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Predictibilidade: um contributo para uma pré-textualidade aplicada a pré-leitores

Capítulo IV Um olhar longitudinal sobre a implementação/utilização das TIC em Educação

CRIE PTE

5.4 Predictibilidade: um contributo para uma pré-textualidade aplicada a pré-leitores

Por último, mas não menos importante, exploramos o conceito de predictibilidade, uma vez que a textualidade a construir a partir do modelo a investigar precisa dele como seu elemento fundador. Definimos a possibilidade de criar um conceito de pré-textualidade fundamentado no conceito de predictibilidade e dirigido a crianças pré-leitoras. Antes de nos prolongarmos sobre o conceito de predictibilidade é essencial refletir e esclarecer o que são pré-leitores, a quem se aplica esta designação, como se constitui um pré-leitor, como se reconhecem, como se automatizam e outras questões que possamos vir a tecer sobre esta designação. Pré-leitores são todos os sujeitos que ainda não adquiriram a convencionalidade e a formalidade nas competências da leitura e da escrita, independentemente da idade. No nosso estudo, quando nos referimos a pré-leitores estamos a falar de crianças que frequentam o ensino pré-escolar e que se inserem na faixa etária dos 3 aos 6 anos. As próprias características desta faixa etária promovem nas crianças a curiosidade de compreender, a necessidade de ser compreendido e a vontade de agir no sentido de que essa compreensão bilateral seja efetivamente concretizada. E são estas características que constituem um pré-leitor, mais precisamente, a criatividade, a pro-atividade e a crítica, sendo que este age sempre com a vontade de procurar um sentido para o que rodeia. Para além de identificarem letras, palavras, inferirem sobre as imagens, o som ou o movimento num texto multimédia, as crianças pré-leitoras podem ainda imitar situações de escrita utilizando o papel ou programas como o Word ou o Paint. Ao inventar escrita brincando com as palavras e com as letras que já conhecem, as crianças constroem e criam textos que posteriormente leem e interpretam, com base nas experiências de vida que cada uma delas possui e que contribui para uma variedade de interpretações e associações quantas as crianças que estão na sala de atividades e que participam na interação com o texto.

Ao criar textos, construindo significados e interpretações sobre os mesmos, as crianças desenvolvem e alargam o seu vocabulário e, nas partilhas dos diferentes momentos da rotina, contribuem para alargar o vocabulário de todas as crianças que constituem o grande grupo. Por sua vez, um maior vocabulário interligado com as restantes atividades que as crianças concretizam na interação com o texto, ajudam a desenvolver as competências literárias. Todas estas variáveis podem ser tidas em conta

a posteriori quando as crianças ingressam no ensino obrigatório e iniciam uma

aprendizagem formal destas competências que deverão mesmo ser avaliadas no sentido de contribuírem para o sucesso nessas mesmas aprendizagens.

Uma boa forma de compreendermos melhor o que efetua uma criança pré-leitora nos seus contactos com os textos e as suas múltiplas características é fazer o exercício de nos cruzarmos com um texto novo. Segundo Goodman, Flurkey e Goodman:

Young readers are coming to know reading in the same way that all of us are always developing our reading abilities - through working with new and unfamiliar texts. But in their short literacy histories, they are still exploring the complexity of making meaning with written texts. (2007, p. 5)

Ao tomar contacto com um texto novo, cada individuo analisa-o visualmente em primeiro lugar, explorando as suas possibilidades, no caso de ser em formato papel, manuseia, toca e folheia o livro, no caso de um texto multimédia o sujeito explora os seus ícones em busca de compreensão dos mesmos e da globalidade do texto. A leitura transversal de partes do texto origina em cada um de nós a procura de um sentido que seja possível identificar com qualquer um dos nossos significados, seja através da identificação de letras, de palavras, da leitura das imagens ou dos sons. A criança pré- leitora tem esta mesma atuação nas suas interações com os textos multimédia, investindo sempre na procura de sentido para o texto, cruzando informações que prediz do texto com os seus significados, experiências de vida e conhecimentos e, consequentemente lê antes de ler.

