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Parte I Não sei, ama, onde era,

1.1 Evolução na História

De acordo com a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar nº 5/97 de 10 de fevereiro, no artigo 2º:

A educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário.

A educação pré-escolar desenvolveu-se em Portugal mais tardiamente do que nos restantes países europeus, não só no seu reconhecimento como essencial para o desenvolvimento das crianças pequenas como também no que diz respeito à criação dos primeiros jardins-de-infância para o efeito. Este nível de ensino que, pelo facto de tardiamente ter iniciado o alcance de um espaço mais significativo nas discussões científicas e políticas, tem tido alguma dificuldade em se afirmar na sociedade. Felizmente, esse cenário está a ser repintado e as novas telas do ensino pré-escolar estão cada vez mais coloridas, com os diferentes estudos e contributos científicos de investigadores de renome que sobre ela têm tecido vários teses, dissertações ou artigos. São as investigações de que tem sido alvo, a nível internacional e nacional que têm contribuído para uma mudança de ação e investimento neste nível de ensino com consequências explícitas na criação de orientações governamentais especificas para a criação, implementação e alargamento da rede de educação pré-escolar, com iniciativa privada ou pública.

É marcante a evolução que este nível de ensino tem tido ao longo dos tempos na história portuguesa, sendo que as primeiras instituições para crianças até aos 6 anos de idade remontam à Monarquia. Eram instituições de iniciativa privada, que pretendiam responder às crianças oriundas de famílias desfavorecidas que viviam nas cidades e datam de 1834. A sua principal característica prendia-se com um cariz “asilar” (Bairrão & Vasconcelos, 1997, p.8) no sentido de que as crianças que frequentavam estas instituições pertenciam a famílias desfavorecidas que necessitavam de ajuda para cuidar

destas enquanto os seus progenitores ou familiares se encontravam a trabalhar. Ao chegar ao final do século XIX conseguimos descortinar uma defesa da educação pré- escolar pela classe média de então, que pretendia uma educação que permitisse às suas crianças crescer com comportamentos e educação adequados à classe a que pertenciam. No fundo, o objetivo seria educar desde cedo as crianças para se manterem inseridas numa classe burguesa com padrões desmedidos de etiqueta e que não envergonhasse a própria classe.

O reinado de D. Pedro V caracterizou-se por um investimento considerável para a época na criação de instituições educativas, como por exemplo, a escola Real das Necessidades em 1856, o Curso Superior de Letras em 1858 ou a Sociedade das Casas de Asilo da Infância Desvalida. A educação de infância como sistema público e educativo é definida no Diário do Governo nº141 de 27 de Junho de 1886, sendo que o registo do primeiro jardim-de-infância Fröebel remonta a 1882 em Lisboa.

Em 1893, e enquadrado num despertar de interesse sobre a educação infantil que se verificava em Portugal, José Augusto Coelho, referenciado como um pedagogo que se debruça sobre este nível de ensino, edita uma obra importante sobre educação e pedagogia, Princípios de Pedagogia, onde “(…) analisa algumas das principais dimensões da educação do individuo e menciona um currículo para a “escola infantil”, orientado para crianças de três aos oito anos (…) São referidas todas as áreas do desenvolvimento (…)” (Bairrão & Vasconcelos, 1997, p. 8). Este pedagogo, moderno para a época, é uma das referências na linha de evolução da educação pré-escolar em Portugal, não só pela manifesta obra sobre educação e pedagogia mas também porque introduziu o positivismo e as bases científicas que o sustentam na pedagogia portuguesa.

Um ano após a proclamação da República em 1910, tem lugar uma reforma do ensino primário que engloba o ensino infantil e o ensino normal primário e são nomes como João de Barros e João de Deus que se identificam como seus impulsionadores. A necessidade de criar mais respostas educativas para as crianças desta faixa etária deve- se, não só à importância que começa a ser atribuída a uma educação precoce que ajude a formar cidadãos com educação e conhecimentos, com competências ao nível do desenvolvimento social e com uma preparação para as tarefas escolares da escola primária, mas também ao facto de cada vez mais mulheres iniciarem um percurso de trabalho fora de casa o que as obrigava a arranjar um local onde pudessem confiar os

seus filhos, locais esses que deveriam proporcionar conforto e segurança assim como, ter preocupação de agir nas diferentes áreas de desenvolvimento, nomeadamente, psicomotor, emocional, social, estético e intelectual. Em 1911 é criada a rede de iniciativa privada de jardins-de-infância com base na Escola João de Deus. Estes jardins-de-infância resultaram numa viragem significativa dos princípios educativos, que agora se dedicavam mais à alfabetização desde o ensino pré-escolar, com início após a publicação da Cartilha Maternal em 1876. O modelo dos jardins-escola João de Deus ainda persiste nos dias de hoje espalhados por diversas localidades de Portugal.

O golpe militar de 26 de maio de 1926, que inicia o período de ditadura, é um marco importante para as alterações, principalmente de carácter nacionalista, que o ensino iria sofrer. A ideologia nacionalista de Deus, Pátria e Família seguida pelo regime é também adotada nas escolas passando a ser prioritário pouco mais que ensinar a ler, escrever, contar, uma vez que o objetivo era moldar e não ensinar a pensar. Em pleno Estado Novo, os jardins-de-infância oficiais são extintos com a intenção de estimular a função educativa da família, sendo que o papel de mãe e dona de casa era preponderante. A mulher não tinha, à época, muitas outras hipóteses de escolha.

