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Mobilização, esforço e tensão: a escola como projeto de vida

3.1 Grupo 1: Famílias fortemente orientadas para o sucesso escolar

3.1.2 Práticas educativas e relação com a escola

3.1.2.1 Mobilização, esforço e tensão: a escola como projeto de vida

Eles vão ter uma vida melhor do que a nossa.

No centro dos projetos de vida das famílias do grupo 1, está a escolarização dos filhos. O lugar central dado à escola na vida familiar é bastante visível nos relatos dos pais e mães professores (as) do grupo. A atitude educativa desses pais tem o foco na realização de projetos escolares estabelecidos até mesmo antes do nascimento dos filhos:

Antes da A. e do J. nascerem, nós já havíamos planejado tudo, tudo. Eu já sabia onde eles iam estudar, sabe? Em qual escola, e até o horário [risos]. Nossos planos pra eles foram feitos logo que nos casamos. Nós pensamos: Vamos ter dois filhos, e programamos tudo. Abrimos uma poupança só para a universidade. Tá tudo planejado. ( Mãe professora de Matemática , dois filhos)

É engraçado isso. Parece até exagero nosso, mas, quando eu me casei com o B [cônjuge], antes de engravidar, nós fizemos muitos planos. Pensamos em ter apenas um filho, e já programamos o futuro dele. Depois veio o B. [filho]. A nossa vida foi muito difícil, eu tive que trabalhar muito pra poder estudar. Meus pais não tinham condições de ajudar. Com o B.[cônjuge], foi a mesma coisa. Então, a gente quer que eles tenham uma vida melhor do que a nossa. ( Mãe professora de Ciências, dois filhos)

Eu tenho muita preocupação com isso, ter dois filhos é uma opção mesmo. Filho é muito caro. Eu tenho uma preocupação muito grande... Eu me desgasto muito porque, depois que casei, tudo é direcionado pra eles, antes até do nascimento. Bom, eu direcionei 80% da minha vida para os meus filhos. Na barriga da mãe eu já fazia as contas, sabe? [risos] Eu acho que eles roubam a vida da gente, mas, se eu fiz a opção de ter, tenho que ter tudo na ponta do lápis, tudo planejado. Eu tenho que cuidar e cuidar bem do futuro deles, em relação a escola que é o principal, então, nem se fala. (Pai professor de Ciências, dois filhos)

Veja bem, essa coisa de projeto e planejamento familiar é coisa séria pra mim. Pra minha esposa também. No princípio, ela não entendia muito bem, eu explicava com paciência. Hoje ela concorda comigo, não temos condição de ir vivendo a vida sem planejar, vai tudo por água abaixo. Nós tivemos apenas dois filhos, você sabe, mas foi opção nossa mesmo. Eu falava pra C.: Olha, se vamos ter dois filhos, temos que nos preparar. Antes deles nascerem, eu já sabia que eles iam estudar no C.S. Você trabalhou lá e sabe por quê, né? Então eu me preparei pra isso. Quero que eles estudem no melhor colégio. Então, haja economia pra isso. Nós fizemos uma poupança pra cada um. Antes deles nascerem, a poupança já existia. O M. já passou no vestibular da federal. Vai estudar lá, mas ficar em Belo Horizonte fica caro. Se a gente não tivesse a poupança, não ia ter jeito. O F. ainda é novinho, mas estamos nos preparando pra isso também. (Pai professor de Ciências, dois filhos)

O malthusianismo tão comum, hoje, nas classes médias brasileiras (CARVALHO e BRITO, 2005) está também evidenciado de modo contundente nas dinâmicas familiares de ação desse grupo, pois, como demonstrado nas características demográficas acima, apenas três dos pais professores desse grupo, têm mais de dois filhos. A opção por um ou dois filhos é explicada pela grande maioria dos sujeitos como fruto de um planejamento familiar estrito, definido logo que a união foi estabelecida. As estratégias de fecundidade das classes médias, segundo Bourdieu (1979), repousam, de modo particular, numa relação desigual entre recursos e oportunidades de ascensão social. Desse modo, a discrepância entre renda e oportunidades de ascensão baixam a taxa de fecundidade para o mínimo. Para proporcionar aos filhos meios de realizar as ambições projetadas, os pais reduzem ao máximo a prole, podendo assim, concentrar seus esforços e investimentos. Os argumentos explicitados nos relatos são, na maioria, relacionados ao alto custo de vida atual e à necessidade de um planejamento para o futuro dos filhos.

