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2.3.2 Entrando na Pós-Modernidade

A Índia da pós-modernidade apresenta uma população de um bilhão e duzentos milhões de pessoas e mantém os seus deuses e rituais milenares convivendo com a época dos mísseis e da informática. A Índia atual enfrenta problemas diferentes daqueles que estávamos acostumados a ver décadas atrás, e que me chocaram muito, em minha primeira viagem, em 1987: a pobreza, a fome, o analfabetismo, a mendicância e o contato com a morte na velha Varanasi (Benares). Os problemas atuais são estes e alguns mais recentes, frutos da chamada globalização, embora tanto a China como a Índia tenham aprendido a colher os benefícios desse sistema.

39 Os parsis são originários da antiga Pérsia, atual Irã. Em Mumbai existe a Torre do Silêncio onde os parsis fazem os seus rituais funerários. Lá eles deixam os corpos dos mortos para que sejam devorados pelos urubus. A entrada é proibida para os não parsis.

40 Na última década muitos nomes foram reindianizados: Bombaim é hoje Mumbai, Calcutá é Kolkata, Madras é Chennai, Benares é Varanasi, Bangalore será mudado para Bengaluru.

O país, que foi uma colônia britânica por mais de 200 anos, hoje oferece milhares de empregos que são terceirizados, principalmente para as empresas norte americanas. A dependência da Inglaterra teve também o seu lado positivo, pois muitos indianos aprenderam a falar o inglês, hoje para muitos um instrumento de trabalho que os leva ao crescimento profissional. O inglês é o idioma falado por 350 milhões de indianos. Existe ainda o que eles próprios chamam de “hinglês”, uma tendência de se misturar o hindi com o inglês, um dialeto que é reforçado inclusive pela televisão e usado principalmente pela população mais jovem como uma forma de mostrar a sua ligação com o mundo, ou com a “América” e, desta forma, ser diferente da população mais ligada às tradições.

A Índia pós-moderna se destaca como uma nova potência em ascensão e desponta como uma estrela emergente no comércio internacional. Apresenta uma dinâmica economia de mercado dentro da tecnologia de informação, na industria farmacêutica e na industria audio-visual. Em janeiro de 2006, no Forum Econômico Mundial de Davos , na Suiça, a Índia foi a grande estrela e sua aparição foi majestosa. A campanha muito bem organizada pela India Brand Equity Foundation, que pretende mudar a imagem da Índia no mundo, se intitulou Índia Everywere (Índia em todo lugar) e surtiu um efeito fantástico entre os empresários e políticos que participavam do congresso. O objetivo era angariar novos investidores para o país, concorrendo com a sua rival, a China, e também com o Brasil. Mello relata:

A estrada que liga Zurique a Davos estava lotada de outdoors festejando o potencial econômico do subcontinente indiano. O verde, vermelho e branco da bandeira indiana estavam em toda a parte, do ônibus aos bancos de praças. Vários bares e restaurantes serviam os típicos pratos com curry e até inusitados vinhos indianos. Os hotéis ofereciam aos participantes mimos como iPods recheados de música indiana e pashminas, aqueles xales finíssimos de lã caxemira, com cartões de apresentação - “um presente do Himalaia para que você fique quentinho nos Alpes”. O tema era “Índia – a democracia que mais cresce no mundo”. O objetivo ousado era convencer os participantes do forum que decidem onde investir milhões de dólares, de que a Índia é uma alternativa para sua rival China. Os indianos queriam vender a Índia como a opção mais segura para os investidores. Queriam passar a mensagem de que a China é uma ditadura imprevisível, embora cresça a taxas maiores que a Índia. Cartazes alardeavam: “23 bolsas de valores; 91 empresas de mais de US$1 bilhão, mais de US$500 bilhões de valor de mercado – a democracia mais atraente para os investidores globais”. (MELLO,2008:17).

