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3 METODOLOGIA DA PESQUISA

3.1 Questão de pesquisa

Como dito na Introdução, a questão desta pesquisa encontra-se formulada nos seguintes termos: como ocorre a formação para uso das TDIC contemplada nos projetos

pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública do Estado de São Paulo, segundo as concepções inferidas dos dados fornecidos pelos que a protagonizam e as práticas declaradas pelos mesmos?

No enunciado da questão acima, o pronome “como” não deve ser entendido como indicador de processo, mas de estado: como se configura, que forma tem ou, ainda, que contornos assume a formação para o uso das TDIC nos cursos focalizados, do ponto de vista dos sujeitos participantes da pesquisa.

3.1.1 Por que formação para o uso das TDIC

Destaca-se a expressão “formação para o uso das TDIC”, justificando, aqui, não o objeto, mas a forma como é enunciado. Embora possa soar pragmática, especialmente pela presença dos termos em itálico, tal expressão compõe a investigação por corresponder ao – e traduzir com fidedignidade o – delineado pelos cursos em seus projetos pedagógicos, especificamente no perfil do egresso.

De determinado ponto de vista, tal expressão poderia ser interpretada, e sugerir, prioridade nos “meios”, concepção instrumental da prática pedagógica (PÉREZ GÓMEZ, 1997), contrária à ideia de formação para o uso das TDIC que fundamenta esta pesquisa, explicitada na seção “Referencial teórico”, coerente com os pressupostos da racionalidade prática. Entretanto, do ponto de vista da práxis (VÁSQUEZ, 1968), prática e teoria coexistem numa relação dialética, é partindo desse pressuposto que empregamos os termos “para o uso” das TDIC.

Ao utilizar esses termos, não se priorizam os “meios” em detrimento dos “fins” da prática pedagógica, dado que, do ponto de vista de Saviani (2003) e de Veiga (2003), isto

sequer seria possível, pois nenhuma prática é neutra e carrega em si determinações políticas. Como toda ação pedagógica, é complexa, segundo Schön (1997) e Mizukami (1996), e comporta intencionalidade, portanto, “fins”.

3.1.2 Por que o estudo de concepções

No delineamento da pesquisa, pode-se questionar por que o estudo de concepções, quando se tem como objeto a formação inicial de professores para o uso das TDIC.

Afinal, ao invés de concepções, por que não "saberes relacionados às tecnologias", expressão empregada por Gatti e Barretto (2009, p. 119) para indicarem algo exterior ao sujeito, presente no currículo formal dos cursos de licenciatura? Ou, então, por que não seguir o caminho trilhado por Simião e Reali, que investigaram “conhecimentos para o uso do computador” (2002, p. 134) em um curso de Licenciatura em Matemática, fundamentados no conceito de base de conhecimentos para a docência, de Shulman (1986)? Em atenção a essas questões, seguem-se argumentos a favor das concepções neste estudo.

Ao colocar o foco nas concepções, parte-se do entendimento de que elas são de cada um, individualmente, e de um grupo, submetido a um mesmo processo formativo chamado “licenciatura”, traduzindo apropriações de conhecimentos externos. Por meio e a partir delas, o sujeito “percebe e interpreta as distintas informações e o ambiente no qual está imerso” (GODED, 1999, p. 128).

Ao usar o termo “concepções”, não se faz referência à concepção em sentido amplo, tal como o veiculado às expressões “concepção de homem” ou “concepção de mundo”, mas à concepção de um único sujeito, de um único grupo de sujeitos que protagonizaram, na condição de aluno ou de professor, um curso específico, numa instituição singular, na qual partilharam um mesmo processo formativo, num tempo e espaço definidos.

Ao privilegiar concepções, a pesquisa se situa no campo epistemológico do “paradigma do pensamento do professor”, no qual pesquisadores procuram “compreender o tema – a licenciatura, uma determinada disciplina ou ainda uma estratégia ou tecnologia – a partir da visão, da opinião, das concepções, das crenças e das representações dos licenciandos e dos professores envolvidos” (FERREIRA, 2003, p. 32).

Concepções constituem o sujeito e orientam suas ações (MARCELO, 1998). De acordo com Thompson (1992), modos desejáveis de ensinar e de aprender Matemática são influenciados por concepções sobre a Matemática. Assim compreendidas, aproximam-se do

sentido conferido por Brown (2003), de estrutura organizada, a partir da qual o professor vê, interpreta e age no ambiente de ensino.

Cientes de que as concepções investigadas não são construídas somente nos anos de licenciatura (GODED, 1999), busca-se investigá-las a partir de dados coletados unicamente nessa etapa da formação, valendo-se do princípio presente em Kosik (2002), de que a parte carrega em si o todo, o qual constitui e pelo qual é constituída.

Do mesmo modo, respeitando o pressuposto de que, para compreender as concepções de um sujeito sobre algo, é preciso interpelá-lo sobre as suas práticas (GARNICA, 2008), busca-se na Linguística (MILNER, 1987) respaldo para a ideia de que as concepções se manifestam não somente nas ações dos sujeitos, mas também em sua linguagem oral e escrita, explícita ou implicitamente, na forma de mensagem subliminar, perspectiva que autoriza adotar questionário e entrevista como instrumentos metodológicos.

