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2 HOSPITALIDADE E HOSPITAIS – REVENDO CONCEITOS

2.5 A HOSPITALIDADE NOS HOSPITAIS: OS FUNDAMENTOS DO RECEBER,

2.5.3 Entreter

Camargo (2004, p. 53), um dos autores que oferece suporte ao estudo no quesito hospitalidade, apóia a idéia de que, mesmo os dicionários restringindo a noção de hospitalidade ao leito e ao alimento, “resulta óbvio que receber pessoas implica entretê-las de alguma forma e por algum tempo, proporcionar-lhes momentos agradáveis”.

O fato do cliente de saúde encontrar-se fora do seu lar, da sua casa, em um lugar estranho, sem seus pertences e sua rotina, a internação causa impactos na sua vida, demandando, além de cuidados médicos, atenção, amabilidade, a hospitalidade que deve estar permeada na cultura da instituição hospitalar.

Conforme Camargo (2004), o entreter configura-se como uma das características da hospitalidade, o que pode ser melhor compreendido quando Godoi (2004, p. 72) faz o seguinte comentário:

Introduzir atividades de lazer e cultura em hospitais, vem de encontro com a necessidade humana do lúdico para tornar menos desgastante e traumatizante a estada em ambientes estranhos ao lar.

Uma sala de eventos, por exemplo, existente na maioria dos hospitais, pode ser destinada a oferecer palestras destinadas aos pacientes e seus acompanhantes. Além das palestras que podem ser oferecidas, Godoi (2004) refere-se às atividades culturais, de entretenimento e lúdicas, como outras opções que podem ser oferecidas pelas instituições de saúde para fazer da estadia dos pacientes e acompanhantes um momento onde seu bem-estar seja contemplado. Dentre essas atividades, o autor cita as apresentações musicais ou teatrais, a apresentação de filmes, oficinas manuais, pequenas bibliotecas, sessões de exercícios

monitorados por profissionais da fisioterapia ou da Educação Física, leituras realizadas para os pacientes, jogos de xadrez ou dama, levando sempre em consideração as restrições médicas impostas a cada um dos pacientes. As brinquedotecas são também relevantes para quando da internação de crianças, as quais, por não entenderem a sua condição, precisam de um estímulo.

Quando se fala em leituras realizadas para os pacientes, estas podem contar com a colaboração de voluntários e ainda com a existência de uma mini-biblioteca, onde os pacientes, acompanhantes e demais clientes de saúde tenham acesso. Uma biblioteca pode ser constituída através de doações, o que não requer grandes investimentos por parte do hospital na composição de um espaço destinado a esse fim.

Já para as pessoas que vão aos hospitais para uma consulta, para marcação de exames, acompanhantes que não são da cidade onde está localizado o hospital, têm nos passeios pela cidade mais uma alternativa. Estes passeios podem ser a oportunidade para conhecer a história, os atrativos histórico-culturais, naturais, da localidade, indo além das paredes do hospital. Se o hospital não oferece diretamente os passeios deve, pelo menos, contar com pessoal apto a fornecer informações sobre a cidade e do que pode ser feito e visitado.

Momentos de lazer são importantes nas vidas das pessoas, independente do ambiente onde estão inseridas. Segundo Meister (2005, p. 14), o lazer é

uma atividade realizada pela pessoa que se integra, por vontade própria, com os mais diversos motivos, desde descansar, divertir-se, entreter-se, formar-se, participar socialmente, e para o desenvolvimento de sua criatividade, em uma comunidade. O lazer é uma ferramenta do convívio humano, responsável pela canalização de potenciais humanos, com o intuito de complementar seu próprio ser individual e social.

Nos hospitais não é diferente. Pelo contrário! A prática do lazer nessas instituições surge como uma forma de, como foi apresentado por Meister (2005), canalizar o potencial das pessoas, distraí-las durante o tempo em que estiverem em contato com o hospital.

Além do reconhecimento das necessidades dos clientes de saúde, os próprios funcionários devem ser reconhecidos como a fonte provedora dos serviços prestados, devendo, portanto, ser considerados quando se fala em entretenimento. O entretenimento, nesse sentido, pode ser vislumbrado em atividades como ginástica laboral, na existência de um espaço para o descanso dos funcionários, onde estes possam sentar, conversar, ler, a fim

de que possuam um ambiente de trabalho saudável, onde possam trabalhar sem sentirem-se tensos, cansados. Precisam ser constantemente motivados.

Essas atividades são iniciativas simples e nem sempre dispendiosas para a instituição, uma vez que não necessita espaços grandes, mas sim pessoas dispostas a trabalhar em conjunto com os pacientes e seus acompanhantes para oferecer a eles momentos de diversão e entretenimento, permitindo que a hospitalidade seja uma condição no tratamento dispensado ao cliente de saúde.

