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Capítulo 3 Metodologia

3.1 Pesquisa qualitativa

3.2.2 Uma proposta metodológica em ADC

Incorporando as perspectivas de vida social, de crítica, de discurso, Chouliaraki e Fairclough (1999) apresentam uma proposta para o desenvolvimento de pesquisas em ADC (que também pode servir às ciências sociais) com base na ‘crítica explanatória’124 proposta por Roy Bhaskar (1986). Em 2003, Fairclough desenvolve um trabalho centralizado na teorização para análises textuais e sugere como um método para as pesquisas essa mesma proposta (na qual a análise textual é uma parte). Reproduzo, a seguir, uma síntese apresentada por Fairclough (2003, p. 209). Logo após, apresento uma explanação das escolhas e procedimentos desta pesquisa com relação à proposta metodológica.

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Essencialmente, a ‘crítica explanatória’ focaliza um problema, os obstáculos e funções desse problema e as possíveis formas de remover os obstáculos (Chouliaraki e Fairclough, 1999).

1. Focalizar um problema social que tenha um aspecto semiótico. Iniciar com um problema social em vez da convencional ‘questão de pesquisa’, de acordo com o propósito crítico dessa abordagem – para produzir conhecimento que possa conduzir à mudança emancipatória.

2. Identificar os obstáculos a serem atacados, por meio da análise: a)da rede de práticas dentro da qual está localizada

b) da relação de semioses com outros elementos dentro da(s) respectiva(s) prática(s) particular(es)

c)do discurso (a semiose) propriamente dito: (i) – análise estrutural: a ordem de discurso

(ii) – análise textual / interacional – tanto a análise interdiscursiva quanto a análise linguística (e semiótica).

O objetivo aqui é compreender como o problema se apresenta e como ele é enraizado no modo em que a vida social está organizada, focalizando nos obstáculos para sua resolução – naquilo que o torna mais ou menos intratável.

3. Considerar se a ordem social (rede de práticas) de alguma maneira ‘necessita’ do problema. O ponto aqui é questionar se aqueles que são mais beneficiados com a maneira em que a vida social está agora organizada têm um interesse de que o problema não seja resolvido.

4. Identificar possíveis formas de superar os obstáculos. Este estágio na proposta é um complemento crucial para o estágio 2 – ele procura possibilidades que ainda não foram realizadas para a mudança no modo como a vida social está organizada naquele momento.

5. Refletir criticamente sobre a análise (1 - 4). Isso não é exatamente parte da crítica explanatória de Bhaskar. Todavia é um importante acréscimo, o qual requer do/a analista a reflexão de onde ele/ela vem, como ele/ela mesmo/a está posicionado/a socialmente.

O problema social (1) que as pessoas que têm morado nas ruas vivencia foi o ponto inicial desta pesquisa. Como foi mostrado no Capítulo 2, não é um problema recente, o que é recente é a intensificação do problema. Brasília tem a ‘capacidade’ de possibilitar uma visualização diferente. Não é exatamente a quantidade de seres humanos que estão nessa condição que salta aos olhos, é o contraste. Como se pensássemos em placas de trânsito e percebêssemos o embate entre a cor preta e a amarela, assim, metaforicamente, é o contraste social. A opulência dos carros de luxo, da arquitetura reconhecida mundialmente, do poder político e econômico da capital do país, entra em colisão com a degradante e improvisada situação de moradia nas ruas, de quem revira contêineres ou depósitos coletivos de materiais descartados das quadras habitacionais ou comerciais em busca de materiais recicláveis, de quem atravessa as ‘asas’ da capital em cima de uma carroça, às vezes com crianças de colo; tantas vezes, a pé.

Evidentemente esse retrato da situação de rua só é possível porque existem práticas sociais que a geram e a sustém. Essa constatação instigou o interesse em investigar que

aspectos discursivos dessas práticas (e rede de práticas) estavam sustentando e contribuindo para a permanência do problema e sua intensificação. Uma possibilidade de desenvolver esse estudo seria por meio da etnografia, dando voz aos sujeitos, reconhecendo suas perspectivas e examinando que discursos estariam presentes em suas falas – o que é de enorme valor científico e social. Inclusive, pesquisas nessa linha têm sido desenvolvidas em um projeto de pesquisa registrado no CNPq, coordenado por Denise E. G. da Silva, da Universidade de Brasília, e também há um grupo ligado à Asociación Latinoamericana de Estudios del Discurso (ALED) preocupado em estudar situações de pobreza na América Latina, fazendo muitas vezes uso do método etnográfico (Silva, 2006).

A opção desta pesquisa foi em outra direção, objetivando mapear discursos que circulam socialmente e examinar quais deles exercem maior influência com relação à problemática social em questão. Por que esse problema social existe? O propósito não é ver o ‘local’ onde as coisas acontecem, mas examinar (discursivamente e correlacionando a outros elementos das práticas sociais) a construção social que propicia o acontecimento.

Torna-se claro que dar visibilidade a discursos e mecanismos ideológicos que sustentam a exclusão social pode contribuir para uma perspectiva de mudança, de emancipação.

Os obstáculos para serem atacados e superados (2) estão presentes inicialmente no Capítulo 2, no qual a perspectiva social é mais bem desenvolvida e outros elementos das práticas sociais (além do discurso) são apresentados. Nos Capítulos 4 e 5, as análises de textos são realizadas considerando as discussões anteriores e focalizando no discurso para lançar luz sobre os obstáculos que podem ser depreendidos na linguagem. Nesse entremeio, as ausências e silêncios também evocam discursos que precisam ser identificados; nesse ponto residem questões cruciais para a sustentação do problema. No momento sócio-histórico em que estamos, há ‘interditos’ que impedem ‘ditos’, explico-me: não é permitido socialmente a uma pessoa racista dizer que é racista, ou destratar outra raça, por exemplo, no entanto o racismo existe e pode aparecer na linguagem e também nos silêncios.

Procura-se, então, observar o ‘arraigamento’ do problema na estrutura social vigente e aquilo que impede que ele seja ‘arrancado’ (ou dificulta sua resolução).

Quem ‘necessita’ do problema? Qual a função do problema na prática? (3) Essas são questões importantíssimas, pois avaliam socialmente a ‘outra ponta’ do problema – quem são os beneficiários da miséria alheia? Para que serve essa calamidade125 pública? Os Capítulos 2,

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4 e 5 procuram responder tais indagações. Esses mesmos capítulos buscam apresentar possíveis formas de superar os obstáculos126 (4), bem como são resultados de análises e reanálises (5) do que foi pesquisado e redigido, agindo, assim, de maneira reflexiva e crítica. O penúltimo tópico (item 4) é construído no decorrer da tese e recebe atenção especial no espaço reservado para as considerações finais, sem descuidar da reflexividade e da postura crítica.