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O ensino pré-escolar como primeira etapa da educação básica: documento-chave e o perfil do docente e do aluno

Parte I Não sei, ama, onde era,

1.2 O ensino pré-escolar como primeira etapa da educação básica: documento-chave e o perfil do docente e do aluno

Em Portugal o sistema educativo encontra-se dividido em quatro momentos, mais precisamente, o ensino pré-escolar, o ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior. O ensino pré-escolar continua a ter características muito próprias, entre elas podemos salientar a não obrigatoriedade da sua frequência ou a existência de um documento orientador e não um currículo ou programa, obrigatórios. Este documento é designado de Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Ministério da Educação, 1997) que, enquanto documento de trabalho, promove a liberdade de ação dos educadores de infância no que diz respeito à gestão do currículo, às opções pedagógicas ou às oportunidades educativas que se podem promover em sala de atividades. Um outro aspeto a realçar neste documento é a intencionalidade educativa que é atribuída às ações, atitudes e práticas pedagógicas dos educadores de infância.

Os princípios gerais que definem as OCEPE reportam-se a estas do seguinte modo:

As Orientações Curriculares constituem uma referência comum para todos os educadores da Rede Nacional da Educação Pré-Escolar e destinam-se à organização da componente educativa. Não são um programa, pois adoptam uma perspectiva mais centrada em indicações para o educador do que na previsão de aprendizagens a realizar pelas crianças. Diferenciam-se também de algumas concepções de currículo, por serem mais abrangentes, isto é, por incluírem a possibilidade de fundamentar diversas opções educativas e, portanto, vários currículos. (Ministério da Educação, 1997, p. 13)

Analisando a citação anterior conseguimos destacar a inovação deste documento e a sua contribuição para construir uma educação pré-escolar com qualidade e coerência profissional, mais precisamente, como referencial comum a todos os docentes deste nível de ensino e o facto de apenas fornecer indicações aos educadores de infância e não ser limitativo com caráter programático no que diz respeito às atividades propostas e às aprendizagens a realizar pelas crianças dos 3 aos 6 anos. Sendo mais abrangente, facilita a adoção de diferentes teorias de desenvolvimento ou currículos atribuindo a este nível

de ensino uma outra característica que o diferencia dos outros níveis de ensino, a sua pluralidade de opções educativas que varia consoante a identificação que cada educador de infância faz com um determinado pedagogo ou linha teórica. Este documento conseguiu assim que os educadores de infância estruturassem o caminho para a sua ação educativa e encarassem as crianças como construtoras ativas do seu conhecimento e atores nas suas aprendizagens.

O educador de infância deverá, deste modo, partir sempre do que as crianças já sabem, de toda a sua bagagem vivencial que lhes permitiu construir variados conhecimentos, para definir propostas de oportunidades educativas e responder assim às necessidades e interesses das crianças de cada grupo de jardim-de-infância. O docente do ensino pré-escolar deverá alicerçar a sua ação educativa em fundamentos básicos e essenciais que surgem definidos nas OCEPE (Ministério da Educação, 1997), mais concretamente, na indissociabilidade do desenvolvimento e da aprendizagem, no reconhecimento da criança como ator das suas aprendizagens e construtor do seu conhecimento, que possui vivências, experiências e uma “pré-história” e a possibilidade de todas as áreas de desenvolvimento e de conhecimento poderem ser abordadas e trabalhadas de um modo abrangente, em que cada uma delas está encadeada na outra como se de uma roda dentada se tratasse considerando que só o trabalho desenvolvido numa permite o desenvolvimento de todas. Esta articulação de saberes, de áreas de desenvolvimento, que se traduzem em áreas de conteúdo, revela o respeito pela diversidade e o investimento no trabalho colaborativo e cooperativo no seio de um grupo de pré-escolar.