O Hospital Santa Catarina, em São Paulo, oferece aos seus funcionários a oportunidade de participarem do seu grupo de teatro, responsável pela elaboração de peças que depois são apresentadas aos pacientes em datas específicas, como Páscoa e Natal. Essa é uma forma de integrar funcionários, proporcionar a eles momentos de lazer e ainda estruturar o entretenimento para os clientes de saúde.

Conforme complementa Boeger (2004, p. 71), a instituição já conta com muitos dos profissionais que poderão desenvolver este tipo de prática, como nutricionistas, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, os quais podem palestrar sobre diferentes temas. As instituições de saúde poderão, ainda, incluir no seu quadro de funcionários profissionais da Educação Física e do Turismo, os quais, pela sua formação, podem trabalhar com mais ênfase a questão do entretenimento e da animação.

Uma das atividades que não necessita de grandes espaços para acontecer e que já vêm sendo uma tendência em alguns hospitais de Porto Alegre, são voluntários que visitam os hospitais, muitos deles estudantes de Faculdades de Música, que levam a música para dentro dessas instituições.

Além disso, alunos do Curso de Musicoterapia da EST (Escola Superior de Teologia), em São Leopoldo, também já vêm desenvolvendo trabalhos com pessoas doentes, inclusive pessoas na terceira idade de lares de idosos da região.

Segundo reportagem apresentada no Globo Repórter, dia 20 de outubro de 2006, a música colocada na UTI de um hospital de São Paulo para os pacientes proporcionou uma redução de 40% do uso de calmantes entre estes. Uma das entrevistadas, que ficou internada na UTI desse hospital e que passou pelo tratamento com a música, disse que além do medicamento oral, intravenoso, tinha o medicamento pelo ouvido.

Essa é uma prática simples e comprovada, não demandando muito tempo dos funcionários, pois estes selecionam as músicas e colocam para os pacientes. Segundo a

funcionária entrevistada e que apareceu nesta reportagem, disse que o hospital entende que os pacientes precisam sentir-se o mais próximo possível de casa. A partir do momento que esta concepção é do entendimento do grupo, é aberta mais uma porta para a hospitalidade.

Não só a Musicoterapia, mas também a presença de voluntários pode trazer contribuições para os hospitais. Muitos hospitais, por exemplo, já contam com grupos que visitam e trazem um pouco mais alegria às pessoas internadas, como é o caso dos Doutores da Alegria, ONG que atua em hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, e dos Médicos do Sorriso, que desenvolvem seu trabalho na Unimed de Caxias. Estas práticas podem se tornar uma realidade em qualquer hospital, independente deste ser público ou privado, desde que haja abertura por parte da administração para o trabalho desenvolvido por voluntários, estes amparados por profissionais do hospital.

Até mesmo hospitais públicos, como o Hospital São Camilo, localizado na cidade de Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre, já desenvolve algumas atividades de lazer. Este hospital, conforme pode ser observado em Anexo 2, desenvolve o projeto “Visita Cultural”, que conta com a participação de um grupo teatral para proporcionar às pessoas internadas, familiares e funcionários da instituição, momentos de alegria e entretenimento.

Tudo isso porque

A predisposição mental e física influencia diretamente o lado psicológico do paciente provocando uma melhora no quadro geral ao encontrar vias de escape que o auxilie durante o período de melhora a resgatar sua saúde. (BOEGER, 2004, p. 73)

Além do trabalho desenvolvido pelos Doutores da Alegria no Brasil, o Gesundheit! Institute, criado e coordenado por Hunter Patch Adams, que deu origem ao filme “Patch Adams - o amor é contagioso”, trabalha fundamentado na idéia de que a medicina praticada hoje pode ser praticada com humor e com amor ao próximo. Patch Adams, juntamente com uma trupe de palhaços, viaja o mundo inteiro, visitando áreas em situações de pobreza, epidemia, guerras, espalhando entre as pessoas a alegria como uma forma de prevenir e tratar doenças.

O Gesundheit! Institute tem como missão “trazer de volta aos serviços de cuidado à saúde a diversão, amizade e alegria”16, sendo que todos os pacientes são tratados como amigos

e a saúde da equipe que integra o instituto é valorizada de igual forma que a saúde dos pacientes é valorizada. Para tanto, a equipe ideal que se procurava para integrar o instituto 16 GESUNDHEIT! INSTITUE. Disponível em: <http://www.patchadams.org/home.htm>.

eram pessoas alegres, engraçadas, amorosas, que cooperassem e que fossem criativas. O ponto da questão não é treinar as pessoas que fazem parte do instituto a agirem dessa maneira, mas sim encontrar pessoas que tenham nesses princípios sua forma de vida.

Se esse tipo de atividade age diretamente no psicológico do paciente e dos acompanhantes, podendo influenciar no seu comportamento, até mesmo influenciando na sua cura, por que não investir no bem-estar a eles proporcionado por estas simples práticas?