Eu sempre quis ser mãe, sempre quis ter uma família e um filho eu acho pouco, eu não queria ser filha única. Não sou filha única, tenho três irmãos e é muito bom. Então eu gostaria de ter uma família maior. Então decidimos ter dois filhos, porque mais do que dois também fica difícil. Se fosse olhar o desejo, eu queria ter três pelo menos. Mas eu sou consciente e sei que não dá. Mas as condições de educar um filho hoje... bom, não é fácil não, pagar uma boa escola, saúde, tudo é difícil. Nós preferimos ficar só com dois e poder investir mais neles. (Mãe professora de Ciências, dois filhos)

É... a ideia inicial era ter um filho só. O segundo foi assim, escapulido mesmo. Não tive mais por comodidade mesmo. Quando a gente tem um filho, tenta dar do bom e do melhor pra ele. Assim, em termos de escolaridade mesmo, de conforto. Como a gente, eu e T. [cônjuge], não somos abonados. Eu sou professora, e ele é motorista. Nós somos assalariados, a gente não tem aquele padrão de vida, vamos dizer abonados, não é? Então, o segundo não foi assim tão planejado, mas foi muito querido. Depois dele, decidimos não ter mais filhos. O T. fez vasectomia, e ficou tudo resolvido. A gente não queria mais porque para educar, não só na escola, mas pra educar pra vida também, é muito trabalhoso. Pensa... a gente quer que eles tenham mais condição de vida, mais chances do que a gente teve, então precisa de investir pra isso. Esse é o nosso pensamento. Ainda mais que eu sou professora e sei como uma boa escola faz diferença, e uma boa escola custa dinheiro [risos]. É isso. (Mãe professora de Geografia, dois filhos)

Eu tenho três filhos. Bom, acho que foi opção, sim. Nenhum deles foi sem pensar não. Mas eu tive os três logo no início do casamento, e eu não sabia nada da vida. Eu amo demais os meus filhos e não me arrependo de jeito nenhum, mas, se eu estivesse começando hoje, não teria três não. Não é fácil criar três filhos. Olha, o M. [cônjuge] trabalha muito e eu também. Só com escola gastamos bem mais de mil reais, isso porque a R. [filha, 17 anos] já está na federal, mas ainda não começaram as aulas. Acho que os nossos gastos vão subir bem mais. Mas é muito pesado mesmo. E tem saúde, tem mais um punhado de coisas. Se fosse hoje, eu teria

planejado mais. Mas, de todo jeito, valeu a pena. Eles são ótimos meninos, vão bem na escola e tudo. (Mãe professora de Matemática, três filhos)

Optamos por ter apenas um filho. E foi a opção certa porque não é fácil educar filho hoje em dia não. Nós optamos mesmo antes de casar, porque o N. [cônjuge] também preocupa com isso e com as condições que nós temos, eu professora e ele é técnico de fundição. Então, pra gente dar um bom futuro pra eles, nós pensamos em ter um filho só. Tanto que ele estuda em escola particular, assim a gente pode pagar o melhor pra ele. E também ter filho custa muito dinheiro hoje em dia... (Mãe professora de Geografia, um filho)

Os depoimentos mostram a clareza dos pais quanto à opção de ter um número reduzido de filhos e os motivos que fundamentam esta opção. Eles estão conscientes disso e conversam sobre o assunto com os filhos, como pode se pode depreender do discurso das crianças:

Eles [os pais] sempre me falam que não me deram um irmão por causa do meu futuro. Eu acho que eles têm razão, mas eu gostaria de ter um irmão, pelo menos. Ah, mas tem vantagem, né? É tudo pra mim, né? [risos]. Eles pagam uma boa escola desde que eu estava no jardim [educação infantil] e eu tenho do bom e do melhor. Tenho que ralar pra merecer, mas vale a pena. (Filho, 13 anos)

Eu acho que é porque eles [os pais] querem dar o melhor pra gente. Eles falam isso com a gente. Então, se tivesse muitos filhos, ficava difícil, né? Só com dois é mais fácil. Se a nossa família fosse grande, acho que eu não estudava no colégio [escola de grande porte da cidade]. (Filha, 10 anos)

As famílias desse grupo deixam transparecer uma forte tensão em relação ao futuro dos filhos. Quando o assunto é projeto de vida ou planejamento para o futuro, a escola é sempre a maior preocupação em todas as 24 famílias. A ambição desses pais é que os filhos percorram uma trajetória longa de escolarização, culminando com os estudos universitários. Eles pretendem que seus filhos adquiram um capital escolar igual ou superior ao seu39. Assim, direcionam seu trabalho educativo no sentido de incentivar nos filhos o desejo de uma formação universitária em instituições públicas, de alto prestígio. Eles conhecem a hierarquia das instituições de Ensino Superior e a rentabilidade de seus diplomas.

