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Ensino obrigatório como limite heterônomo do poder constituinte

3. Delimitação do objeto da investigação

3.3. Delimitação da expressão Estado Constitucional Democrático

3.3.1. Estado Constitucional Democrático e ensino obrigatório

3.2.2.2. Ensino obrigatório como limite heterônomo do poder constituinte

Assim como o povo não dispõe de um poder absoluto sobre a Constituição,

o poder constituinte também possui limites, pois não é capaz de emprestar à

Constituição todo e qualquer conteúdo, sem atender a quaisquer princípios

164

.

É inconteste a natureza jurídica do ensino obrigatório

165

como dever

fundamental, haja vista que sua ontologia é normativa. Traduz-se num princípio

heterônomo de caráter especial

166

que visa assegurar a cidadania responsável (art. 205

da CF), que limita até mesmo o exercício do poder constituinte

167

, uma vez que pode ser

deduzido de vários tratados e acordos internacionais em relação aos quais o Brasil é

signatário

168

.

Sua positivação normativa se deu com a promulgação da Emenda

Constitucional n° 59 de 11 de novembro de 2009, numa demonstração de reafirmação

pelo legislador constituinte de se assegurar a força normativa de princípios da ordem

internacional que protegem o princípio transversal do ensino obrigatório e da efetiva

tutela educacional, que decorre de processo de reconhecimento da subjetividade jurídica

do indivíduo perante o direito internacional

169

.

164 Cfr. JORGE MIRANDA, cit., pág. 124

165 ―Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria‖.

166 JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 2003, p. 124, leciona que assim como o povo não dispõe de um poder absoluto sobre a Constituição, o poder constituinte também possui limites, pois não é capaz de emprestar à Constituição todo e qualquer conteúdo, sem atender a quaisquer princípios.

167 JAN DE GROOF e CHARLES GLENN, Balancing Freedom, Autonomy and Accountability in

Education, Volume 1, Netherlands: WLP, 2005, p. 303, ―all countries exercise some control over the

quality of education provided by nonstate schools at compulsory level. In the large majority of cases this is done through inspection. In general, nonstate schools which have greater parity with state schools or enjoy greater levels of state subsidy than others are subject to control which has a broader scope, extending especially to the curriculum, teaching staff, buildings, maximum/minimum enrolment and financial administration. Federal states differ in the extent of control over education exercised by the central government of the entities of the federation‖.

168 REIS MONTEIRO, Educação da Europa, Porto, 2001, p. 26, consigna que ―os corpus das disposições internacionais relativas ao direito à educação constitui um verdadeiro Direito Internacional da Educação, de que é parte o Direito Europeu da Educação‖.

169 Afirma PEREZ LUÑO, Los Derechos Fundamentales, op. cit., p. 41, que somente quando se admite a possibilidade de que a comunidade internacional possa entender de questões que afetem não tanto aos Estados enquanto tais, se não aos seus membros, cabe elaborar um reconhecimento em escala internacional dos direitos humanos.

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Infere-se, portanto, que o princípio do ensino básico obrigatório dos quatro

aos dezessete anos de idade, embora não expresso nas Declarações Internacionais

170

ratificadas pelo Brasil que protegem o direito à educação, é proveniente da conjugação

desses ordenamentos jurídicos

171

, donde resulta na obrigação do Estado Brasileiro em

cumprir o dever que assumiu para com a comunidade internacional em assegurar

exercício de cidadania mais sofisticada diante dos novos reclames. Corresponde,

portanto, em limitação de conteúdo da Constituição que não pode ser desmerecida nem

mesmo pelo titular do poder constituinte

172

.

Com efeito, não se pode fazer tabula rasa dos princípios ordenadores em que

se assenta a práxis da comunidade eventualmente carecida de uma nova Constituição,

ou seja, dos princípios constitutivos da ideia de Direito dessa comunidade concreta, uma

vez que há princípios preexistentes e ordenadores da práxis comunitária

173

.

170 Entende REIS MONTEIRO, Educação da Europa, Porto, 2001, p. 26, que o direito à educação foi um dos primeiros direitos reconhecidos à escala universal, em face à sua importância para o desenvolvimento da capacidade de exercício dos outros direitos e de respeito dos direitos dos outros. O autor chega a afirmar que ―pode-se mesmo argumentar que, depois do direito à vida, condição biológica do gozo de todos os direitos, o direito à educação – pelo seu alcance antropológico, ético, psicológico, político, económico – é o primeiro dos direitos do homem. É pela educação, em toda a sua amplitude cultural, que se inscreve a dignidade da pessoa humana de pessoa na realidade biológica de cada indivíduo, e se potencia a sua subjectivação e humanização‖.

171

Preconiza o artigo 5º, § 2º, da Constituição Brasileira de 1988 o seguinte: ―Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios, por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte‖.

172 Insta salientar a classificação de JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 2003, pp. 124 e ss., ao afirmar que são três as categorias de limites materiais ao poder constituinte: limites transcendentes, limites imanentes e limites heterônomos. Os primeiros correspondem aos imperativos do direito natural, de valores éticos superiores, de uma consciência jurídica coletiva (v.g., aqueles que vedam a previsão ou restauração da pena de morte). Os limites imanentes decorrem da soberania e da forma do Estado (v. g., aqueles que obstam um Estado Federal, que pretende continuar a sê-lo, passar a Estado unitário). E os últimos que são provenientes da conjugação com outros ordenamentos jurídicos, referindo- se a princípios, regras ou atos de Direito internacional, donde resultem obrigações para todos os Estados ou só para certo Estado; e também as regras de Direito interno. Estes, por sua vez, dividem-se em limites heterônomos de caráter geral, que correspondem aos princípios do jus cogens; limites heterônomos de Direito internacional de caráter especial, que correspondem às limitações de conteúdo da Constituição em razão do Estado ter assumido deveres para com outro, com outros Estados ou com a comunidade internacional e os limites heterônomos de Direito interno, que consignam os limites recíprocos entre a União Federal e os Estados Federados. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da

Constituição, Coimbra, 2004, pp. 81 e ss., considera que, apesar do poder constituinte ser inicial,

autônomo, incondicionado e onipotente, ele considera que ele sofre limitações em face de certos princípios de justiça (princípios suprapositivos ou princípios supralegais mas intra-jurídicos) e aos princípios de direito internacional, quais sejam o princípio da independência, princípio da autodeterminação e o princípio da observância de direitos humanos.

173 Como assinala LUZIA M. S. CABRAL PINTO, Coimbra, Os limites do Poder Constituinte e a

legitimidade material da Constituição, 1994, pp. 70 e ss., ao tratar sobre limites do poder constituinte,

sustentando que uma Constituição será legítima quando está em conformidade com os valores dominantes da consciência social, que configuraria uma orientação geral.

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Ademais, o legislador reformador com a EC nº 59, de 11 de novembro de

2009, determinou, de forma peremptória, que o ensino básico obrigatório deverá ser

implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação,

com apoio técnico e financeiro.

3.3.2.3. Usurpação do poder constituinte e democracia participativa