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Capítulo 3 Metodologia

3.3 O corpus e o percurso da pesquisa

3.3.2 Dados gerados

3.3.2.1 Entrevistas

As entrevistas qualitativas têm relevância ao propiciarem o acesso a pessoas, as quais podem contribuir com diferentes estudos ao exporem suas opiniões, ao avaliarem as ações delas mesmas ou de outros, ao relatarem como consideram um determinado problema social ou como vivem em um determinado problema social. Outra razão é que “embora as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as representações de tais experiências não surgem das mentes individuais; em alguma medida, elas são o resultado de processos sociais” (Gaskell, 2005, p. 71).

Um tipo de entrevista mais apropriado para este estudo (amplamente utilizado em pesquisas sociais / qualitativas) é a ‘semiestruturada’. Em vez de ‘aplicar questionário’ para ‘informante’, a entrevista semiestrutura empreendida com sucesso deve desenvolver-se como uma conversa que não seja tensa, com uma linguagem adequada à participante ou ao participante da pesquisa (que deve poder falar com a maior liberdade possível) e atender aos objetivos da investigação. Mason (2002) tem opinião semelhante. Distinguindo entre as possíveis variações de estilo e tradição, ela sugere quatro pontos em comum sobre as entrevistas qualitativas (semiestruturadas): 1- o diálogo; 2- o estilo informal; 3- um tema

central136; 4- o foco em contexto relevante para que o conhecimento situado possa ser produzido137.

É valido destacar aqui a reflexão de Magalhães (2006) sobre as perspectivas de diálogo e de informalidade. Essas duas pretensões metodológicas que cooperam para o bom andamento da entrevista simulam uma relação entre pesquisadores/as e participantes, pois há uma questão de poder entre eles/elas na qual o controle de turno, a condição de fazer perguntas e obter respostas, de determinar os tópicos, é via de mão única138. O estabelecimento de rapport139é uma recomendação de princípio ético140 na relação entre pesquisadores/as e participantes da pesquisa (Magalhães, 1986). Sendo assim, busca-se contrabalancear o poder via rapport.

Outras orientações devem ser observadas, por exemplo: a necessária relação entre as perguntas das entrevistas e as questões de pesquisa; a seleção criteriosa, detalhada e justificada de quem será entrevistado/a; o emprego de pseudônimos para não identificar as pessoas141; o cuidado com as perguntas para que elas sejam ‘abertas’ (evitando respostas ‘sim’ ou ‘não’) e livres de pressuposições; a utilização de um ‘tópico guia’. Gaskell (2005) comenta que a utilização de um ‘tópico guia’ evita perguntas inadequadas assim como permite que os temas centrais a serem abordados possam aparecer na entrevista com mais segurança, pois quem está fazendo a pesquisa tem a possibilidades de levar os tópicos consigo em uma folha e fazer uso quando sentir necessidade e como forma de monitorar o andamento da entrevista (questões apresentadas, tempo de resposta). A entrevistadora ou o entrevistador deve manter a atenção, também, para temas importantes que surjam durante a conversa. Dessa forma, aproveita-se o instante da discussão e o tópico guia poderá ser modificado para outra(s) entrevista(s).

Alguns procedimentos práticos são também sugeridos por Gaskell (2005), para os momentos que antecedem a entrevista: ter em mãos o tópico guia e testar o aparelho de gravação; para o início: fazer comentários elementares sobre a investigação, agradecer ao/à

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Desenvolvido de maneira flexível e também permite o surgimento de temas inesperados que se correlacionem.

137

Com base na perspectiva de que o “conhecimento é situado e contextual” (Mason, 2002, p. 62). 138

A esse respeito, Mason (2002, p. 80) diz que “o/a entrevistador/a exerce poder sobre o/a entrevistado/a durante e depois da entrevista, por exemplo, em direcionar a agenda e em controlar os dados”. Ela observa também que a relação de poder pode ser diferenciada também quando o/a entrevistado/a for uma pessoa com muito poder e começar a controlar a agenda.

