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Entrevista concedida a autora por Roberto Birindelli, ator e diretor do espetáculo Il Primo Miracolo, da Cia do Bebê, de Porto Alegre, em maio de 2007.

ROBERTO BIRINDELLI, ator, diretor, participa desde 1990 de projetos, cursos, oficinas e encontros ligados à pesquisa da construção da presença cênica, dentre eles: Le Théâtre de la Nature Humaine

(Pedagogie d´un enseignement) - Jacques Lecoq, PARIS, 1991; Open Week - Odin teatret – 1991,

Dinamarca; Usina do trabalho do ator - Pesquisa de 30 horas semanais envolvendo estágios supervisionados por Carlos Simione e Luis Otávio Burnier – Lume, 1992 - 95 em P. Alegre; trabalho de graduação no Departamento de Arte Dramática da UFRGS com Orientação de Maria Helena Lopes, resultando no espetáculo O Primeiro Milagre do Menino Jesus apresentado no Brasil e exterior; cursos e projetos com Potlach (Itália - Fara Sabina), Curso com Daniele Finzi Pasca (Sunil - Suíça) em São Paulo; Curso O Corpo Suspenso - Victor Varela (Cuba) em P. Alegre; participação na 8ª Sessão Aberta da ISTA -Tradições e Fundadores de Tradições em Londrina; Poética e Gramática

do Mimo Corpóreo com Thomas Leabhart (California-U.S.A.) em P. Alegre, Retiro para o estudo do Clown – Lume, Unicamp, em 1996; Encontro da ISTA The performer´s bios e o simpósio The whispering winds on theatre and dance; Encontro técnico - prático com a presença de Dario Fo e

Franca Rame, Thomas Leabhart, Odin Teatret, Jerzy Grotowski, entre outros, em 1996 na Dinamarca; participa em Citta Invisibile - projeto internacional coordenado pelo Teatro Potlach (Itália) realizado em Liverpool e Birkenhead, participa do espetáculo Invisible cities, em Morpeth Dock – Merseyside, Estocolmo, e Roma; funda em 1997 o Centro de artes “El Patio de Arte & Cultura” onde ministra a oficina-treinamento permanente Trabalho preparatório para portar máscaras, em P. Alegre; participa do curso Teatro da cumplicidade - Clown e bufão com Philippe Gaulier, em P. Alegre, participa do X

Encontro de Teatro de Grupo, com Eugenio Barba, onde ministra a oficina Artes y oficios del director,

em 1999, Argentina.

Melize – Roberto, eu queria que você falasse sobre a escolha do texto:

Como foi a escolha? Por que montar Dario Fo hoje no Brasil?

Roberto - Começou na Interpretação 6 e no meu trabalho de Conclusão do curso

de Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. Então, na verdade, o texto não foi o início. Precisava ter um trabalho individual. Eu já tinha lido alguns textos do Dario Fo e já tinha utilizado uns trechos de “Morte Acidental de um Anarquista”, de “A Tigresa” e de outros textos dele para exercícios de aula. Este texto estava em um livrinho que é da coleção Brasiliense e que se chama “Morte Acidental de um Anarquista e outras peças subversivas”, onde tinha “A Tigresa” e o “Il Primo Miracolo”. Quando eu li, eu rolei de rir e disse: “Não, tem que ser um idiota pra montar” e larguei de mão. Ok. Alguns anos depois no trabalho de conclusão, precisava ter um monólogo. Eu busquei para cá, busquei para lá e não tinha. O meu projeto original era fazer um Pulcinella que foi recusado, por que a Maria Helena Lopes, com quem eu queria realmente fazer o trabalho de conclusão, me disse: “Olha, tu tens um semestre e em um semestre tu não montas um Pulcinella”. Hoje eu sei, mas na época eu não sabia. Não sabia o que fazer e ela me sugeriu assim: “tu tens um trabalho codificado, tu tens um material de ator, partituras, por que tu não coloca isto ‘a serviço de um texto?’ ”. Tá, mas o que pode

ser? Aí eu fui lá buscar de novo e caiu o texto na minha mão mais uma vez. “Então tá aqui o idiota que vai montar o ‘Il Primo Miracolo!’”. Aí eu comecei a ler e o processo foi ler muitas, muitas vezes, até eu entender o que ele falava para mim. O que isso significava. [...]∗

