CAPÍTULO 1. O LÉXICO E AS TEORIAS LINGUÍSTICAS
1.11. O Ensino/aprendizagem de léxico em LE
Este trabalho parte do pressuposto de que o desenvolvimento lexical exige o acionamento de operações de natureza perceptiva, cognitiva, estratégica, histórica, sociocultural e interacional. A aprendizagem lexical, no caso de L2/LE, requer do aprendiz o acionamento dos conhecimentos linguísticos, de mundo e textual desenvolvidos de forma espiral a partir das suas experiências enquanto integrante de uma comunidade linguística. O léxico desempenha um papel importante na organização da interação comunicativa que pressupõe uma seleção a partir de uma disponibilidade na bagagem lexical.
Aprender o léxico pressupõe estabelecer e reestruturar as relações semânticas e pragmáticas existentes no conhecimento enciclopédico prévio com os referentes linguísticos e extralinguísticos da língua de aprendizagem (MORANTE VALLEJO, 2005b). Da mesma forma, incorporar o léxico desconhecido em esquemas mentais a fim de recuperá-los
posteriormente em contextos sociolinguísticos (KLEIMAN, 1996) fazem parte desse processo. A aprendizagem do léxico constitui-se, portanto, em um processo dinâmico e abrangente, que se caracteriza como uma atividade intelectual, já que prevê a realização do processo inferencial.
O acionamento da inferenciação se diferencia do processo de decodificação, que se configura como uma ação mecânica de atribuição do sentido literal. A inferência lexical, por outro lado, se constitui em um processo dinâmico de negociação do sentido implícito, exigindo a confluência de saberes e ações do aprendiz.
O conhecimento do léxico de uma língua implica reconhecer seus usos linguísticos e seu funcionamento no sistema; saber o grau de probabilidade de aparição no discurso falado ou escrito; conhecer seu comportamento sintagmático; conhecer as redes de associações; conhecer os diferentes sentidos associados ao contexto; reconhecer seu valor semântico e identificar sua forma e seus derivados.
O contexto escolar representa um dos espaços pedagógicos de construção do conhecimento linguístico que possibilita a integração das experiências dos participantes da comunidade educacional, apontando as direções para a compreensão do processo de aprendizagem. Assim sendo, “o conhecimento é um processo para o qual colaboram aqueles
envolvidos na prática de sala de aula” (MOITA LOPES, 2001, p. 95).
Na interação dialógica entre o aprendiz e o professor, as relações do conhecimento adquirido e do conhecimento a ser adquirido vão sendo sedimentadas pelo intercâmbio de informações. Como um elemento de significação, o léxico torna-se importante na representação do processo de ensino de línguas. O desenvolvimento da competência lexical e do processo metacognitivo se dá através da conscientização do aluno, que é exposto a um conhecimento reflexivo capaz de fomentar um comportamento crítico em relação a seu
processo de autoaprendizagem. A atividade pedagógica pressupõe a formação de sujeitos autônomos que atuam de forma consciente no processo de autoaperfeiçoamento.
A aprendizagem do léxico tem sido representada tradicionalmente como uma das metas do ensino, porém, no senso comum, como a ampliação quantitativa de itens lexicais de uma língua. Essa visão do processo de aprendizagem lexical pressupõe que o aprendiz é uma tábua rasa que sedimenta as informações. O critério quantitativo tem sido priorizado de maneira que o domínio linguístico é mensurado pelo volume de unidades léxicas. Entretanto, em uma outra perspectiva, a partir dos pressupostos teóricos que apontam a língua em uso, o objetivo do ensino/aprendizagem de LE busca desenvolver a capacidade de reconhecer e utilizar o componente léxico de forma adequada em diferentes contextos comunicativos.
Nesse caso, muito mais que um elenco de itens lexicais que o aprendiz tem a disposição como vocabulário básico para atender as necessidades comunicativas, a proposta é de desenvolver a competência estratégica para resolver problemas de léxico desconhecido e compreender que seu conhecimento representa um processo contínuo de incorporação e reorganização de informações lexicais. Esse processo envolve, sobretudo, a ampliação qualitativa, entendendo que a produção dos sentidos se estabelece através de cada contexto.
Este trabalho segue esta perspectiva -a língua em uso - e reconhece que na construção dos sentidos o léxico é essencial, entretanto, é no contexto que tem lugar essa contrução de sentidos. O modelo teórico de processo inferencial de Kleiman (1996) e Marcuschi (1999) é adotado para discutir o processo dessa construção. A discussão sobre as diversas correntes linguísticas aqui abordadas se deve ao fato de elas terem um peso histórico e uma forte influência sobre as principais propostas metodológicas do ensino de línguas e sobre a representação que os próprios aprendizes fazem desta atividade, de maneira a refletir-se em práticas pedagógicas em sala de aula, muitas vezes oscilando entre a perspectiva formal e a da língua em uso.
O quadro abaixo apresenta os principais pontos de caracterização das diferentes perspectivas teóricas em relação ao léxico que permite uma visão comparativa das mesmas:
Quadro 1: Léxico nas teorias linguísticas
No próximo capítulo, discutiremos os métodos e as abordagens de ensino/aprendizagem de línguas e o lugar do léxico nessas propostas.
TEORIAS LINGUÍSTICAS LÍNGUA ÊNFASE OBJETO DE
ESTUDO
LÉXICO
conceito perspectiva panorama perspectiva
• Gramática Normativa (século XIX) estrutura normativa Morfologia palavra central conceito literal
• Estruturalismo (século XX) sistema
de signos descritivo- explicativa Fonologia signo linguístico elemento de distinção entre signos representação mental
• Gramática Gerativa (século XX) conjunto
de regras
descritivo- explicativa
Sintaxe oração/enunciado componente de base representação mental • Ling uístic as da Com unica ção (século XX) usos individuais da linguagem - Pragmática - Analise do Discurso - Análise da Conversação - Linguística textual sistema de interação social descritivo- explicativa
Semântica texto/discurso elemento funcional sentido contextualizado usos coletivos da linguagem - Sociolinguística (Etnolinguística)
CAPÍTULO 2. O COMPONENTE LEXICAL: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA NA