podem aprender a pensar matematicamente.

4. Ensinar é uma prática complexa e, consequentemente, não é redutível a receitas ou prescrições. (1998, p. 23-24, destaques das NCTM).

Um resgate histórico sobre o ensino de Matemática no Brasil é apresentado por D’Ambrósio. Dos eventos apontados pelo autor desde o período colonial, destaca-se o Movimento da Matemática Moderna, ocorrido na década de 1960, pela “importância na identificação de novas lideranças na educação matemática e na aproximação dos pesquisadores com os educadores, sobretudo em São Paulo” (2012, p. 53).

Se a matemática moderna não produziu os resultados pretendidos, o movimento serviu para desmistificar muito do que se fazia no ensino da matemática e mudar – sem dúvida, para melhor – o estilo das aulas e das provas e para introduzir muitas coisas novas, sobretudo a linguagem moderna de conjuntos.63

Atualmente, a Matemática passa por transformações, afirma D’Ambrósio, em função de fatores como a mudança do rigor científico e a diversidade cultural. Ao tratar dessa mudança, o autor se volta para a formação de professores, afirmando o que segue.

Já é tempo de os cursos de licenciatura perceberem que é possível organizar um currículo baseado em coisas modernas. Não é de estranhar que o

rendimento esteja cada vez mais baixo, em todos os níveis. Os alunos não podem aguentar coisas obsoletas e inúteis, além de desinteressantes para muitos. Não se pode fazer todo aluno vibrar com a beleza da demonstração do Teorema de Pitágoras e outros fatos matemáticos importantes. (2012, p. 55).

Segundo D’Ambrósio, vive-se hoje na “era dos computadores, das comunicações e da informática em geral”64 e, nesse contexto, cabe aos professores “adotar a teleinformática sem restrições, como o normal no momento, pois de outra maneira se distanciarão da realidade vivida pelos alunos” (2012, p. 56). Apesar disso, “lamentavelmente, ainda há alguns que só praticam o falar”65, nisto consistindo o seu ensino.

Pressupondo um novo papel para o professor, D’Ambrósio destaca a importância do mesmo no processo educativo, afirmando que

[...] o professor que insistir no seu papel de fonte e transmissor de conhecimento está fadado a ser dispensado pelos alunos, pela escola e pela sociedade em geral. O novo papel do professor será o de gerenciar, de facilitar o processo de aprendizagem e, naturalmente, de interagir com o aluno na produção e na crítica de novos conhecimentos. (2012, p. 73).

O autor discute o que faz de um professor um bom professor, apontando três categorias nas quais sintetiza as qualidades deste: “1. emocional/afetiva; 2. política; 3. de conhecimentos” (2012, p. 77). Em face das mesmas, aponta um exemplo de professor que não considera educador.

Há professores que ministram muito bem suas aulas, têm uma classe ótima e com bom rendimento, mas que não contam aquele truquezinho que se usa num certo tipo de equação. Deixam para pedir na prova justamente esse tipo de equação. E, satisfeitos, pensam: “Agora consegui pegar esses alunos que se julgam tão sabidos. Agora eles estão em minhas mãos”. [...] Sua fama de “duro” corre; outros admiram “o quanto ele sabe” e alguns poucos, que têm um talento natural para matemática e que conseguem desvendar o truque, sentem-se realizados. (2012, 77-78).

Concebendo educar como um ato político, D’Ambrósio chama atenção para a cidadania, compreendendo que a preparação para a mesma requer “o domínio de um conteúdo relacionado com o mundo atual” (2012, p. 79). Nesse sentido, ressalta que “muitos perguntam o que significa em matemática uma dimensão política [...] e muitos defendem ser a matemática independente do contexto cultural” (2012, p. 80).

64 D’AMBRÓSIO, 2012, loc. cit. 65 D’AMBRÓSIO, 2012, loc. cit.

Ao tratar do ensino de Matemática e do papel do professor, o autor aponta a formação desse último como um dos grandes desafios para o futuro. Citando Beatriz S. D’Ambrósio66, sublinha que o professor de Matemática do século XXI deverá ter visão do que vem a ser a Matemática e do que constitui a atividade e a aprendizagem nessa área do conhecimento, assim como visão do que constitui um ambiente propício a aprendizagem matemática.