Abordadas as questões que diferenciam o ensino pré-escolar dos restantes níveis de ensino é importante perceber qual o perfil dos docentes e dos alunos que frequentam esta valência. O Decreto-Lei nº241/2001 publicado a 30 de agosto define os perfis específicos de desempenho profissional do educador de infância e do professor do 1º ciclo do ensino básico, tocando em dois pontos fundamentais para a organização da ação educativa, a conceção e desenvolvimento do currículo e a integração desse currículo. Mas olhemos para cada um destes pontos de um modo mais aprofundado e analítico cruzando-os com os fundamentos das OCEPE. Segundo este decreto-lei “Na educação pré-escolar, o educador de infância concebe e desenvolve o respetivo currículo, através da planificação, organização e avaliação do ambiente educativo, bem como das atividades e projetos curriculares, com vista à construção de aprendizagens

integradas”, ou seja, mais uma vez sai reforçada a autonomia do docente em construir e delinear o currículo que irá aplicar em contexto de sala de atividades, assim como, o seu papel como docente que age sobre a sua prática, que a orienta e define com base nos interesses e necessidades das crianças e da comunidade onde o estabelecimento em que leciona está inserido.

Neste primeiro ponto que se reporta à conceção e desenvolvimento do currículo, podemos aferir três domínios de intervenção do educador de infância que lhe permitem definir o currículo e a prática pedagógica, referimo-nos à organização do ambiente educativo, aos registos que lhe permitem monitorizar a prática pedagógica e o próprio desenvolvimento das crianças, nomeadamente a planificação, observação e avaliação e, por último, as relações, interações e ação educativa que se desenvolvem em contexto educativo. No que diz respeito ao ambiente educativo, o educador deve organizá-lo de modo a proporcionar oportunidades educativas integradas e efetivas partindo do pressuposto que os materiais e a sua organização no espaço e no tempo promovem interações, partilhas, aprendizagens e consequentemente, desenvolvem o currículo.

Os registos que podem ser desenvolvidos em jardim-de-infância e que incluem não só um plano de avaliação da ação pedagógica mas também uma avaliação do desenvolvimento das crianças, é de extrema importância partindo do principio de que o educador de infância avalia a sua prática pedagógica, autoavalia a sua postura e decisões, por um lado, sendo que num outro prisma avaliativo, e a partir das observações que efetua das crianças e das suas ações, consegue aferir os desafios a proporcionar e as oportunidades educativas a promover com o objetivo de adequar e responder às necessidades das crianças. Deste modo, e a partir de uma avaliação da prática pedagógica, de uma autoavaliação como docente e das observações que efetua no quotidiano das crianças, torna-se capaz de planificar com consciência e com conhecimento do que estas necessitam para que as aprendizagens sejam efetivas e o conhecimento individual e coletivo seja construído.

As relações, interações e a ação educativa são essenciais para que se desenvolva no seio de uma sala de atividades, autonomia, envolvimento, cooperação, crítica, criatividade e trabalho colaborativo entre pares, entre pares e adultos, entre famílias e escola e entre comunidade e escola. O educador de infância deverá agregar mais uma característica ao seu perfil, a capacidade de apoiar e fomentar o desenvolvimento emocional, social e afetivo nas crianças que constituem o grupo de pré-escolar. Os três

domínios sobre os quais acabamos de dissertar estão inseridos numa grande área de conteúdo definidas nas OCEPE como a área de formação pessoal e social, que é “(…) considerada como área integradora de todo o processo de educação pré-escolar” (Ministério da Educação, 1997, p. 20). O perfil do docente do ensino pré-escolar deverá, pois, integrar uma postura de escuta, valorização dos contributos de todos e de desenvolvimento de um dia-a-dia democrático em que todos participam, respeitam e são respeitados e onde a sua opinião é importante e serve para definir ações, ajudando a construir o conhecimento de cada elemento do grupo.

Ao educador de infância é-lhe ainda atribuído o papel de integrar o currículo no quotidiano da sala de pré-escolar através do desenvolvimento e promoção de atividades que permitam a cada criança desenvolver-se como um ser autónomo, crítico e criativo que sabe que a sua opinião conta para o crescimento do grupol e da comunidade em que está inserido. Para que este desenvolvimento seja completo é necessário proporcionar atividades no âmbito das duas áreas de conteúdo restantes, a área da expressão e comunicação e a área do conhecimento do mundo. A primeira enquadra diferentes tipos de linguagem, desde a oral, a escrita, a multimédia, a música, a plástica ou a dramática, e a segunda, ajuda a compreender e a desenvolver interações com o meio físico e social. Qualquer uma destas áreas exige do educador uma capacidade de conseguir entrelaçá- las nas oportunidades educativas que promove junto das crianças, uma vez que estas têm de ser entendidas como integradoras umas das outras e nunca como isoladas. Esta é mais uma evidência que diferencia o ensino pré-escolar e que atribui ao docente que aí leciona um papel fundamental como ator e construtor de currículo.