Então, depois de ler muitas vezes, eu guardei o texto na gaveta e fui para a sala com o que sobrou. Eu confio muito na intuição. O trabalho de improviso e o trabalho de exaustão, o trabalho corpóreo, me fez ficar amigo de coisas que eu não entendo com a cabeça. Trabalho muito bem com coisas que eu não consigo dar nomes, que eu não consigo entender, e deixo andar pra ver o que é. Então eu vou com o que tenha sobrado do que eu li, do que eu entendi, e passo a improvisar livre, com o que eu sei: com o samurai, commedia dell’arte, dança dos ventos, um trabalho para recuperar os meus materiais de partituras e daqui a pouco eu vejo que tem alguma conexão, mas falta um eixo central. É quase como uma ilustração não imitativa. Eu tinha o molho, mas eu não sabia ainda se ia ser um bife, faltava o eixo da coisa. Eu tinha os temperos. E aí caiu a ficha. “Il Miracolo” fala de uma sagrada família que sai de Belém. O que isto tem a ver com a gente? É claro! Nós temos um monte de “sagradas famílias”, que são nordestinos que saem do nordeste para buscar emprego em São Paulo! Isso é um ponto de partida! E aí, é claro, me veio direto as imagens do Portinari. Eu peguei toda a série dos retirantes nordestinos: “O ciclo do café”, “O menino morto”, “As lavadeiras” e os “Retirantes”. Olhei muitas vezes toda a série, a linguagem, os homens, as figuras deformadas e comecei a trabalhar sobre isso. Pena que você não está gravando em vídeo [levanta e começa a fazer as partituras], mas no site [http//www.ilprimomiracolo.com.br] você pode ver as figuras. Do quadro “O menino morto”, vieram várias seqüências.

Melize - É claro que os quadros do Portinari estão presentes na estética do

espetáculo, nas imagens, mas elas são muito dinâmicas e codificadas. Codificações de um gesto presente no quadro em diversos outros, formando o movimento, a partitura.

Roberto – [Demonstra] Uma mulher que está com o menino morto, outra mulher que

ampara e outra mulher que chora. Juntei uma música da resistência chilena [canta, pois não existe música mecânica no espetáculo]. E aí tem toda a dinâmica da fuga para o Egito e a dinâmica “horrível” dos quadros do Portinari. Isso ajudou assim: o texto [de Dario Fo] já de início te propõe uma luta interna, porque a dinâmica do Portinari é “horrível” e o texto é hilário.

Melize- Os quadros do Portinari transpiram melancolia e os textos do Fo transpiram

comicidade.

Roberto: É isso! Eu te proponho uma charada. Uma que te faz rir e uma que te

deixa apreensiva. Então o que é proposto é um trabalho interno, de escolher o tempo todo de que lado tu vais ficar. Inseto ou inseticida. O que é interessante, é que muitas vezes tu te deixas ser inseticida e aí tu te cobras, por exemplo: a história do rei negro, o camelo, o rei velho que escorraça o camelo, e aí tu te pegas rindo de uma coisa que tu não gostarias.

Melize- Através da oposição.

Roberto- Sim. O espetáculo ficou assim, mas isto não está presente no texto

original. É uma suscessão de armadilhas, que conforme mais ou menos consciente, tu te deixas levar. E aí tem muitas imagens da commedia dell’arte, uma salada de coisas que com o tempo, é claro, foi dando uma organicidade. E aí tem uma diferença com o trabalho do Julio, que eu conheço, mas eu não sei bem claro, que é: onde cada um está no meio do narrador. Talvez pelo próprio texto do Fo, quem conta a história [no caso de “A descoberta das Américas”] é o sobrevivente da visita às Américas, portanto, existe um personagem dialogando com o espectador e no “Il Primo Miracolo” não tem. Existe o performer o tempo todo. É o Roberto que está dialogando contigo e juntos vamos construir uma ficção a partir deste trabalho. E aí existe um jogo duplo, porque sim, a história vai mudando, mas o jogo com o espectador também vai mudando, através de coisas que aparecem no momento. Há uma coisa verdadeira sendo dialogada. E uma ficção que te leva à uma metáfora de outras coisas. É uma diferença que o texto propõe. Não estou dizendo que é melhor, nem pior.

