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A textualidade e as possibilidades de interpretar por crianças pequenas A textualidade pressupõe a existência de um processo dinâmico que potencia a

Capítulo IV Um olhar longitudinal sobre a implementação/utilização das TIC em Educação

CRIE PTE

5.2 A textualidade e as possibilidades de interpretar por crianças pequenas A textualidade pressupõe a existência de um processo dinâmico que potencia a

ação do indivíduo perante o texto na medida em que o interpreta, compreende e questiona. O conceito de textualidade está relacionado, com a discussão, a crítica de um texto, que é sempre considerado como algo inacabado e questionável no que se refere aos princípios de constituição desse mesmo texto como sublinha Carlos Ceia (1995, p. 46) reforçando que “Não há textualidade sem discussão ou exame crítico.” Pressupõe- se, deste modo, uma necessidade de desconstrução e reconstrução de um texto, dos seus significados e dos significados do autor e do leitor.

Ceia atribui o conceito de textualidade aos teóricos da literatura, que “(…) interpretam sobretudo a interação do leitor com o texto em termos de produtividade, isto é, da produção de uma multiplicidade de efeitos significantes” (1995, p.41). O leitor deverá ter em conta todos os fatores que constituem, ou ajudam a constituir, o texto, como as conjunturas aquando da sua construção, o tema, as notas e informação fornecidas pelo autor, o contexto em que é escrito, cruzando-os com os significados, o

momento de leitura e experiências do leitor. No momento da leitura, o texto adquire movimento (Ricoeur, 1991) no discurso do sujeito leitor. Consideramos, deste modo, a existência de uma relação/ interação triádica entre o autor, o texto e o leitor. Relacionamos ainda o conceito de textualidade com a possibilidade de interpretar um texto utilizando competências essenciais ao desenvolvimento linguístico, cognitivo, social e afetivo do sujeito. Referimo-nos, em concreto, à crítica, à autonomia e à criatividade, essenciais para potenciar leitores ativos e participativos na sociedade. O jardim-de-infância deverá ter um papel fundamental no sentido de proporcionar oportunidades educativas que promovam nas crianças entre os 3 e os 6 anos, aquisições nas diferentes áreas de desenvolvimento e ainda nas competências literárias em leitura, escrita e literacia. Apenas com um investimento em aprendizagens que ajudem a desenvolver estas competências se pode falar em crianças críticas e criativas perante os textos.

O leitor deverá ter a possibilidade de desenvolver competências que lhe permitam desconstruir um texto e reconstruir o seu significado através do que transparece e do que apreendeu do texto, cruzando-o com os seus próprios significados a sua bagagem teórica que transporta e da qual é o construtor ativo.

Segundo Ricoeur:

Toda a interpretação se propõe vencer um afastamento, uma distância, entre a época cultural passada à qual pertence o texto e o próprio intérprete. Ao superar esta distância, ao tornar-se contemporâneo do texto, o exegeta pode apropriar-se do sentido: de estranho ele quer torná-lo próprio, isto é fazê-lo seu; é portanto o engrandecimento da própria compreensão de si mesmo que ele persegue através da compreensão do outro. (s/d, p. 18)

O sujeito que interpreta, independentemente da sua idade, realiza inferências e cruza significados nas suas interações com os textos. A procura de sentido pelo interpretante não se limita ao texto mas abrange o seu próprio sentido de vida, a compreensão de si mesmo através da compreensão do texto (Ricoeur, s/d., p.18). Este é o cerne da textualidade e é na hermenêutica que ela busca os seus fundamentos. Assim sendo, ao realizar interpretações textuais sobre os textos ou objetos, o leitor está a desenvolver um processo com base na hermenêutica, ao questionar, responder,

interpelando e sendo interpelado. Ricoeur sublinha, “(…) a interpretação «aproxima», «igualiza», torna «contemporâneo e semelhante», o que significa na verdade, tornar

próprio o que, em principio, era estranho” (1991, p.156), esta interação com os textos

nas crianças pequenas é visível sempre que elas leem um texto mesmo sem adquirirem a convencionalidade do ato de ler. Ou seja, ao predizer o texto, usando todos os seus indicadores, as crianças tornam-no próximo de si como sujeito e contemporâneo ao cruzá-lo com os seus significados, as suas experiências e os conhecimentos que já possuem. As crianças têm a capacidade tremenda de agir sobre o que não compreendem, impulsionadas pela curiosidade inata, interpretam o texto de modo a que este responda às suas necessidades de sentido para o que não compreendem.

A textualidade tem várias dimensões considerando a multiplicidade dos universos de receção, os seus diversos utilizadores ativos e interpretantes. Possibilita aos diferentes sujeitos identificar e percecionar os diferentes sentidos de um texto e ao cruzar essas perceções com as suas vivências e experiências agindo de modo específico sobre o texto em cada momento com que com ele se cruza, permite a ocorrência de variadas textualizações sobre o mesmo texto. As características patrimoniais e únicas, acrescida da componente memorial, fazem parte integrante do conceito de textualidade. As interpretações que cada individuo efetua sobre um determinado texto são evolutivas e cumulativas no sentido em que, são momentos irrepetíveis e dos quais fazem parte uma série de variantes condicionais, como por exemplo, a comunidade onde o leitor está inserido, o seu capital cultural, os intervenientes, as experiências prévias do sujeito ou os contributos do momento que poderão ser decisivos para o rumo que o leitor ativo realiza na interpretação. Reportando-nos sempre ao corpus da nossa investigação, salientamos que são estas interpretações diversificadas que as crianças realizam sobre o mesmo texto que possibilitam ao docente ter uma noção das características de cada elemento do grupo de crianças, características essas que incluem, a cultura, as vivências pessoais e familiares e os conhecimentos que as crianças já construíram durante a sua vida. No trabalho que se realiza numa sala de jardim-de-infância, essas interpretações dos textos surgem quase sempre como contributos para uma atividade que se está a desenrolar e, é com base nesses contributos, que as crianças constroem conhecimento individual e contribuem para o conhecimento coletivo do grupo de pessoas, crianças e adultos, que aí se encontram todos os dias. Normalmente o momento do reconto de uma história ou a invenção de outra com base nos ícones e informações que são fornecidas às

crianças são os exemplos mais verificados em contexto de sala de atividades e que promovem mais intensamente as diferentes interpretações que as crianças fazem dos textos.

Para interpretar um texto, o leitor desenvolve estratégias de leitura que se aplicam aos diferentes tipos de texto e às suas diversas modalidades, e que podem variar entre inferências de sentido, informações cotextuais que já possui sobre o texto, identificação de letras ou palavras, cruzamento de indicadores visuais, sonoros ou impressos. A textualidade implica conteúdos intrínsecos e extrínsecos ao texto e ao leitor, podendo ser entendida como um conjunto de procedimentos compreensivos dos textos, que podem evoluir, modificar-se e que se rege pelo princípio transformacional ativo em espiral, que toca nas linhas essenciais do questionamento/ resposta/ questionamento, simultâneas e ativas. Aplicar o conceito de textualidade ao ensino de crianças pequenas é um desafio que pressupõe uma mudança de atitude dos docentes e da própria instituição escolar, na medida em que exige uma postura aberta a todas as interpretações que cada criança pode realizar sobre um determinado texto, compreendendo os textos por si mesma e não para agradar ou corresponder às expectativas do professor. Exige do docente atenção para conhecer as crianças, os seus interesses e necessidades, sem as considerar tábuas rasas que partem do zero quando chegam a um nível de ensino específico mas pelo contrário que possuem conhecimentos que construíram nas suas interações diárias com o meio e com os pares.