Em se tratando de ensino e a aprendizagem de Matemática, consideram-se, também, os pressupostos de Ponte (2005). Embora não trate das tecnologias, o autor permite entrever qual poderia ser o lugar das mesmas nesse processo. Do seu ponto de vista, há duas estratégias ou modalidades básicas no ensino de Matemática: o “ensino direto” ou “ensino expositivo” e o “ensino-aprendizagem exploratório”, também conhecido como “ensino por descoberta” ou “ensino ativo”.

Quadro 8 – Ensino direto ou expositivo em Matemática

Ensino O professor assume papel fundamental, como elemento que transmite informação, apresenta exemplos e comenta situações.

Aprendizagem O aluno aprende ouvindo e fazendo exercícios, com o objetivo de mobilizar conceitos e técnicas explicados e exemplificados pelo professor. Além dos exercícios, suas principais tarefas são prestar atenção ao que o professor diz e, eventualmente, responder às suas perguntas.

Atividades Exposição da matéria pelo professor. Realização de exercícios pelos alunos. Fonte: Ponte (2005).

Ao caracterizar o ensino direto, referindo-se a uma de suas principais atividades, Ponte salienta que, “muitas vezes, a resolução de exercícios ganha mesmo o lugar central, de tal modo que, para o aluno, aprender é, sobretudo, ‘saber como se fazem’ todos os tipos de exercícios suscetíveis de saírem em testes ou exames” (2005, p. 13).

O ensino-aprendizagem exploratório, por sua vez, é concebido pelo autor conforme segue.

66 D’AMBRÓSIO, B. S. Formação de professores de matemática para o século XXI: o grande desafio, Pro-

Quadro 9 – Ensino-aprendizagem exploratório ou ensino por descoberta/ativo

Ensino O professor não explica tudo; deixa uma parte significativa do trabalho de construção do conhecimento para os alunos realizarem. Valoriza mais os momentos de reflexão e de discussão com a turma.

Aprendizagem A ênfase é deslocada do “ensino” para “ensino-aprendizagem”. Os alunos aprendem a partir da reflexão que realizam sobre o que fizeram durante as atividades.

Atividades Atividades de exploração, incluindo investigação e projetos. Fonte: Ponte (2005).

O autor observa que entre o ensino direto e o ensino-aprendizagem exploratório existem versões intermediárias, esclarecendo que “ensino-aprendizagem exploratório não significa que tudo resulta da exploração dos alunos, mas sim que esta é uma forma de trabalho marcante na sala de aula” (2005, p. 14). Nesse sentido, aponta como elementos que definem uma modalidade de ensino: o modo como a informação é introduzida; a natureza das tarefas propostas aos alunos e da atividade delas decorrente. Na tentativa de tornar mais clara essa ideia, Ponte contrapõe o ensino direto ao ensino-aprendizagem exploratório, nos seguintes termos:

[...] uma estratégia de ensino-aprendizagem de cunho exploratório dará ênfase a atividades de exploração, incluindo possivelmente também algumas investigações, projetos, problemas e exercícios. Uma estratégia de ensino direto dará mais ênfase à resolução de exercícios, podendo ainda incluir um ou outro problema, projeto ou investigação. Uma estratégia de ensino direto dará ênfase à introdução de “matéria nova” como primeira etapa no estudo de um novo assunto, feita, sobretudo, pelo professor ou por este em diálogo com os alunos. Uma estratégia de ensino-aprendizagem exploratória valorizará mais os momentos de reflexão e discussão com toda a turma, tendo por base o trabalho prático já previamente desenvolvido, como momentos por excelência para a sistematização de conceitos, a formalização e o estabelecimento de conexões matemáticas. (2005, p. 15-16).

Esta pesquisa trata de concepções e práticas de ensino e aprendizagem com TDIC. Na análise (seção Análise e Resultados), os pressupostos sobre ensino e aprendizagem em Matemática, especificamente, são representados pelas abordagens pedagógicas previstas por Mizukami (1986) e por Valente (1993). Por exemplo, o “ensino direto ou expositivo” indicado por Ponte (2005) tem representatividade na abordagem tradicional, quando não inclui tecnologia, e na instrucionista, quando inclui. O mesmo se aplica ao “ensino- aprendizagem exploratório ou ensino por descoberta/ativo”, representado pela abordagem cognitivista ou pela construcionista.

Mantendo-se o foco no processo de ensino e aprendizagem, prossegue-se tratando do uso pedagógico das tecnologias.