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Entrevistas: aspectos metodológicos

2.3 Subgrupo entrevistado: a dimensão qualitativa

2.3.2 Entrevistas: aspectos metodológicos

É sabido que as entrevistas são instrumentos amplamente utilizados nas Ciências Humanas e Sociais, conjugando-se em diferentes posicionamentos teóricos e diversificando- se em seus objetivos e modalidades. A opção por um determinado tipo de entrevista não é neutra e se justifica pela própria problemática de pesquisa, pelas interrogações feitas e pela busca de estratégias adequadas para chegar às respostas possíveis.

Lahire (2002) afirma que as entrevistas podem se tornar um importante meio para a reconstrução de certos processos sociais porque permitem a coleta de dados de caráter biográfico e histórico. O autor ressalta que elas são circunstâncias particulares construídas a partir da condução das interações entre pesquisador e pesquisado. Essas interações são tratadas pelo autor como “situações sociais singulares”, que se diferenciam de outros tipos de relação social. Numa situação de entrevista, tanto pesquisador quanto pesquisado trazem consigo seus esquemas de percepção, construídos nas experiências sociais particulares por

eles vivenciadas ao longo de suas trajetórias de vida. As entrevistas são, segundo esse mesmo autor, definidas pelo modo como o pesquisador conduz o processo de investigação.

Neste estudo, a opção por entrevistas semidiretivas apoiou-se no pressuposto da complexidade do objeto investigado, das dinâmicas e múltiplas realidades configuradas nas relações entre pais e filhos e pais e escolas. Em razão dessa complexidade, optou-se por construir um roteiro de temas amplos e flexíveis que dessem margem, ao longo da realização das entrevistas, à sua ampliação ou modificação, sem um engessamento numa estrutura rígida e inflexível, propiciando a liberdade necessária para que os sujeitos entrevistados não apenas informassem, mas também se posicionassem sobre as questões abordadas. (Cf. Apêndice B- Roteiro das entrevistas com os pais; Apêndice C- Roteiro das entrevistas com os filhos). Partindo de evidências, reveladas pelos estudos do campo da sociologia (MONTANDON, 2001; SIROTA, 1998), de que a criança não é passiva nos processos educativos que vivencia e de que é capaz de interpretar suas experiências e (re) construir estratégias que podem conduzir a mudanças na relação com os pais e com a escola, assim como na relação entre pais e escolas, optamos por entrevistar, além dos 40 pais professores, pelo menos um filho de cada família, compondo um total de 80 entrevistas. Acreditamos ser essencial ouvir os filhos dos sujeitos selecionados, conhecer seus pontos de vista, o que pensam sobre o próprio processo de escolarização, sobre as práticas educativas que lhe são destinadas, como vivenciam a experiência da escolarização, quais são seus sentimentos, suas idéias, percepções, expectativas e ações.

As entrevistas com os filhos foram realizadas individualmente, de modo a lhes permitir maior liberdade para se expressar sobre sua escolarização. A permissão para as entrevistas era, em geral, solicitada aos pais, quando do término da entrevista realizada com eles. Dessa forma, os pais já tinham maior clareza do seu conteúdo e o esperado era que se sentissem mais à vontade para autorizar a participação dos filhos, cuja idade variava de 6 a 15 anos.

Pode-se afirmar que, de um modo geral, o acesso ao grupo pesquisado não foi difícil, pois minha inserção como professora durante mais de 20 anos na rede pública e particular do município de Itaúna me proveu de um capital social que facilitou a identificação e o contato com os pais professores. Embora, algumas vezes, os sujeitos contatados demorassem a agendar a entrevista, a dificuldade maior residiu na pequena disponibilidade de tempo dos professores que enfrentam uma extensa carga horária de trabalho36 e não à indisponibilidade

para conceder a entrevista em si. De modo geral, foram necessários vários contatos telefônicos para agendar o encontro, tanto com os genitores quanto com seus filhos, tornando lenta a pesquisa de campo, que se estendeu por quase dois anos. De fato, os sujeitos pesquisados não chegaram a interpor entre eles e o pesquisador a falta de tempo como uma dificuldade intransponível, sendo que, ao final de três ou quatro contatos, a entrevista foi sempre realizada.