Melize – Claro! Voltando um pouquinho, quais os elementos que você vê no trabalho

prático do Fo, que permanecem nos textos dele, e por conseqüência, saltam aos olhos no seu trabalho? Claro, existem elementos da commedia dell’Arte, do Teatro de Situação...

Roberto – O Teatro de Situação, a imaginação do espectador. O que o Barba

[Eugenio] pinça do trabalho do Fo para a Antropologia Teatral é a omissão. O que é? Ele omite algumas coisas, e com um pequeno gesto, ele te conta toda uma situação. O essencial.

Melize- O essencial.

Roberto- É que as palavras são complicadas. É claro que não vamos confundir com

o “Teatro Essencial” da Denise [Stoklos] que é outro caminho. Porque o Fo joga uma humanidade que eu não vejo no trabalho da Denise. É outra questão. A imaginação. O Fo diz que a imaginação é um músculo que gosta de ser exercitado. Então vamos deixar ele exercitar. Em nenhum momento eu te dou a estória completa. Se tu não colocar a tua cabeça pra funcionar, ela não tem sentido. Ele é propositalmente aberto e incompleto pra que a tua subjetividade que é diferente da do outro, termine de costurar. Então isto é lindo, pois tu vê reações muito diferentes na platéia. Se eu digo chicote, tu podes imaginar pelo menos dois caminhos diferentes, conforme o lado do chicote que tu te imaginas. E eu jogo com esta dubiedade. É isto que me interessa. Por que eu jogo com este espaço circular, com a platéia iluminada? Por que é muito interessante que as pessoas se vejam nos momentos diferentes em que elas estão.

Melize – Suas reações.

Roberto – As reações. Então, é um espaço único, porque não há palco ou platéia,

nem um status quo, a ditadura daquele que está lá em cima.

Roberto – Tudo igual. Então tu lidas com o mesmo nível de luminosidade, sem uma

roupa, sem uma maquiagem, sem nada de especial, sem trilha sonora, sem nada. Eu tiro qualquer elemento que possa dar uma conotação cênica. São pessoas, e juntas, estas pessoas podem fazer alguma coisa. É isso que eu trouxe da “essencialidade”. Também existe muita coisa do grammelot, dos dialetos. Não dialetos, pois a gente não tem aqui.

Melize- Temos os sotaques.

Roberto – Claro! Os sotaques. O estrangeiro, os tipos sociais que vem da

commedia dell’Arte. A relação do soldado com o paulista engravatado que vai trabalhar, pois estamos falando de nordestinos que vão para São Paulo. Então, os pastores que vão a choupana, que tem um sotaque nordestino e que pensam muito na terra; o mineiro que é desconfiado, que é a figura do São Tomé. É todo um universo que a gente tem e que modifico em cada lugar. Em cada lugar eu tento remontar o perfil da sociedade que eu encontro. É por isso que eu pergunto antes qual é o grupo social segregado e vou montando isto.

Melize – Você faz uma pesquisa prévia em cada lugar?

Roberto – Eu faço uma pesquisa. Porque eu vou me relacionar com essa

sociedade, então o que interessa não é só o que eu digo, é o que o espectador escuta através da realidade dele. Se eu quero dizer laranja e encontro uma realidade amarela, eu tenho que dizer vermelho, pois junto com esse amarelo desta sociedade, vai dar o laranja que eu quero dizer. E é assim em cada lugar que eu vou.

Melize – E quanto ao texto? Você modifica as palavras ou somente a intenção ao

dizê-las?

Roberto – Não. Quase nada. Criei uma ou duas coisinhas. A tradução que tinha no

Brasil, naquela edição da Brasiliense, era impossível. Então eu peguei de livros dele [do Dario Fo], de vê-lo ao longo dos anos. Claro, eu estreei com a tradução da Brasiliense, muito ruim [por ser literária]. Alguns anos depois, fui modificando, e hoje é uma tradução minha, uma adaptação minha, um pouco diferente do texto, mas com elementos equivalentes.

Melize – Há uma liberdade na maneira de contar e não na modificação do texto em

si?

Roberto - Não só modifico a maneira de contar, como modifico as personagens!