Para automatizar as ações dos pré-leitores em contexto de educação pré-escolar é preciso incrementar oportunidades educativas diversificadas, abertas a contributos e desafiadoras que serão desenvolvidas pelos educadores de infância em contexto de sala

de atividades. Destas possibilidades têm necessariamente de fazer parte momentos de leitura em voz alta, exploração de textos multimédia com pares e apoio e monotorização do docente, contacto diário com diferentes tipos de textos com diferentes recursos e características, momentos de reconto de história e de construção de histórias, entre outras. As oportunidades educativas que são promovidas junto das crianças do ensino pré-escolar e que incluem o reconto de histórias revelam a capacidade extraordinária que estas possuem de recontar, reconstruir ou reinventar o texto com o qual interagiram ou ouviram ler em voz alta pelo docente e que são capazes de pré-dizer. A ação do docente é assim potenciada por esta tremenda capacidade bem como pelo conceito de predictibilidade que alicerça a capacidade das crianças conseguirem pré-contar uma história, um texto previamente formado. O olhar investigador a construir e a ação do educador de infância, será focada no conto-texto criado e construído pela criança que se forma a partir do texto-mãe, ou história inicial. A ação do docente do ensino pré-escolar como propulsor das aprendizagens e conhecimentos das crianças partindo dessa construção do conto-texto pode perfeitamente ser enquadrada numa intenção educativa de incrementar competências literárias em literacia, leitura, escrita e linguísticas no processo de formação de um leitor, agindo ainda enquanto este se designa de pré-leitor.

Whitehurst e Lonigan refletem do seguinte modo sobre o papel do docente na promoção e apoio das crianças pré-leitoras:

The adult assumes de role of an active listener, asking questions, adding information, and prompting the child to increase the sophistication of descriptions of the material in the picture book. A child’s response to the book are encouraged through praise and repetition, and more sophisticated responses are encouraged by expansions of the child’s utterances and by more challenging questions from the adult reading partner. (2003, p.23)

Estes mesmos autores, num texto de 1998, desenvolveram um programa de leitura partilhada a que designaram de “dialogic reading” (Whitehurst & Lonigan, 1998, p. 859) que introduz algumas diferenças numa das atividades que se encontram nas rotinas de uma sala de ensino pré-escolar, a leitura de histórias pelo docente. A diferença introduzida é assim referida pelos autores “During typical shared-reading, the adult reads and the child listens, but in dialogic Reading the child learns to become the

storyteller” (1998, p.859). É novamente reforçada a necessidade de ouvir as crianças, de aceitar os seus contributos valorizando a capacidade de reconstruir o texto com base nos seus significados e simultaneamente, aprofundar e desenvolver novos conhecimentos quer individualmente quer contribuindo para o conhecimento coletivo do grupo de crianças. Promover oportunidades educativas em que a criança se desenvolve como contadora de histórias fortalece as intervenções do docente e da própria criança na literacia emergente, as suas experiências neste domínio e a ação de ler antes de ler. Reconhecer a criança como storyteller é reconhecer a sua capacidade de ler com base nas informações que o texto lhe fornece, confirmar que esta possui competências literárias e que é capaz de ser pró-ativa na construção do seu próprio conhecimento.

Os pré-leitores reconhecem-se pela exploração que fazem dos textos para conseguir buscar nestes algum sentido e compreensão e quando encaram o texto como uma possibilidade de resposta ao problema que o próprio texto lhes coloca. Ou seja, uma criança que ainda não adquiriu a leitura formal depara-se com um problema de compreensão de um conjunto de símbolos que necessita interpretar de modo a chegar ao dito sentido e à leitura com base na predictibilidade, ou seja, ao ler antes de ler. A criança constrói o texto com base no texto-mãe sendo que essa construção implica um texto com sentido e significado para o pré-leitor logo terá uma influência fundamental na aquisição de competências que se enquadram na literacia emergente.

Jerome C. Harste e Carolyn L. Burke (Ferreiro & Palacio, 2003, pp. 39-53) definem a predictibilidade como um fator dos processos de literacia. Segundo estes autores, e de acordo com um estudo realizado com crianças dos 3 aos 6 anos, a predictibilidade permite às crianças ler e escrever com base em sinais exteriores inseridos num contexto que lhes faz sentido, ou melhor que conhecem e com o qual mantêm algum tipo de relação/ interação.

O conceito de predictibilidade é, no seu âmago, essencialmente social não podendo ser considerado inerente à escrita. É social porque os sujeitos interagem com a linguagem, com material impresso e com os seus pares desde que nascem e é através dessas interações e das experiências que desenvolvem nestes três campos que se tornam aptos a construir novos conhecimentos sobre a leitura e a escrita. Harste e Burke definem o conceito de predictibilidade como “ (…) uma transação semântica que ocorre entre os usuários da linguagem em situações linguísticas que lhes são familiares. Sua

génese é social. [E] pode ser considerada como uma característica central do processo linguístico” (Ferreiro & Palacio, 2003, pp. 48-49).