Podemos imaginar que este show indiano provocou nos participantes uma grande surpresa, principalmente entre os europeus que não estão acostumados a realizar campanhas tão “agressivas” em eventos desta natureza. Acredito que o resultado tenha

sido positivo e o comentário, embora suspeito, do Primeiro Ministro indiano Manmohan Singh foi que “A Índia foi a estrela de Davos”. Este homem é, sem dúvida, um dos grandes responsáveis pelas reformas ocorridas no país que tem surpreendido o mundo ocidental nos últimos tempos. Foi o Ministro Singh que baixou a carga tributária, reduziu as tarifas de importação, diminuiu os impostos das empresas e está lentamente abrindo as portas da Índia para investimentos estrangeiros. Agora já se pode comer no MacDonalds e obter na Índia quase tudo que se encontra nos shoppings europeus. A economia do país cresceu e as exportações indianas, incluindo bens e serviços, chegaram a US$112 bilhões em 2006. O Brasil, ao lado da Rússia, Índia e China formam o BRICs, países que seriam as grandes potências mundiais em 2050 e previsões indicam que a Índia terá o terceiro PIB do mundo.

Atualmente, a tecnologia da informação é o grande orgulho do país e neste sentido podemos lembrar a cidade de Bangalore, atualmente uma cidade modelo dentro da Índia. Foi a primeira a se ligar a um satélite e presta serviços a milhares de empresas em todo o mundo. Em Bangalore, vamos encontrar a Infosys, uma empresa que possui 58 mil empregados e hoje está avaliada em US$20 bilhões, sendo a marca mais admirada e reconhecida no país. Ela foi a primeira empresa indiana a ter ações negociadas na Nasdaq, a mais famosa bolsa de valores dos Estados Unidos. Calcula-se que as exportações de software indianos entre os anos de 2009 e 2010, deverão alcançar uma renda de US$60 bilhões, o que é considerada uma meta modesta. Além de Bangalore, Chennai, Pune, Noida, Hyderabad e Gurgaon também concentram várias empresas voltadas para a tecnologia de informação, além de indústrias na área farmacêutica e biotecnologia.

O grande negócio atualmente são as conhecidas “centrais de atendimento” onde milhares de jovens indianos trabalham 24 horas ao dia para multinacionais. São empregos muito disputados, onde existe uma seleção rigorosa. É preciso freqüentar cursos especiais para “neutralizar” o famoso sotaque indiano e treinar para poder falar o inglês copiado dos americanos, uma exigência das firmas. Além do mais, para ser um operador de telemarketing, o jovem deve ser atencioso, persistente e saber lidar com a questão da rejeição, pois, de cem ligações, apenas 5% alcançam sucesso. Lidar com o público não é fácil, é preciso muitas vezes engolir grosserias de clientes mal educados, mas o salário é compensador: 200 US$ por mês, e isto, na Índia, é muito dinheiro. Esses jovens, que estão, na sua maioria, entre 20 e 25 anos, e têm de sobreviver pela competitividade, estão mudando o país. Toda uma rede de comércio acabou sendo criada, com restaurantes, lanchonetes e casas noturnas que atende este público jovem com uma renda, muitas vezes,

maior que a do seus pais. Nunca a Índia passou por um choque de culturas como o que tem acontecido atualmente. O que os jovens ganham à noite, (o trabalho é feito no turno da noite devido ao fuso horário), gastam de dia. Desta forma, é possível agora ir ao shopping (algo que não existia alguns anos atrás), ir ao Mac Donald, à Pizza Hut, comprar Cds, DVDs, jeans de marca, e estão ficando todos americanizados e cada vez mais materialistas. O sonho da maioria deles é conhecer ou ir morar na “América”, neste caso, os Estados Unidos. As meninas não querem mais saber de usar “saris ou kurta”, roupas tradicionais, pois a moda agora é o jeans e a camiseta. Os rapazes usam camisetas ou camisas, com gravata ou não, ao estilo ocidental. Os hotéis (cinco estrelas) para agradar aos turistas, exigem ainda que as mulheres usem os trajes típicos, os saris, porque os estrangeiros acham bonito, diferente e mais elegante. Nas firmas, isto já está liberado.