Porque na Suécia, por exemplo, falar de racismo, é muito diferente do que falar sobre isso em São Paulo. Mas a estrutura se mantém sempre. E como ela já está tão codificada e tão orgânica para mim, que eu não preciso pensar, eu posso brincar do que for. Por exemplo: eu apresentei em uma favela muito violenta em São Paulo que nem a polícia entra. Como é que eu ia me relacionar com isso? Aí conversando, chegamos a conclusão que somos todos “fodidos” dentro de uma favela. Então eu disse: “eu vou contar a história de um ‘fodido’ que chegou em uma cidade que ninguém conhecia ele, que tinha uns ‘amigos’ que não falavam com ele, e inventou histórias pra ser reconhecido.”

Melize - Mas você disse isso no prólogo?

Roberto – Eu disse isso no prólogo! Foi bárbaro! Primeiro que eles entenderam que

era um “fodido” que inventou de fazer milagre pra ser aceito pelos amigos. Então isso é que ficou parecido com eles.

Melize – E até onde vai este contato com o público, Roberto? Ele pode interferir

diretamente?

Roberto – Direto. Eles cantam junto. Tem três músicas. Uma é um “mico”. Então eu

estabeleço essa relação já no prólogo. E quando eu conto a história, eu propositalmente “esqueço” algumas palavras. “Como se chama aquele bastão que tem os bispos? E aquele chapéu?” E fica claro que eles podem se meter a qualquer momento, e eu me viro, claro, para responder. Primeiro eu levei uns três meses só trabalhando as situações. Isto tem a ver com os pastores, isto tem a ver com Maria. Primeiro a corporeidade no relacionamento com as figuras, depois é que eu fui para o texto. Então, mudando para a construção civil, mesmo porque Dario Fo também é arquiteto, eu vou fazer uma catedral. Mas de que? Eu não sei. Eu vou fazer uma catedral em Barcelona, então tem pedras brancas porque isto tem a ver com Barcelona, e talvez alguns espelhinhos de cristal cortadinhos em homenagem a Gaudí. E eu ainda não fiz nada de catedral. Eu só preparei o material para a construção. E quando os materiais são jogados para cima, vão se organizando na queda, e aí eu vou construindo a catedral, a minha catedral que tem a ver com Barcelona. E foi assim que eu comecei a montar o espetáculo. Essa é a metáfora de como o espetáculo foi feito.

Melize – Eu queria saber como é essa autodireção. Você tem um olhar de fora? Roberto – É horrível. Uma merda. Porque o pior problema de uma autodireção é

que tu não tens ninguém que pensa diferente de ti.

Melize – Para te questionar, para te estimular...

Roberto – Exato. Esse é o pior. Porque quando eu peguei o texto, tiveram coisas

que eu tive que cortar, pois eu achava que iam “matar a pau” e isso não acontecia, ou o contrário, retomar coisas que eu achava que não iriam funcionar.

Melize – Era isso que eu ia lhe perguntar, pois a partir daquilo que você viu que

funciona ou não (com o seu corpo, com as suas ações) você vê o que pode funcionar no texto. É uma relação contrária com o texto.

Roberto – É contrário porque é como um roteiro de clown. Se as pessoas não riram,

não funciona! Aí eu pensava: isso aqui eu vou cortar! Mas hoje são os melhores momentos.

Melize – E isso só dá pra ver no contato com público.

Roberto – Só no contato com o público. Eu fiz dois ensaios abertos que já deu para

modificado e continua até hoje, depois de quinze anos. Claro que não é uma gambiarra. Pois você sabe, é claro, que improvisação significa duas coisas completamente diferentes. Uma coisa é improvisar, como os italianos falam, te jogar para o imprevisto, pra juntar materiais. Outra coisa é um trabalho não técnico segundo um monte de grupos, “à la louca”: “eu tive que improvisar porque saiu tudo errado”. Eu estou falando de buscar coisas que a tua mente não conhece para incorporar ao teu trabalho. Criar sentido através de algo imprevisto.

Melize- Improvisação também pode ser em um nível interno...

Roberto – E é na sala de trabalho e não no espetáculo, como acontecia na

Commedia dell’arte. O pessoal diz: é uma comédia de improviso. O c...! Eles tinham tanto material e tantos lazzi prontos pra jogar, que eles diziam: “ah, este lazzo funciona, então eu vou fazer agora”. É que nem uma cozinheira que tem cinqüenta anos fazendo um molho maravilhoso e um dia achou um coentro e resolveu colocar dentro. Ela está improvisando? Não. Ela fez o que já tinha feito há anos atrás, e agora viu de novo que podia repetir aquilo. Então, eu tenho um material guardado de quinze anos, e para essa platéia em São Leopoldo vai servir o que eu fiz em 1994 na Bélgica.