A duração das entrevistas com os pais professores — que foram gravadas, mediante a autorização dos informantes, para garantir a maior fidelidade possível dos depoimentos — variou de uma a duas horas. Com os filhos, a duração das entrevistas — também gravadas — ficou entre 40 e 90 minutos. Em sua grande maioria, as entrevistas com os pais professores foram realizadas em finais de semana ou feriados e aconteceram, na maior parte das vezes, na residência dos entrevistados, sendo poucos os casos que ocorreram no local de trabalho, ou seja, nas escolas em que lecionam. Nos casos em que as entrevistas aconteceram nas escolas, os professores alegavam ter horários vagos e que gostariam de aproveitar esse tempo para conceder a entrevista. Por sua vez, as entrevistas com os filhos aconteceram também, em sua maioria, na residência dos próprios entrevistados, sendo que, em alguns poucos casos, foram realizadas na escola em que as crianças estudavam ou na residência da pesquisadora.

Antes de iniciar as entrevistas, procurava-se relembrar, junto aos entrevistados, os objetivos da pesquisa e assegurar o anonimato dos mesmos, mediante a omissão ou o uso de nomes fictícios quando da divulgação dos resultados do estudo. Eram também solicitadas aos pais algumas informações para a confirmação dos dados obtidos através da aplicação do questionário (Cf. item 2.1): dados pessoais dos membros da família; informações relativas à origem social, à configuração familiar e ao tamanho da prole, e informações sobre o exercício da docência (rede e escola de atuação, carga horária de trabalho e disciplinas lecionadas). Nas entrevistas com os filhos, procurava-se, também, explicar, em linguagem acessível à idade do entrevistado, os objetivos da pesquisa e solicitar alguns dados iniciais, como idade, série e escola frequentada. Essa conversa inicial com os entrevistados foi bastante positiva porque contribuiu para quebrar o constrangimento inicial da entrevista deixando os sujeitos mais à vontade para responder às questões propostas.

As entrevistas foram transcritas em sua totalidade, preservando as tonalidades da fala do entrevistado, tendo em vista que uma transcrição não constitui um ato mecânico de passar para o papel o discurso gravado do informante. Segundo Bourdieu (1999), o pesquisador deve considerar, de algum modo, os silêncios, os gestos, os risos, a entonação de voz do informante durante a entrevista. No caso desta pesquisa, essas “nuanças” foram muito importantes no

momento da análise e ajudaram a compreender o contexto no qual os depoimentos foram enunciados.

3 DINÂMICAS DE AÇÃO FAMILIAR: A CONFIGURAÇÃO DE TRÊS

GRUPOS DE FAMÍLIAS

As pesquisas atuais sobre as práticas educativas familiares têm mostrado a importância de se compreender, mais profundamente, o trabalho de acompanhamento parental da vida escolar dos filhos (KELLERHALS e MONTANDON, 1991; BOYER e DELCLAUX, 1995; DUBET, 1991; TERRAIL, 1997; VIEIRA e RELVAS, 2005). Atualmente, não consideramos mais as famílias como simples reprodutoras da estrutura social, mas como espaços de construção de projetos relativamente autônomos, elaborados a partir dos recursos instrumentais, afetivos, sociais e culturais mobilizados nas relações familiares. A esse conjunto de recursos chamaremos “dinâmicas de ação familiar”. O reconhecimento — fundamentado na literatura citada — de que existem, no seio de uma mesma categoria social, diferentes dinâmicas de ação familiar, possibilitou identificar, dentro do grupo de quarenta pais e mães professores(as) pesquisados(as), dissonâncias e consonâncias que se revelaram à medida que a análise dos dados coletados pelas entrevistas possibilitou o desvelamento de práticas educativas das famílias.