Um conflito de gerações está acontecendo. As jovens das grandes cidades e que trabalham, já não querem mais saber de “casamento arranjado” e os pais estão perdendo a sua autoridade, embora muitos deles não admitam que isto esteja acontecendo. As jovens já estão alugando o seu próprio apartamento e morando com amigas. Muitos já freqüentam, escondido dos pais, a discoteca ou bares (que são muito discretos) e alguns também já experimentam o álcool e a droga. Os laços familiares estão ficando mais enfraquecidos e isto pode se tornar muito difícil para a juventude. Nesse sentido, Lipovetsky estaria certo:

Se a moda nos governa, é que o passado já não é o pólo que ordena o detalhe de nossas ações, de nossos gostos, de nossas crenças; os decretos antigos são amplamente desqualificados para orientar os comportamentos, os exemplos que seguimos são tomados cada vez mais em torno de nós em um meio precário. Quer seja em matéria de educação, de saber, de higiene, de consumo, de esporte, de relações humanas, de lazer, é aqui e agora que encontramos nossos modelos, não atrás de nós. ... Na maior parte dos domínios, os indivíduos buscam apaixonadamente as novidade, a veneração do passado imutável foi substituída pelas loucuras e pelas paixonites da moda, mais do que nunca domina a divisa “quanto mais novo melhor”. (LIPOVETSKY, 1989: 268:269). (O grifo é meu).

A passagem que a juventude indiana está tendo atualmente, do velho para o novo, tem sido algumas vezes dolorida para ambas as partes. Já foram formados alguns grupos que trabalham para manter a “integridade da cultura” e são claramente contra a influência que os Estados Unidos está exercendo sobre o país. Eles são contra a idéia, inclusive, de se comemorar o “dia dos namorados”, pois isto é “típico de americano”. Mas, a maior

preocupação dos mais velhos é o fato dos mais jovens não se interessarem mais pela religião, pois os cultos e rituais estão sendo deixados de lado. Eles costumam dizer que “rituais é coisa para velhos” e se tiverem de escolher entre um ídolo religioso, um yogue ou Bill Gates, não há dúvida que eles escolhem o último. Os jovens que ainda se mantêm ligados à tradição religiosa na Índia, são, na maior parte, aqueles que vivem em cidades pequenas, afastados de grandes centros, ou aqueles que professam a religião muçulmana, por terem uma educação mais rigorosa. A Índia tem a terceira população muçulmana do mundo e o governo tem se interessado em buscar um entrosamento dos jovens para evitar confrontos, como os que já tiveram no passado, quando da separação do Paquistão. Esta é uma situação que Giddens chamaria de “perfil de risco”:

A ameaça de violência militar permanece parte do perfil de risco da modernidade. ... Vivemos hoje numa ordem militar global onde, como resultado da industrialização da guerra, a escala do poder destruidor do armamento espalhado através do mundo é maciçamente maior do que o que já existiu antes. A possibilidade de conflito nuclear coloca perigos que nenhuma geração anterior teve que enfrentar. (GIDDENS, 1991:112)

Está claro que o governo indiano e o paquistanês conhecem os perigos que podem causar os conflitos que ocorrem com freqüência na região da Caxemira, região reivindicada pelos dois países, desde 1947, e o risco de uma guerra nuclear foi grande em 2002. Devido ao litígio, ambos se apressaram na corrida armamentista. A Índia está em primeiro lugar entre os países do terceiro mundo que compram armas convencionais e a Rússia é seu principal fornecedor, além da França. Mas, apesar de todo este avanço tecnológico e de gastar de forma desproporcional com armamentos, há sérios problemas que o país enfrenta e passa por várias crises. A primeira delas é a fome.

Calcula-se que 40% da pobreza do mundo vive na Índia e aí se inclui um terço de todas as crianças desnutridas. Jean Ziegler apresentou em 2006 um relatório na Assembléia Geral das Nações Unidas com o título The Extent of Chronic Hunger and Malnutrition in

Índia (A extensão da fome crônica e da desnutrição na Índia) onde apontava que:

a fome e a desnutrição constituem hoje um flagelo mais grave do que na década de 1990, e que se ampliou a distância entre os que comem bem e os que não conseguem ter o suficiente para comer. Num país que se orgulha da liderança na tecnologia da informação (TI) e de um vigoroso crescimento econômico, uma quantidade chocante de pessoas vive em condições não melhores, e em alguns casos até piores, que as da África subsaariana. (KAMDAR, 2008:31).

Quando o país se tornou independente, em 1947, 80% da população vivia em áreas rurais; hoje, apenas 30% do PIB vem da agricultura, mas quase 70% da população continua vivendo no campo. A situação no campo não é das mais favoráveis pois a Índia continua dependente do clima das monções e quando a seca é prolongada a situação se torna crítica. Enquanto uma minoria da Índia pós-moderna usufrui do acelerado crescimento econômico, milhões de famílias de agricultores lutam pela mera sobrevivência. O governo deixou de subsidiar algumas plantações e quando as chuvas não chegam tudo se complica, pois a Índia já enfrenta sérios problemas com a falta de água e os lençóis freáticos, assim como os poços, baixaram assustadoramente nos últimos anos.