Retomemos o mote do nosso estudo, as competências literárias em leitura, escrita, literacia e linguística em crianças do ensino pré-escolar e como pode o perfil do docente influenciar as práticas pedagógicas que aí desenvolve, assim como os conhecimentos e possibilidades de aprendizagem e de construção de conhecimento neste domínio. São duas as variáveis a considerar sobre o docente e o seu perfil, nomeadamente a sua formação académica, pessoal e profissional que condicionam ou incentivam determinada postura perante as competências literárias e a identificação com uma determinada teoria de desenvolvimento ou pedagogo e consequentemente com a construção de um currículo que se molda a partir destes contributos. Como refletimos anteriormente, as OCEPE (Ministério da Educação, 1997) são fundamentais para que os educadores de infância e o próprio ensino pré-escolar possuam um referencial comum

que permite aos docentes, em qualquer jardim-de-infância do país, construir um currículo que se adapte às necessidades, conhecimentos e interesses do próprio docente e se torne desafiante e adequado às necessidades, conhecimentos e interesses de cada criança. Contudo, as OCEPE (Ministério da Educação, 1997) são influenciadas pelas experiências pessoais, académicas e profissionais dos docentes e consequentemente o perfil destes e as práticas pedagógicas que se desenvolvem. Um educador de infância que experienciou e se inseriu, ao longo da sua vida pessoal, em contextos e comunidades que valorizavam as competências literárias e as incentivavam tem a tendência para se desenvolver como um leitor ativo, crítico e criativo. A consolidação e aperfeiçoamento destes conhecimentos, desenvolvidos numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, verificam-se com o percurso académico e profissional que irão definir o perfil do educador de infância.

A educação pré-escolar e as crianças dos 3 aos 6 anos exigem do docente um perfil democrático, de respeito, desafiador, crítico e criativo em todas as áreas de conteúdo que se apresentam definidas nas OCEPE (Ministério da Educação, 1997). Só um perfil que contenha estas características permite que o docente evolua nos conhecimentos que possui e, consequentemente os aprofunde, contribuindo ativamente para a construção de conhecimento individual e coletivo dos diferentes elementos do grupo da sala de jardim-de-infância.

Reportando-nos neste momento ao perfil do aluno e, segundo os dados do relatório Perfil do aluno 2010/2011 (Direção – Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Direção de Serviços de Estatísticas da Educação & Divisão de Estatísticas do Ensino Básico e Secundário, 2013), a taxa de escolarização em 2010/2011 no ensino pré-escolar é de 85,6% e a taxa bruta de escolarização, referente ao mesmo ano letivo e nível de ensino, é de 87,2%. Estes números permitem afirmar que existiu um investimento no ensino pré-escolar de modo a abranger um maior número de crianças dos 3 aos 6 anos. O mesmo relatório fornece os seguintes números de alunos matriculados no mesmo ano letivo por grupo etário:

Fonte: Perfil do Aluno 2010/2011 (DGEEC, DSEE & DEEBS, 2013, p.13)

Com base no quadro acima podemos verificar que o ensino pré-escolar ainda é desproporcionado no que diz respeito à abrangência de crianças de 5, 4 e 3 anos. A diferença de resposta entre as crianças matriculadas, de 5 e as de 3 anos é de 23 377, com uma maior resposta às mais velhas. O perfil do aluno no ensino pré-escolar continua a ser pautado por crianças de 5 anos com uma abrangência progressiva das que concluíram 4 e 3 anos, respetivamente. Este leque variado de idades permite que se criem grupos com características heterogéneas que promovem nas suas interações, o trabalho colaborativo, a interajuda entre pares e adultos e uma pluralidade de níveis de desenvolvimento que por si só já contribuem para que cada criança possa ser o apoio de outra. Ou seja, o aluno do pré-escolar integrado numa sala com um grupo heterogéneo e a diversidade que este implica, promove a construção de conhecimentos em que cada criança é simultaneamente o apoio e o elemento desafiador de outra.