As concepções são, assim, compreendidas como indícios de um processo mais amplo, que é a formação no curso de licenciatura: as concepções dos alunos carregam marcas dos anos na universidade, nos quais se preparam para o exercício da profissão docente, enquanto as concepções dos professores formadores informam práticas que podem influenciar o fazer pedagógico dos futuros professores (BRASIL, 2001b; PIRES, 2002; KARSENTI; VILLENEUVE; RABY, 2008; MARINHO; LOBATO, 2008). As concepções dos coordenadores, por sua vez, podem contribuir para explicar a postura dos professores frente às TDIC, além de permitir entrever o contexto no qual se desenvolve a formação pesquisada e se inscrevem os dados coletados junto aos alunos e professores.

Cabe a ressalva de que este estudo não se restringe às concepções dos sujeitos sobre ensino e aprendizagem com tecnologias, investigando também vivências e práticas declaradas pelos mesmos, além de outros elementos, como a articulação entre disciplinas, conforme mostram os objetivos da pesquisa. A esse respeito, observa-se que os dados sobre vivência com tecnologia no estágio curricular supervisionado ou em disciplina de prática como componente curricular, fornecidos pelos alunos, ou sobre os usos das TDIC, informados pelo professor formador, não são concepções. Os usos das tecnologias podem informá-las, conter pistas ou indícios daquelas que os orientam, mas, em si mesmos, não são concepções. Nos instrumentos de coleta, há perguntas cujas respostas veiculam concepções. Por exemplo: “Ao utilizar o computador e a Internet para planejamento e preparo de suas aulas, o professor está fazendo uso pedagógico das tecnologias?” ou “Você concorda com a afirmação: o uso de tecnologias está voltado mais à aprendizagem do que ao ensino?”.

Destaca-se que concepções são vistas pela literatura educacional (MIZUKAMI, 1996; GARCÍA, 1997; ROSADO, 1998) como aquelas que estão subjacentes a práticas pedagógicas que influenciam (caso dos professores formadores) ou sofrem a influência (caso dos egressos da licenciatura) da formação de que tratam a questão e o objetivo geral desta pesquisa.

Embora não se restrinja à busca por concepções, esta pesquisa atribui lugar central às mesmas, como evidencia seu título. Visando a, uma vez mais, justificar esse foco, retoma-se Silva (2003) e sua definição de currículo como aquele que veicula conhecimentos e tem identidade própria. Esta definição remete à finalidade da formação de professores, que é preparar para o exercício da profissão, algo que pressupõe reestruturação cognitiva do sujeito (FLAVELL, 1996), dimensão na qual se situam as concepções, enquanto formas de pensar que permitem agir sobre (e relacionar-se com) o meio.

No que diz respeito à relação entre concepções e formação docente, isto é, a relação entre as concepções de professores e alunos e o modo como, nos cursos de licenciatura, os alunos são formados para o uso das TDIC, ao propor investigar concepções pressupondo que possam evidenciar a formação para o uso das TDIC, toma-se como fundamento García (1997, p. 56), para quem “o que o professor pensa sobre o ensino influencia a sua maneira de ensinar, pelo que se torna necessário conhecer as concepções dos professores sobre o ensino”.

Conforme propõem os objetivos, pretende-se investigar não somente as concepções de estudantes, mas também de professores que lhes tenham ministrado disciplinas envolvidas na formação para uso das TDIC. Ao investigar as concepções do professor, direciona-se o foco ao impacto de suas práticas sobre os alunos nas aulas do curso de licenciatura, partindo-se do pressuposto de que elas também formam, conforme aponta a literatura educacional (GANDIN; GANDIN, 2003; MARINHO; LOBATO, 2008; KARSENTI; VILLENEUVE; RABY, 2008). Nessa perspectiva, os dados coletados junto aos professores podem contribuir para a interpretação dos dados coletados junto aos alunos. Investigam-se, ainda, as concepções dos coordenadores sobre ensinar com TDIC, dada a função que exercem nos cursos e sua visão sobre a formação investigada.

Obviamente, parafraseando Kilpatrick (1998), não se tem a pretensão de dar conta da história toda, uma vez que toda análise é parcial e carrega em si a ineliminável presença do individual (CAPRETINI, 2008). Além disso, conforme salienta Sacristán (1983), a realidade detectada não é senão a porção da realidade que o método empregado permite enxergar.

Por fim, ainda tratando do assunto concepções, cabe distinguir os termos “concepção” e “prática pedagógica” e explicar porque são analisados separadamente nesta pesquisa. Conforme verificado acima, pelos pressupostos de García (1997), Goded (1999), Garnica

(2008) e outros, concepções e práticas coexistem, por exemplo, na ação de ensinar, mas não se confundem. Concepções são ideias que se realizam por ações ou práticas. Aqui, as concepções são o foco. Para chegar a elas, analisamos as práticas declaradas. Contudo, também as concepções são um “caminho” para aceder à formação para o uso das TDIC investigada. Desse ponto de vista, as práticas são analisadas quanto à sua contribuição para a mesma.

Justificado o foco nas concepções, passa-se à hipótese da pesquisa.