Joaquim Bairrão e Teresa Vasconcelos referem, sobre esta época de desresponsabilização do Estado relativamente à educação pré-escolar, que “O Ministério da Educação deixa de ser progressivamente o responsável pela educação pré- escolar, com o argumento de que o alargamento do sistema público a toda a população seria insuportável para a “Tesouraria Pública”” (1997, p. 10). Em época de ditadura, as questões económicas serviam também elas para justificar a redução no investimento em educação. Contudo, esta não seria a única razão para este desinvestimento, uma vez que o objetivo era reduzir a possibilidade de que os cidadãos comuns possuíssem demasiados conhecimentos para as funções e os papéis que seria suposto desempenharem na sociedade. Este período de ditadura significou um retrocesso nas infraestruturas mas também ao nível da investigação e mudanças educativas que poderiam ser implementadas no sistema educativo português. Tudo isto terá arrastado o país para a cauda de uma linha educativa que se pressupunha ascendente, no sentido em que mais infraestruturas, uma maior qualidade na resposta e consolidação de mudanças educativas, significariam cidadãos informados e opinativos na sociedade civil.

Vislumbra-se uma mudança com a reforma de José Veiga Simão em 1971, e a respetiva Lei 5/73 de 25 de Julho, considerando-se um marco importante numa

perspetiva longitudinal da evolução histórica deste nível de ensino. Esta reforma reintegra a educação pré-escolar no sistema educativo oficial e surgem os primeiros estabelecimentos de educação pré-escolar públicos, alterando a visão que existia de educação e ensino salazarista para uma visão mais aberta em que era preciso qualificar e diversificar as aprendizagens de modo a recuperar o atraso em que o país tinha mergulhado. Em simultâneo a estas alterações significativas relativamente à visão que se desenvolve sobre o ensino pré-escolar, surgem as duas primeiras escolas oficiais de formação de educadores de infância em Coimbra e Viana do Castelo (Bairrão & Vasconcelos, 1997, p. 11).

A revolução de 25 de abril de 1974, trava o motor desta reforma por algum tempo, mas as transformações sociais não se fazem tardar e começam a emergir entre elas a massificação do trabalho feminino, que teve como consequência um aumento significativo do número de jardins-de-infância e creches para responder às novas necessidades que estavam a surgir. Durante o período pós-25 de abril as dificuldades com que o povo se depara são consideráveis pelo que os obstáculos têm de ser ultrapassados com os recursos que cada comunidade dispõe. Deste modo, surgem os jardins-de-infância criados com o apoio e orientação de iniciativas locais, como por exemplo, comissões de moradores. Estes estabelecimentos do ensino pré-escolar surgem por iniciativa popular e ainda enquadrados na pós-revolução conseguindo ter o apoio das entidades locais, como câmaras municipais ou juntas de freguesia. O objetivo seria o de responder às necessidades de uma população que despertara para o desenvolvimento e para as novas possibilidades de qualidade de vida que seriam criadas a partir do acesso ao emprego e à formação académica abrangendo todas as crianças entre os 3 e os 6 anos de idade com a criação de jardins-de-infância.

O Decreto-Lei nº 542/79 define o Estatuto dos Jardins de Infância começando por enquadrar a educação pré-escolar no seu Artigo 1º, do seguinte modo: “A educação pré-escolar é o início de um processo de educação permanente a realizar pela ação conjugada da família, da comunidade e do Estado”. A par da criação do estatuto próprio para o jardim-de-infância existe um crescimento do sistema público até à primeira metade da década de 80, seguido de um período de estagnação no ensino devido essencialmente a argumentos financeiros. Estes estatutos definidos no DR nº 542/79 de 31 de dezembro definem como finalidades a promoção do bem-estar social e ajudar a

desenvolver as potencialidades das crianças da faixa etária a que estes estabelecimentos respondem.

Após este período conturbado, e simultaneamente fértil para a criação de estabelecimentos do ensino pré-escolar, surge a necessidade de regulamentar a oferta pedagógica do quadro escolar português. A este propósito, é criada a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 que desenvolve uma nova organização deste sistema, que passa a comportar a educação pré-escolar e, em 1997 é criada a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, para responder às necessidades educativas das crianças compreendendo ainda uma componente social que tentava responder às necessidades das famílias. A partir de 1997 iniciam-se uma série de diligências no sentido de legislar este nível de ensino e de o expandir com o programa de expansão da rede de educação- pré-escolar.

Atualmente, o sistema de ensino português abrange grande parte das crianças dos 3 aos 6 anos, dividido entre o ensino público e privado, sendo que os últimos números registados no relatório técnico sobre o Estado da Educação (Conselho Nacional de Educação, 2012, p.34) sublinham um aumento de 20% de crianças inscritas neste nível de ensino, em termos nacionais referente a 2009/2010 comparativamente com 1999/2000. O relatório sobre o Perfil do aluno 2010/2011 elaborado pela Direção- Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, a Direção de Serviços de Estatísticas da Educação e a Divisão de Estatísticas do Ensino Básico e Secundário (2013) aponta para uma subida de 14% de taxa de escolarização em alunos do ensino pré-escolar, comparando os anos letivos 1999/2000 e 2010/2011.

A história portuguesa elucida-nos sobre os caminhos difíceis que o ensino pré- escolar tem vindo a viver ao longo dos tempos. Com uma constante cíclica, deparamo- nos atualmente com algumas similitudes no que diz respeito a tomadas de decisão com base em princípios economicistas que voltam a reduzir a oferta educativa neste nível de ensino, o que pode fazer retroceder a resposta que era dada até então às crianças entre os 3 e os 6 anos.

1.2 O ensino pré-escolar como primeira etapa da educação básica: