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Nativos Digitais (3-6 anos) e Imigrantes Digitais versus TIC

Capítulo III Textos, Tecnologia e Educação de Infância

3.2. Nativos Digitais (3-6 anos) e Imigrantes Digitais versus TIC

As crianças da sociedade atual crescem em contacto diário com as novas tecnologias, estas são parte integrante da sua vida e tornam-se a sua linguagem. A escola e os docentes devem, por isso, partir da sabedoria e experiências que as crianças já possuem, para eles próprios, desenvolverem e aprofundarem os conhecimentos nesta linguagem integrando-a no quotidiano. Segundo Marc Prensky “Our students have changed radically. Today’s students are no longer the people our educational system was designed to teach” (2001, p.1). O ensino tradicional deve renovar as suas ações pedagógicas, curriculares e programáticas para que as crianças do século XXI desenvolvam e aperfeiçoem as suas habilidades inatas para interagir com as novas tecnologias e, deste modo, saber agir num mundo complexo e em permanente conexão. A educação deverá ser dinamizada e refinada no sentido de incluir todos os elementos de uma sociedade, independentemente das suas origens económicas ou culturais. Esta é

uma transformação necessária que se deverá implementar nos diferentes níveis de ensino e consequentemente nas políticas educativas.

Ao ensino tradicional exige-se um olhar critico que complemente as ações até agora desenvolvidas, assumindo a capacidade de introduzir novas linhas orientadoras que se baseiem nas diferentes possibilidades catalisadas pelo trabalho colaborativo e a curiosidade natural que o ser humano possui, desde que nasce, para explorar o que o rodeia e melhorar a sua qualidade de vida.

Marc Prensky (2001) define como nativos digitais as crianças do século XXI que crescem em contacto diário e permanente com as novas tecnologias, sendo certo que estes recursos, estes suportes digitais e tecnológicos, fazem parte integrante das suas vidas. Estes indivíduos têm características diferentes das crianças que cresceram num ambiente não tecnológico. Segundo este autor, a singularidade é o que faz a diferença, ou seja um fator que muda as pessoas de modo profundo considerando que esta mudança terá sido provocada pelo contacto e utilização no quotidiano dos indivíduos, das novas tecnologias de informação e comunicação. Os nativos digitais podem ser caracterizados por sujeitos que adoram multitarefas, que preferem gráficos a texto e acessos por hipertexto, funcionam melhor por network e com base em sucesso e recompensas instantâneas, tendo pouca paciência para o ensino tradicional em que a recolha de informação é mais lenta, com uma série de etapas para cumprir e não é considerada divertida pelos alunos.

A linguagem com suporte tecnológico é a sua linguagem, e os indivíduos que nascem no seio desta linguagem poderão ter muito mais facilidade de a assimilar profundamente. Poderíamos mesmo fazer uma analogia com a aprendizagem da linguagem oral ou da leitura e da escrita. No livro Critical Issues in Early Literacy, de Yetta Goodman e Prisca Martens, Wen-Yun Lin escreve o seguinte, referindo-se unicamente à aprendizagem da fala e da escrita, “As the “babbling child talks”, so the “scribbling child writes” (2007, p. 28), ou seja, as lalações e os rabiscos que as crianças efetuam na iniciação de cada uma destas linguagens, que cremos, também existe na incursão pelo mundo tecnológico e que se poderia designar, numa analogia paralela às anteriores, de “handling child uses ICT”. As crianças, tal como nas iniciações de outras linguagens, nada receiam, partem sem medo para a exploração de um novo mundo, seja na fala, na escrita, na leitura ou nas tecnologias. Provavelmente será esta atitude de

exploração e descoberta, sem medos, que lhes permite um à vontade na utilização das novas tecnologias de informação e comunicação.

Se nos debruçarmos sobre o que este autor considera de imigrantes digitais (Prensky, 2001) deparamo-nos com a seguinte definição: “those of us who were not born into the digital world but have, at same point in our lives, become fascinated by and adopted many or most aspects of the new technology” (2001, p.1). Mas esta aprendizagem de uma nova linguagem nem sempre se pauta por explorações, descobertas e expectativas sem receios, o que poderá originar dificuldades em aprender uma nova língua. Podemos, com relativa facilidade, enquadrar uma franja dos docentes das escolas portuguesas que estarão a esforçar-se por conseguir dominar uma linguagem que não é a sua linguagem nativa, mas que tendo em conta os tempos do século XXI e o seu público tecnológico, se torna essencial para que o ensino tenha efetivamente algum impacto na vida escolar dos alunos.

A teoria de Prensky poderá ser olhada de um modo limitativo uma vez que se restringe ao fator idade para tentar compreender as diferenças de utilização e incorporação das TIC no quotidiano dos seus utilizadores. Contudo, outras vozes se têm ouvido que entendem estas diferenças de utilização de um modo mais social e de partilha e que as necessidades sentidas por uns, os “visitors”, independentemente da idade, não é a necessidade sentida por outros, os “residents”. Esta tipologia é abordada por dois autores, David S. White e Alison Le Cornu (2011) e contempla características de cada individuo, no que diz respeito à partilha, ao conceito de socialização e às necessidades sentidas nos diferentes momentos da vida de cada um dos sujeitos. A necessidade aguça o engenho, e segundo estes autores, “The Visitors and Residents continuum accounts for people behaving in different ways when using technology, depending on their motivation and context, without categorizing them according to age or background” (2011, p. 1). Enquanto os “residents” utilizam a Internet como um “café social” onde se partilham ideias pessoais com os amigos online, e a linha entre estar

online ou offline não está bem marcada, os “visitors” sentem que estas plataformas

online servem para recolher informação e utilizam-nas como ferramentas que lhes

oferecem algum tipo de benefício.