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Refere-se ao estabelecimento de uma relação de segurança e confiança entre pesquisador/a e participante de pesquisa (Gaskell, 2005).

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A ética é fundamental para o desenvolvimento de pesquisas e para os procedimentos do/a pesquisador/a. 141

Exceção pode ocorrer quando se tratar de autoridade constituída (figura pública), como, por exemplo, ministros/as ou deputados, cabendo justificativa caso se decida pela identificação do/a entrevistado/a.

entrevistado/a, explicar a necessidade / utilidade da gravação; durante o transcorrer da entrevista: manter atenção em quem está falando (participante/s da pesquisa) e demonstrar isso, bem como ao andamento da conversa em relação ao tópico guia, saber que poderão ocorrer pausas de reflexão para as respostas, manter o ‘ambiente’ descontraído; para o final, agradecer novamente e, depois de desligar o gravador, perguntar se ela ou ele deseja dizer algo a mais.

Um exemplo de procedimentos (que não se pretende rígido ou fixo) para a preparação de uma entrevista qualitativa é fornecido por Mason (2002, p. 69-72), no qual a elaboração do chamado ‘tópico guia’ (Gaskell, 2005) é abordada, de certa maneira. Reproduzo, a seguir, a figura que resume os procedimentos. Comento os passos de maneira sintética na sequência.

FIGURA 8: Resumo do procedimento de planejamento e preparação para entrevistas qualitativas

(Mason, 2002, p. 72)

O primeiro passo é relacionar as principais questões de pesquisa; o segundo é subdividi-las. A etapa de número 3 consiste em transformar ‘aquilo que realmente se deseja saber’ (considerando as mini questões de pesquisa) em possíveis tópicos e questões para a entrevista142. Na fase 4, procura-se fazer uma referência cruzada para saber se a relação já estabelecida é satisfatória, se a ordem inversa atende a necessidade de ajudar a responder às grandes questões de pesquisa. O quinto passo sugere o desenvolvimento de ideias para a entrevista que tenham formato ou estrutura flexível. Também é possível produzir um guia para assuntos chaves ou questões que se deseje discutir. O sexto passo trata da possibilidade de incluir questões ou seções padronizadas para a entrevista, a exemplo de uma questão que se deseje perguntar para todo o conjunto de participantes; também se pode padronizar comentários finais (por exemplo). A última etapa consiste em uma checagem cruzada para garantir que tanto a estrutura flexível, quanto as padronizações (se questões ou seções) atendem devidamente aos possíveis tópicos e questões (do passo 3).

142

Não se trata de um script, mas da reflexão preparatória para a interação na entrevista.

Passo 1 Grandes questões de pesquisa Passo 2 Mini questões de pesquisa Passo 3 Possíveis tópicos e questões de entrevista Passo 5 e 6 Estrutura ou formato flexível de entrevista incluindo quaisquer questões ou seções padronizadas Passo 4 Referência cruzada Passo 7 Referência cruzada

Com o objetivo de possibilitar uma visualização mais prática, apresento, a seguir, algumas das principais questões que foram feitas a participantes desta pesquisa143, as quais serão transformadas em ‘tópico guia’ para ser usado no momento das entrevistas144:

Como você falaria sobre essa situação145 para alguém que não tivesse conhecimento sobre ela?

Por que essas pessoas estão morando nas ruas?146 • Quem são elas?

O que você acha delas? De onde elas vêm? O que elas fazem? Onde elas ficam? Como elas vivem?

O que você sente quando vê uma dessas pessoas? O que você acha dessa situação?

Quando ela começou?

O que pode acontecer por causa dessa situação?

Você acha que alguma coisa deveria ser feita em relação a essa situação?147 • O que deveria ser feito?

Quem deveria fazer?