As famílias são tomadas neste trabalho, como realidades complexas nos seus múltiplos significados — cultural, social, político e psicológico —, que estão em constante mudança. Utilizando o termo “dinâmicas de ação”, tenta-se responder a essa complexidade, tendo em vista que os pais/mães professores (as) entrevistados (as), inseridos em seus grupos familiares, constroem dinâmicas estruturadas e estruturantes em relação aos processos educativos vivenciados cotidianamente. Desse modo, entende-se que não se pode separar família-sujeito- trabalho e que o objetivo de compreender práticas educativas de pais professores só pode ser alcançado se pensamos os sujeitos com base em sua inserção em diversos contextos de ação e se compreendemos esses sujeitos e seus papéis a partir de seus entrelaçamentos sociais, culturais, profissionais e familiares.

Para identificar as dinâmicas de ação familiar desenvolvidas nos processos de escolarização dos filhos, foram utilizados quatro eixos de análise e seus respectivos indicadores. Esses eixos foram definidos por meio de um cruzamento entre o estudo da literatura consagrada sobre o tema, a análise dos dados quantitativos coletados na primeira fase da pesquisa (a partir dos questionários) e os dados qualitativos que emergiram dos contextos dinâmicos das entrevistas realizadas com os pais professores e seus filhos. No

primeiro eixo, estão “sentimentos, percepções e expectativas dos pais professoresem relação à escolarização dos filhos”; no segundo, trata-se das “estratégias de investimento para a construção de projetos de vida para os filhos”; no terceiro, estudam-se as “práticas concretas de acompanhamento da vida escolar” e, finalmente, “a interação com a escola e com os professores dos filhos”. Esses eixos foram constantemente confrontados com os perfis sociológicos já traçados envolvendo características demográficas e socioeconômicas, estilos de vida e práticas culturais dos grupos familiares pesquisados.

No primeiro eixo, três indicadores foram utilizados: a) previsão da duração dos estudos, b) projetos de futuro profissional e pessoal para os filhos e c) percepção da ação educativa parental.

No que diz respeito ao segundo eixo, os dados foram analisados a partir dos indicadores: a) escolha do estabelecimento de ensino e b) investimentos na escolarização.

O terceiro eixo discute os indicadores: a) dinâmicas familiares, b) acompanhamento das tarefas escolares e extraescolares, c) estratégias de apoio escolar e d) utilização de conhecimentos e informações sobre a escola.

O último eixo traz à tona análises sobre aspectos relacionados às modalidades de contatos estabelecidos pelos pais professores com a escola e com os professores dos filhos.

O fato de proceder à análise dos dados a partir de determinados eixos de análise tem a vantagem de trazer à tona, de modo mais vívido, traços e aspectos marcantes das relações estabelecidas pelas famílias com a escolarização dos filhos. É relevante ressaltar que os eixos de análise não serão apresentados isoladamente ou de modo estanque, nem tampouco numa sequência pré-determinada; eles surgirão, no texto, de modo transversal, possibilitando a apresentação de cenários nos quais as dinâmicas de ação familiares irão se configurando.

Uma análise acurada desses eixos desvelou aspectos marcantes que contribuíram para a compreensão das lógicas e dinâmicas parentais em matéria de educação, e levaram à configuração de três grupos de pais professores com dinâmicas diferenciadas de ação familiar. Tais grupos foram se revelando à medida que os eixos de análise e os seus respectivos indicadores foram sendo aplicados aos dados coletados nas entrevistas. Homogeneidades, heterogeneidades, coerências e contradições foram sendo identificadas nas práticas educativas das famílias e, recorrendo-se a um trabalho intenso de análise, tornaram-se elementos-chave para a identificação de três diferentes grupos de pais professores com “dinâmicas de ação familiar” próprias, que, a seguir, serão minuciosamente apresentadas.

a) Famílias fortemente orientadas para o sucesso escolar: grupo composto por 24 famílias;

b) Famílias fortemente orientadas para a realização pessoal: grupo composto por nove famílias;

c) Famílias voltadas para o sucesso escolar, mas sem recursos para fomentá-lo: grupo composto por sete famílias.