O ensino tradicional e os docentes que ainda lecionam com base nos princípios que caracterizam este ensino, não consideram a aprendizagem como algo que pode ser divertido que pode partir de um jogo multimédia ou de uma pesquisa alargada e refinada

com o uso da Internet. Ensinar passo a passo o nome dos diferentes países do mundo torna-se entediante para os que preferem a interatividade e o sucesso reconhecido instantaneamente. Podemos exemplificar com a dificuldade que surge muitas vezes na aprendizagem de um conteúdo curricular de geografia, mais precisamente, recolher e assimilar informações que caracterizam as diferentes nações do mundo, mas que não existe quando os nativos digitais, as crianças, necessitam aprender as dezenas de nomes dos bonecos Pokémon, as Littlest Pet Shop, ou online, do Clube Pinguin, conseguindo mesmo definir as suas qualidades ou poderes que os caracterizam.

O que devemos então mudar?

As metodologias de ensino. Estas devem conseguir incorporar uma nova linguagem com os seus diferentes suportes tecnológicos, integrando os conteúdos curriculares nas diferentes possibilidades oferecidas pelas TIC, recorrendo ao software educativo, às infindáveis possibilidades de pesquisa com recurso à Internet. O ideal seria conseguir estimular os alunos, desenvolvendo uma linguagem percetível e atual tendo em conta as suas experiências com as TIC e os conhecimentos que já possuem, e estimular docentes, a reinventar o processo de ensino e aprendizagem adaptando os materiais já disponíveis aos novos recursos tecnológicos. O legado de conteúdos nos diferentes domínios como a leitura, a matemática a escrita, entre outros deverá ser adaptado e utilizado tendo em conta os diferentes recursos tecnológicos que existem ao alcance do cidadão.

O ser humano caracteriza-se por ser relutante em aceitar as inovações que têm surgido ao longo dos tempos. Em todas as situações inovadoras que possam implicar aquisições de novos conhecimentos e mudanças na rotina normal de um cidadão, criam na sociedade dois grupos diferentes, os que apoiam essa inovação e os que se opõe a ela. Wartella e Jennings (2000) escreveram um artigo em que refletem sobre estas oposições de argumentos, tendo como foco os diferentes recursos que têm vindo a surgir ao longo dos tempos, desde a rádio, à televisão terminando no computador e na Internet. Debruçámo-nos sobre este artigo para confirmar uma linha de relutância que sempre tem existido ao longo dos tempos por diferentes frações da sociedade sobre os novos recursos, não podendo ser excluída a utilização das TIC e o acesso à Internet em contexto escolar. Ao referirmo-nos ao contexto escolar temos que obrigatoriamente refletir sobre todos os seus parceiros, onde se incluem os alunos e os professores. Estas autoras sublinham que os opositores a este uso reagem com argumentos sobre os

extensos períodos que as crianças passam ao computador e a possibilidade de estarem expostos a conteúdos inapropriados. Os preponentes defendem todas as possibilidades que os recursos tecnológicos podem proporcionar, como por exemplo, as diferentes formas de comunicar entre pares, a interatividade, o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões e de tantas outras capacidades cognitivas.

O papel de preponentes deveria ser atribuído a todos aqueles que de um modo ou de outro ajudam as escolas a atualizar ações e atitudes. As mudanças são na maior parte das vezes encaradas como um obstáculo negativo e, por isso, os progressos têm também eles a tendência de se caracterizarem por alguma lentidão. Com base numa análise mais global e pormenorizada do panorama educativo português e da sua relação com as TIC, encontraremos vários nichos que persistem em mudar e inovar. Nichos esses que são constituídos por docentes “entusiastas que aceitam despender um tempo considerável neste tipo de experimentações” (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p.9-10). Contudo, as mudanças têm de fazer sentido para todos, sendo certo que se deverão ter em conta as necessidades sentidas, os diferentes contextos que definem essas necessidades, os interesses dos diferentes intervenientes, as culturas e comunidades, o tempo que será necessário despender para investir nestes projetos e a tomada de decisão por todos os intervenientes, ou pelo menos, por representantes dos mesmos, para que as medidas sejam efetivamente sentidas como próprias e assim mais facilmente assumidas.

Encontramos no panorama português decisões no sector educativo que têm por base os números da economia, o que origina uma dependência deste sector do voluntariado e da “carolice” de muitos “residentes” ou “imigrantes digitais” fazendo depender as ações criativas e ativas para com as TIC, não das decisões ou verbas estatais definidas com objetivos precisos neste domínio, mas sim de muito voluntariado e pouco reconhecimento da necessidade de usar e implementar as TIC no dia-a-dia de uma escola.