39 Os pais professores desse grupo são, em sua maioria, formados em instituições de Ensino Superior privadas do interior do estado e, portanto, menos prestigiosas. Dois deles se formaram na PUC-Minas e os outros 22 sujeitos cursaram a graduação em três instituições: Faculdade de Pará de Minas, Universidade de Itaúna e Centro Universitário de Formiga (item 3.1.1.4).

É claro que eu quero que eles façam uma faculdade. Mas não é qualquer faculdade. Eu quero é... nós fazemos tudo pra isso. Nós damos boa escola, exigimos estudo e responsabilidade. Eu quero que eles façam uma federal, não precisa ser em BH, mas que façam uma federal. Sabe por quê? Eu estudei aqui em Formiga [formada em Ciências Biológicas na UNIFOR], e eu só me dei conta disso, quando fui fazer uma pós na PUC. É diferente demais. Não devia ser, né? Mas é muito diferente formar na PUC, e principalmente numa federal e formar no interior, sabe? Eu fiquei muito perdida. Os colegas falavam as coisas, e eu pensava: Meu Deus, eu não estudei isso, eu não sei nada disso. Eu fiquei muito assustada na época, foi um choque de realidade, sabe? Eu achei que eu era boa, sempre fui muito estudiosa e vi que sabia muito pouco. É assim, de onde é o seu diploma? Faz diferença isso. Tive que correr atrás. Então, eu não quero isso pra um filho meu, não. Eu não tive condições de tentar uma federal, mas eles vão ter. A gente discute muito isso, aqui em casa. (Mãe professora de Ciências, dois filhos)

A prioridade concedida aos estudos é algo indiscutível no caso dessas famílias, pois os projetos familiares são construídos tendo como pressuposto básico a formação universitária dos filhos. Nenhum dos pais professores entrevistados cogitou a possibilidade de estudos mais curtos ou de uma formação terminal de nível médio para os filhos. Os pais desse primeiro grupo apoiam os projetos dos filhos desde que esses projetos incluam a formação universitária. Nesse sentido, fica claro, nos relatos, o desejo dos pais de que seus filhos “sejam felizes”, que “construam a própria vida”, que sejam “boas pessoas” e que, para isso, o papel dos pais é fornecer uma “base sólida” para que o filho se desenvolva. De todo modo, a importância concedida por esses pais à escolarização e à busca por um futuro melhor para os filhos aparece como um fator determinante das dinâmicas de ação dessas famílias.

Em primeiro lugar, está a felicidade. Eu quero que a minha filha seja feliz. A mãe não mora aqui em Itaúna, e ela é criada comigo desde pequenininha. Então, sou eu que defino tudo, que faço planos para o futuro dela. Eu falo sempre pra ela: O importante é ser feliz. Eu quero que ela aprenda a se virar sozinha, que seja independente. Mas eu fico por trás. É como se a gente fosse uma rede de segurança pro filho. Então, eu acho que ela vai ter os projetos dela, mas não deixo totalmente livre. Coloco alguns limites, por exemplo, tem que estudar, e muito. Tem que fazer uma faculdade. Ela escolhe o curso, mas no mínimo, ela tem que fazer. Disso, depende o futuro dela. (Pai professor de Ciências, uma filha)

A minha mãe fala que é importante [ o estudo], que eu preciso, que é indispensável. É para eu arrumar um emprego, né? Pra eu continuar a vida depois da escola. Eu acho o mesmo que a minha mãe acha, depois é importante, que sem escola não dá. Eu falava pra minha mãe que o meu pai não estudou e que arrumou emprego, então, pra que estudar? [risos] Mas hoje, eu não penso assim não. Eu sei que é importante estudar, por exemplo, meu primo que é muito mais novo do que o meu pai é chefe dele, entende? Porque ele estudou, é engenheiro e o meu pai não é, ele não estudou, né? Eu penso agora igual a minha mãe, precisa estudar, é importante! Mas eu acho muito chato. Só que eu acho que não consigo fazer igual o meu irmão não, ir pra federal, sabe? Vou tentar, mas se não der, eu vou fazer aqui em Itaúna mesmo

[universidade privada], é isso. De qualquer jeito, eu tenho que fazer a faculdade. A minha mãe fala que eu posso fazer o que quiser, mas tem que fazer a tal da faculdade [risos]. Como eu falei, eu não gosto de estudar, mas é na escola que a gente aprende a ser alguém na vida. Então, eu vou na escola, mesmo sem gostar, não falto de jeito nenhum [risos]. (Filho, 14 anos)

No conjunto dos relatos, fica evidente que a preocupação principal dos pais desse grupo é assegurar o sucesso escolar presente e futuro de seus filhos e, por isso, os genitores se mobilizam fortemente nesse sentido.

3.1.2.2 Escolha do estabelecimento de ensino: estratégias minuciosas para decisões