O que impede que essas ações sejam realizadas? Como esse impedimento pode ser superado? De que forma você teve conhecimento sobre essa situação?

Houve alguma outra forma de ter obtido informação sobre isso?

Você já leu sobre isso em jornal, em revista, ou viu na televisão ou na Internet? O que você entende por igualdade social?

Qual é o papel do Ministério do Trabalho em relação à situação dessas pessoas?148 • Há algo mais que você gostaria de dizer?

Após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética, iniciei os contatos com as pessoas que poderiam ser participantes, considerando as características já estabelecidas. Parte das comunicações para falar sobre o projeto e convidar para as entrevistas foi realizada por telefonemas; parte por e-mail e telefone (deputado); parte em contato face a face; e uma entrevista foi concedida pelo intermédio de uma participante (a entrevista com o médico).

Embora eu sempre tenha sido bem atendido, não foi fácil conseguir espaço na agenda das pessoas, ou contar com a contribuição de todas que convidei. As entrevistas aconteceram em diferentes ambientes. Sempre que possível procurei sentar-me ao lado da pessoa para

143

Com as adequações necessárias, acréscimos ou subtrações, a depender das pessoas entrevistadas. 144

Depois de realizar as entrevistas, as descrições do processo associadas com as devidas reflexões serão registradas nesta Seção. O ‘tópico guia’ também constará neste trabalho.

145

Para evitar o pressuposto de que é um ‘problema social’. 146

Todas as perguntas que receberam um recuo foram feitas quando a pessoa não as tinha abordado na resposta à questão principal.

147

É, de certo modo, um pressuposto, mas que fica minimizado quando o indivíduo indique a necessidade de se fazer algo nas respostas anteriores. Também provoca a reflexão e pode trazer dados relevantes.

148

Questão específica para indivíduos específicos. Sendo assim, ‘Ministério do Trabalho’ será alternado por outro Ministério; ‘Congresso Nacional’; ‘Justiça’; ‘médicos/as’; ‘assistência social’; ‘polícia’.

favorecer a informalidade e evitar a subjetivação de hierarquias, assim procedi sentado no meio-fio de um estacionamento, em bancos de praça e de escola; de maneira semelhante, também utilizei uma mesa redonda e em outro momento uma grande mesa de reunião, sentado ao lado da pessoa entrevistada em uma das extremidades. Como as entrevistas eram realizadas no local de trabalho, de estudo ou de passagem dos participantes, na maioria das vezes o lugar da conversa já estava relativamente previsto. Assim, em boa parte dos casos, fui atendido na própria mesa de trabalho da pessoa, ou em pé no balcão do estabelecimento comercial.

Certamente houve dificuldades para conseguir as entrevistas. Em época de articulações para candidaturas e campanhas para as prefeituras, e considerando a agenda que me informavam de deputados e deputadas em Brasília (de terça à tarde até quarta à noite ou quinta pela manhã), não foi fácil para ouvir o ‘sim’ de um único deputado (embora tenha estabelecido contatos com diversas assessorias por telefone, correio eletrônico e até mesmo nos gabinetes). A participação de transeuntes também não foi simples – a pressa, os compromissos e os horários dificultavam a participação. A estratégia foi interpelar alguém que andava com mais calma ou tinha acabado de se sentar em bancos da área comercial onde transitavam.

A rápida apresentação do projeto por telefone, correio eletrônico ou pessoalmente era ampliada por meio da entrega do ‘Termo de consentimento livre e esclarecido’ (Apêndice C – exigência da Resolução 196/96 CNS/MS), no qual constam justificativa, objetivos, procedimentos e resultados esperados da pesquisa, além de espaço para a assinatura de quem participava e da minha, como responsável pela pesquisa. Uma via ficava comigo e a outra via com a pessoa. Fiquei com algum tipo de contato das pessoas participantes (principalmente e- mail) para depois encaminhar os resultados da pesquisa.