Inseridas num determinado contexto, posicionadas numa determinada situação de escrita, as crianças conseguem identificar o significado da escrita, as suas características como significante e o seu papel nos processos de significação (Ferreiro & Palacio, 2003, p. 48). As crianças conseguem predizer o que um material escrito significa num determinado contexto – por exemplo ler a caixa de cereais que comem todos os dias, ou o título do livro preferido.

Fernanda Viana (2002, p. 69) refere que é através da interação com o impresso que a criança pode analisar e organizar os seus significados. Será possível, deste modo, as crianças, ao interagirem com material impresso no seio de contextos e situações que lhes são familiares, construírem conhecimentos sobre a funcionalidade da escrita, descodificando o impresso, mesmo que essa descodificação não seja efetuada convencionalmente, mas extraindo o sentido e o significado dessas situações de escrita, categorizando-as e relacionando-as com as suas vivências.

A importância do contexto e do significado são fatores relevantes para que o indivíduo consiga ler e predizer um determinado texto. O sentido ajuda as crianças a utilizar a predictibilidade, a compreender para além do texto e desta forma a interpretar o texto por si e para além do texto. A leitura de um texto num determinado contexto e com determinado significado cultural e pessoal para o sujeito que o interpreta é o que os autores Harste e Burke denominam de leitura real e que diferenciam de leitura em sala de aula (Ferreiro & Palacio, 2003, p. 50).

Descentrando-nos do texto impresso e alargando o significado de texto para algo mais abrangente e que enquadra o som, a imagem ou o movimento e relacionando o conceito de predictibilidade e do processo de leitura com as novas tecnologias e as crianças pré-leitoras, deparamo-nos com Kenneth Goodman (1996). O autor reflete sobre todas estas questões e relança a discussão sobre a importância da eficiência e da efetividade nas aprendizagens que se devem desenvolver aquando do processo de ensino e aprendizagem nas questões da leitura e da escrita, em suma, da literacia nas suas diferentes possibilidades centrando a reflexão na procura de sentido que o ser humano anseia.

Our search for meaning provides us with the need to and opportunities to develop the necessary strategies for making sense of texts – as we make sense of specific texts, we develop efficiency and effectiveness in making sense of them. If texts we read are authentic and we want to make sense of them, we learn to read by reading. (Goodman, 1996, p.89)

A predictibilidade e as inferências que as crianças efetuam sobre os textos escritos, sonoros, visuais ou icónicos fazem parte destas estratégias que o autor refere na citação acima. A procura de sentido, a necessidade de compreender o que rodeia cada um de nós aguça-nos a vontade de agir sobre os objetos ou os sujeitos e, como a necessidade faz o engenho, o ser humano, rapidamente se adapta às suas necessidades sociais, emocionais e comunicativas e desenvolve estratégias interpretativas adequadas aos seus níveis de desenvolvimento. A necessidade de fazer sentido da vida, de construir o seu próprio sentido, promove no individuo a concretização de aprendizagens efetivas e, à medida que constrói novos conhecimentos e que aprofunda outros, não só na leitura ou na escrita mas também nas restantes áreas de desenvolvimento, torna-se eficiente nas suas ações e no questionamento que consequentemente surge durante a sua cruzada para encontrar o sentido dos textos que o rodeiam,

“(…) we learn to read by reading” marca a nossa leitura e a nossa procura para compreender e esmiuçar o conceito de predictibilidade. As predições e as inferências, que as crianças pré-leitoras concretizam na sua interação com os textos, ajudam a construir o sentido do que nos envolve e é nesta perspetiva que consideramos ser possível refletir sobre a possibilidade de uma pré-textualidade.

O autor Kenneth Goodman reflete sobre o processo de leitura, o que fazem os leitores quando leem e a sua interação com os textos. Nesta sua reflexão considera inevitável a compreensão da predição e das inferências que os leitores, independentemente da sua idade e da aquisição da convencionalidade ou não na leitura e na escrita, desenvolvem. Todo este processo dinâmico e curioso que abraça as questões da leitura e da compreensão do mundo, com a utilização efetiva e eficiente da predictibilidade permite antecipar o que se passa no texto. A este propósito, Goodman afirma o seguinte: “We are constantly anticipating where a text is going, what will come next, what we will see, what structures we will encounter, and we make inferences from what we think we’re seen and predicted” (Goodman, 1996, p.113).