Melize - Eu queria que você falasse um pouco sobre o trabalho de clown, o trabalho

com as máscaras, pois eu sei que você tem um contato com isso. Como isto reverbera no “Il Primo Miracolo”?

Roberto – O Dario também vem de um trabalho mascarado, de uma tradição. O que

acontece é que o trabalho com máscaras tira a expressão do rosto. O Decroux também partiu da mesma coisa. Ele pegou uma camiseta preta, botou na cabeça dos caras e disse: “Ó gente! Sem a expressão do rosto o que é que nós vamos fazer?” Isso dá uma corporeidade maior, uma expressão maior.

Melize – Leva a intenção e a expressão também para o resto do corpo.

Roberto – Exato. E não só isso. Leva para um caminho diferente de entendimento.

A palavra no Dario [Fo] tem muito mais a ver com ação vocal do que com o conteúdo da palavra. Mesmo por que ele fala em dialeto e de milhões de dialetos, tu podes conhecer alguns e, em gramellot mesmo, que é uma língua inventada. Primeiro ele explica na língua local a história que vai ser contada e depois faz. Eu não explico a história, eu faço direto. Eu tenho o prólogo, que é muito clownesco, pois serve para sentir no momento este somatório de espectadores.

Melize – É o “prólogo inteligente” de que fala Dario.

Roberto – Os Colombaioni dizem: os primeiros minutos do clown no picadeiro é

para escutar, não para fazer. Você tem que saber se é um público intelectual, se é um público “emo”, se é um público humilde. Essa é a medida. Não existe isso: “hoje o público não estava acertado com a peça”. É a peça que não estava acertada com o público. Então ele tem que ser ouvido. E você vai jogando anzóis e conforme o que vem nos anzóis, tu sabes que isca tens que usar. Esse é o “prólogo inteligente” para mim.

Melize – E o trabalho com o Lecoq? Em relação a comunicação gesto – palavra? O

que você apreendeu e utiliza?

Roberto – A mímica. O Dario também trabalhou com Lecoq. A precisão da mímica.

A precisão de meio gesto que significa muita coisa. Porque tem uma diferença brutal entre a mímica e a pantomima. A pantomima diz respeito à forma, e a mímica diz respeito ao sentido. Então tu aderes ao sentido. No mimo: [faz o gesto ilustrativo] eu quero sair contigo para nadar. Isso é uma pantomima que tem nos Arlequins. É lindo, é bárbaro! Mas no “Il Primo Miracolo” não tem nenhum gesto imitativo. “Ó, te ligo depois” [faz gesto imitativo]. Nada. São gestos que significam. Tem uma palavra mágica no teatro simbolista que significa: me parece. Isto me parece tal coisa e não, isto é tal coisa. Mas no momento que tu dizes me parece, não é o “parece”. Porque quando tu dizes “me”, a tua subjetividade já foi envolvida. Então, eu te dou um molho suficientemente agridoce para tu não saberes do que é feito. Para tu dizeres: “isso me parece uma comida que a minha avó fazia”. Pronto, estás no anzol. Então, eu te digo algo que mexe com o teu emocional. Tem diferentes coisas neste molho para que diferentes pessoas possam se identificar de maneira diferente. E desse caldo é que sai esta relação. O que vem do Lecoq é o uso do corpo de uma maneira não cotidiana. Do Eugenio [Barba] também, do Lume, do trabalho com “A usina do trabalho do ator”. Mas do Lecoq vem muito o jogo, que não é tanto uma característica do trabalho do Eugenio. E é um somatório de coisas, mas o que mais ensina, é a estrada.

Melize - E você tem um treinamento permanente ou o seu treinamento é o próprio

processo de montagem, os ensaios.

Roberto – Não, porque agora eu dirijo um treinamento aqui e quando eu posso, eu

faço. Mas o meu treinamento mais violento é criar um filho que agora tem sete anos [risos]. Quando eu treinava sete horas por dia, eu não terminava tão exausto quanto