Os agricultores de estados muito pobres como Orissa e Bihar vivem sem energia elétrica e não têm rede de esgoto. Muitos não têm acesso a escolas e hospitais e ganham em média US$ 50 por mês. A maioria dos agricultores, em época de crise, emprestam dinheiro de agiotas (sahukar), que cobram juros absurdos, pois não têm condições para trabalhar com bancos. Como garantia do empréstimo os agiotas costumam exigir o título de propriedade da terra. Os mais honestos costumam devolve-lo no ato da quitação, mas existem aqueles que acabam tomando a propriedade do pequeno agricultor, que são na sua grande maioria analfabetos. Aqueles que perdem suas terras viram assalariados e passam a trabalhar por US$1 por dia, quando fazem parte de algum sindicato, ou são obrigados a aceitar até 30 centavos de dólar por dia trabalhado. Quando as colheitas não acontecem e as dívidas não são pagas, o fim pode ser trágico e o número de suicídios confirmam este fato (alguns se envenenam com pesticidas e outros se enforcam). Em 2003, 50% dos agricultores estavam endividados e entre 1993 e 2003, cerca de 100 mil indianos se suicidaram. Kamdar relata:

Desde 1997, mais de 25 mil fazendeiros indianos cometeram suicídio. Esse número sombrio está diretamente ligado às mudanças na política agrícola indiana, à falta de oportunidades de crédito mais justas, que leva os fazendeiros a tomar dinheiro emprestado de agiotas, e a uma grave crise de água. Os estados mais atingidos são Andhra Pradesh, Karnataka, Kerala e Maharashtra. Ironicamente, esses são os estados em que no mesmo período houve um desenvolvimento de centros urbanos: Hyderabad (em Andhra Pradesh), Bangalore (em Karnataka), Trivandrum (em Kerala) e Bombaim (em Maharashtra). (KAMDAR, 2008:184)

Segundo pesquisas da Comissão Nacional dos Agricultores, 40% querem abandonar o campo. Atualmente, 300 milhões de pessoas estão vivendo com menos do que elas precisam para comer. Alguns jovens, sejam eles pastores ou agricultores, têm tido acesso à

televisão e, com ela, vêem o contraste entre a vida da cidade e a vida do campo, e até mesmo o conforto e riqueza que é mostrado em novelas ou filmes nacionais ou internacionais. O país é um dos maiores produtores de filmes, o famoso Bollywood, que traz uma imagem de riqueza e fartura inatingível para a grande maioria, mas que os transporta para um mundo de fantasia, fazendo-os esquecer por curto tempo a dura realidade. Aliás, o governo indiano participa ativamente deste estímulo patrocinando filmes indianos em festivais americanos e incentivando a produção de filmes para “export”.41

Estas imagens de sonhos e de riqueza tornou-se realidade para uma minoria. De acordo com Mello, “o número de famílias indianas com renda acima de US$250 mil por ano dobrou nos últimos cinco anos, de 20 mil para 50 mil. Isso equivale a apenas 0,03% da população” (MELLO, 2008:81). Esses indianos gastam cerca de 14,4 bilhões em artigos de luxo por ano. São mulheres que compram um vestido por 20 mil rúpias, mais ou menos, U$450, enquanto outros não podem comprar um rádio portátil ou o seu almoço do dia.

O segundo grande problema que o país enfrenta é uma doença silenciosa: a Aids. Um relatório de 2006 da UNAIDS declarou que a Índia tem mais de 5,7 milhões de pessoas infectadas com o vírus HIV/Aids, sendo considerada a capital da Aids no mundo. Na realidade, é mais provável que o número de aidéticos esteja por volta de 10 milhões e que em 2010 poderá atingir de 20 a 25 milhões. Não há como saber o número exato pois as estatísticas não são tidas como confiáveis pelos padrões internacionais. Várias organizações tentam auxiliar para que a epidemia não se alastre oferecendo inclusive medicamentos baratos (genéricos) produzidos nos laboratórios indianos. A ajuda do governo com a distribuição de remédios gratuitos é muito abaixo do esperado chegando a atingir por volta de 15 mil pessoas. A Fundação Gates representa a maior ajuda pois investe 300% mais que o governo indiano no trabalho de conscientização, prevenção e tratamento. A Aids está espalhada por todo o país, mas, a maior concentração pode se verificar nos estados de Tamil Nadu, Maharashtra e Andhra Pradesh e a transmissão é predominantemente de ordem sexual. Kamdar esclarece ainda que:

As diferenças nos papéis feminino e masculino têm importância fundamental na transmissão do HIV na Índia. È espantoso o fato de que 39% dos indianos soropositivos sejam mulheres. As mulheres casadas são particularmente vulneráveis, porque têm reduzida capacidade de se proteger. As mulheres do campo, quase sempre analfabetas e desinformadas – a maioria delas nunca ouviu falar de HIV ou Aids -,

41 -Recentemente (Fevereiro de 2009) a Índia recebeu a sua consagração no exterior tendo conquistado oito Oscars, com o filme Quem quer ser um Milionário. Foi uma surpresa para o mundo da arte cinematográfica.

são as mais vulneráveis. O estereótipo na Índia é que as únicas mulheres infectadas com o HIV são as prostitutas, quando na verdade menos de 1% das mulheres infectadas são prostitutas. Contudo o governo da Índia tem voltado seus esforços de conscientização para as prostitutas e outros grupos tidos como de risco, como os gays e os motoristas de caminhão. (KAMDAR, 2008:298).

O homossexualismo é proibido por lei no país desde 1861 (Código Penal Indiano, Parágrafo 377) e muitos alegam que este fator estaria aumentando o risco pois os gays ficam fora das campanhas governamentais.

Mais grave ainda é a situação da mulher na Índia: para casar deve pagar um dote que muitas vezes acaba deixando a família endividada. Se fica viúva, é amaldiçoada e passa a ser vista como um fardo. Se estiver contaminada pelo vírus da Aids a maldição é dupla, pois ela e os filhos, contaminados ou não, são expulsos pela família. A Índia tem um sistema patriarcal. As mulheres são vistas como uma sobrecarga para a família e a violência contra elas é comum, a não ser que ela tenha a boa sorte de entrar para uma família considerada “respeitável”. Existe ainda o caso de meninas que são levadas de uma região para outra, onde falta homens, e são obrigadas a casar com um homem e seus irmãos. Essas mulheres são chamadas de Draupadis, lembrando uma figura mítica do Mahabharata, que se casou com cinco irmãos. Na Índia, a quantidade de mulheres alfabetizadas é de apenas 54%, contra 76% para os homens, pois elas serão sempre as últimas dentro da família a serem escolhidas para freqüentarem a escola ou uma universidade. A família que não tem condições financeiras, se tiver de investir, será sempre nos meninos e nunca nas meninas que, aliás, um dia vão deixar a família para viver com os sogros. Se o pai gastou com a sua instrução isto será levado em conta na escolha do noivo. As escolas da Índia funcionam na maior parte ao ar livre com as crianças sentadas no chão. Quando existe um prédio, as salas não trazem carteiras e são todos reunidos no chão e escrevem com o caderno sobre as pernas. Não existem banheiros, o que é bastante humilhante quando uma delas quer fazer suas necessidades. Nas escolas, os meninos sempre têm a preferência. Mas isto é pouco ao lado do infanticídio feminino:

Matar bebês do sexo feminino é um costume antigo na Índia. Em algumas áreas do país, essa é uma profissão especializada. Mais frequentemente contudo, é a mãe da criança que se encarrega de livrar-se da menininha indesejável, sufocando-a ou estrangulando-a. De modo geral, o infanticídio feminino é praticado por pessoas pobres a ponto de se sentirem incapazes de criar uma menina, que apenas tomará deles, sem nunca lhes dar nada em troca. O feticídio feminino, a pratica de abortar os fetos do sexo feminino, é a versão moderna desse flagelo. Com o advento da tecnologia moderna, agora as mulheres grávidas podem saber antes do parto o sexo da

criança que estão gestando. Se o feto for mulher, a mãe pode ser pressionada a abortar. ... evitar ter filhas e a despesa de um grande dote. (KAMDAR,2008:302).

Realizar o ultra-som com o objetivo de saber o sexo do feto e provocar o aborto é uma prática ilegal na Índia e muitos médicos são punidos pela prática, mas o problema tem