A antecipação sobre o que vai acontecer num determinado texto e as inferências que se cruzam com as informações, as experiências e as próprias expectativas que cada indivíduo realiza nas suas interações com os textos, são sem dúvida essenciais para a nossa compreensão de como as crianças leem antes de ler, sem convenções. A própria utilização de símbolos e ícones, introduzidos desde os tempos primitivos até aos dias tecnológicos da atualidade, justificam a procura e provavelmente a possibilidade de uma pré-textualidade. A comunicação entre os diferentes povos, com as suas diferentes características linguísticas é uma necessidade que qualquer ser humano sente quando contacta com o mundo. Necessita que a sua linguagem seja entendida e que a linguagem dos outros seja entendida por si. Ao referirmo-nos à linguagem convém salientar as suas diferentes possibilidades como o sistema alfabético, o cirílico, os caracteres chineses ou mesmo os ícones e símbolos que têm uma leitura mundial independentemente do país ou da língua que cada individuo tem como original. O individuo quer ser entendido, compreendido e interpretado e pretende agir na mesma perspetiva com o que o rodeia e com quem interage.

Segundo Goodman “Icons and symbols are highly effective at communicating meaning in many contexts in modern literate societies” (1996, p. 35). A implementação das novas tecnologias no dia-a-dia do cidadão é uma realidade numa sociedade globalizada e denominada de informação. As novas tecnologias introduziram no quotidiano de todos, ou pelo menos dos que vivem inseridos numa comunidade e sociedade de países desenvolvidos ou em desenvolvimento progressivo, diversos ícones que representam uma panóplia de palavras isoladas, de ações e até de emoções. A utilização destes ícones resulta, no seu conjunto, em textos multimédia que permitem ao leitor usuário ler antes de ler. Nem mesmo a inexperiência no manuseamento dos equipamentos ou suportes tecnológicos são desculpa para um processo de não leitura, uma vez que o que se verifica é exatamente o oposto, ou seja, mesmo sem essa experiência adquirida o leitor utilizador desenvolve uma série de estratégias que lhe permitem, não só aprender a utilizar o equipamento, como as respostas imediatas desse equipamento o ajudam a interpretar os ícones, símbolos dos textos multimédia com que se deparam nessa mesma utilização.

A predictibilidade surge mais uma vez como a real possibilidade para compreender a leitura como processo dinâmico dos pré-leitores na leitura convencional e na leitura tecnológica. A predictibilidade permite ao leitor aprender a ler o texto com

aquilo que ele contém na sua globalidade, o som, a imagem, os ícones, o movimento e o texto escrito e não apenas como o ensino tradicional tenta reduzir a aprendizagem da leitura, nomeadamente com a identificação de sons e a sua correspondência à letra ou a descodificação de palavras. A leitura do texto multimédia tem como contributo diferentes variáveis, como a integração nas diferentes comunidades leitoras, tecnológicas e numa sociedade literária. Deste modo, podemos afirmar que é possível interpretar e ler um texto em qualquer parte do globo independentemente dos níveis de leitura e de literacia que cada individuo tem desenvolvido.

Com tantas possibilidades de contacto com os diferentes tipos de texto, com as diferentes linguagens e as interações no seio de diversas categorias de comunidades, como estará a ser preparada a sala de atividades de uma sala de pré-escolar? É preciso refletir e avaliar se os contextos culturais, sociais e pessoais são tidos em conta na organização do contexto educativo. Reportando-nos ao sistema educativo português, estarão os educadores de infância atentos a todas as possibilidades de fundamentar um currículo numa perspetiva de predictibilidade, de interações sociais relevantes e contextualizadas quer com os pares, quer com diferentes materiais de escrita como um meio de promover sucesso nos diferentes níveis de ensino e nas diferentes áreas de trabalho?

Parte II

Não sei, ama, onde era, Nunca o saberei… Sei que era primavera E o jardim do rei… (Filha, quem o soubera!...) Que azul tão azul tinha Ali o azul do céu! Se eu não era a rainha, Porque era tudo meu? (Filha, quem o adivinha?)

E o jardim tinha flores De que não me sei lembrar…

Flores de tantas cores… Penso e fico a chorar… (Filha, os sonhos são doces…)

Qualquer dia viria Qualquer coisa a fazer Toda aquela alegria Mais alegria nascer (Filha, o resto é morrer…) Conta-me contos, ama… Todos os contos são Esse dia, e jardim e a dama Que eu fui nessa solidão…

Estudo Empírico