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Capítulo IV – Entfremdung: Franz Biberkopf alienado na Metrópole

5. Aspectos da Entfremdung aplicados a Franz Biberkopf

5.4. Entfremdung como impotência

No contexto da compreensão da Entfremdung como uma relação deficitária entre o homem e o mundo, um de seus elementos – e também consequência – é a perda de força ou de poder do sujeito sobre a própria vida perante o mundo.

Rahel Jaeggi aborda essa compreensão do conceito, apontando para duas conclusões: perda de força e perda de sentido. “Relações alienadas são relações nas quais somos tornados impotentes como sujeitos”51 (JAEGGI 2005: 41). O sujeito alienado do mundo e de si mesmo é um sujeito impotente. Ou, melhor, como no texto citado, um sujeito “tornado impotente”, sobretudo pelas condições criadas por seu contexto histórico. Por outro lado, o próprio sujeito também é um partícipe do processo que lhe retira a autonomia.

A outra conclusão de Jaeggi, a da perda de sentido, é uma consequência da relação alienada: o mundo alienado e a própria personalidade alienada do sujeito não fazem sentido para ele. Para o sujeito, o mundo alienado é um mundo sem sentido, e o próprio sujeito é incapaz de encontrar sentido em si.

Até o século XIX havia uma pretensão à autonomia do sujeito, que se enfraqueceu de maneira drástica no início do século XX. A própria concepção de “moderno” demandava outro tipo de sujeito. Vejamos a seguinte afirmação, no contexto das artes: “Como ‘moderno’, no sentido de autênticos representantes da Modernidade estética, pode ser válida, por outro lado, a noção não de um sujeito que submete, mas sim é submetido”52 (ANZ 2002: 19-20). O sujeito perde sua autonomia e está entregue a forças externas.

Do ponto de vista da crítica da Entfremdung, fala-se de um “sentimento de impotência”, como vemos a seguir:

Trata-se, com isso [o sentimento de impotência ou perda de controle], da impressão (não pouco difundida) de que se está diante da própria vida como de um acontecimento autônomo, sobre o qual não se tem influência, sem que se possa definir a si próprio, em um sentido facilmente compreensível, como determinado por um ato alheio. Como explicar que se experimente a própria vida como se fosse determinada por uma “força

50 „Entfremdung ist aus der Perspektive des Subjekts betrachtet ein defizitäres Welt- und Selbstverhältnis, das sich, [...] als gestörtes Aneignungsverhältnis verstehen lässt: Entfremdung ist verhinderte Welt- und Selbstaneignung.“

51 „Entfremdete Verhältnisse sind Verhältnisse, in denen wir als Subjekte entmächtigt sind.“

52 „Als ‚modern‘ im Sinn etlicher Repräsentanten der ästhetischen Moderne kann dagegen die Vorstellung von einem Subjekt gelten, das nicht unterwirft, sondern unterworfen ist.“

estranha”, sobretudo quando, à primeira vista, o sujeito mesmo é o ator? Como entender aqui a relação entre próprio e estranho? E, em sentido contrário, com referência ao problema aqui referido, isso significaria “Ser soberano sobre as próprias ações”.53 (JAEGGI 2005: 71)

Nesse contexto, o sujeito é levado a acreditar que tem total responsabilidade sobre os próprios atos e o próprio destino, quando, na verdade, o modo de funcionamento da sociedade não lhe confere essa autonomia. O sujeito se vê impotente diante de forças estranhas.

Franz Biberkopf é um indivíduo submetido a esse tipo de força, mas essa não é a única causa de sua alienação. O fracasso de seus intentos é consequência direta de sua pretensão de autonomia e conquista, atitude não mais aceitável no novo século (XX) e no novo espaço que é a metrópole moderna. Percebendo a própria fraqueza a cada revés, ele assume outra postura, que também lhe é característica: esconder-se. Otto Keller afirma: “O gesto de fugir, de se esconder pertence a Franz desde os primeiros capítulos do primeiro livro. Sua busca pelo paraíso também é uma das muitas formas de se esconder”54 (KELLER 1990: 79). Ou seja, esse gesto de fraqueza é o outro lado da postura de conquistador.

Há também, na impotência do sujeito, um caráter que podemos denominar libertador: a aceitação da fraqueza conduz à aceitação da morte e, por consequência, à superação do medo da morte. Isso acontece com Biberkopf quando de sua morte e renascimento simbólicos: “A partir da estrutura do eixo paradigmático do romance, essa mudança de gesto significa uma superação do isolamento fatal da conquista, encontrar a capacidade de aceitar e oferecer ajuda e uma integração abrangente do eu na comunidade dos seres viventes”55 (KELLER 1990: 57).

Se considerarmos que, do ponto de vista existencialista, ser significa ter a capacidade de controlar a própria vida e atuar no mundo (cf. JAEGGI 2005: 38), temos que Franz

Biberkopf atua no mundo de forma “deficitária” – não integrada ou não adequada –, já que ele

53 „Es geht damit [dem Gefühl der Ohnmacht oder des Kontrollverlusts] um den (nicht wenig verbreiteten) Eindruck, dass man dem eigenen Leben wie einem selbstständigen Geschehen gegenübersteht, auf das man keinen Einfluss hat, ohne dass man sich dabei in einem leicht nachvollziehbaren Sinne als fremdbestimmt bezeichnen könnte. Wie erklärt es sich, dass man sein eigenes Leben als von einer ‚fremden Macht’ bestimmt erfahren kann, sogar dann, wenn man auf den ersten Blick selbst der Akteur ist? Wie ist hier das Verhältnis von eigen und fremd zu verstehen? Und das würde es umgekehrt in Bezug auf das hiermit angesprochene Problem bedeuten, ‚Herr über seine eigenen Handlungen zu sein’.“

54 „Die Geste des Weglaufens, sich Versteckens gehört zu Franz von den ersten Kapiteln des ersten Buches an. Auch seine Paradiessuche ist eine der vielen Formen des Sich-Versteckens.“

55 „Von der Anlage der paradigmatischen Achse des Romans aus bedeutet dieser Gestuswechsel eine Überwindung der tödlichen Isolierung des Eroberertums, ein Hinfinden zur Fähigkeit, Hilfe anzunehmen und zu spenden und eine umfassende Integration des Ich in die Gemeinschaft der Lebewesen.“

não exerce controle total sobre a própria vida, ficando refém da ocasião e do ambiente que o cercam.