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3.2 O desenho da pesquisa

3.2.3 Entrevistas

As entrevistas são particularmente adequadas para o estudo da compreensão das pessoas sobre os significados existentes no seu mundo vivido, uma vez que descrevem suas experiências e a compreensão que têm sobre si ao elaborarem suas próprias perspectivas com respeito os fenômenos estudados,embora não exista um acesso direto à experiência vivida do indivíduo. Tal olhar é sempre filtrado pelas lentes da linguagem, gênero, classe social, raça e etnicidade (KVALE, 1996). De acordo com esse autor não existem observações objetivas, uma vez que estes estão socialmente situadas no mundo do observado e do observador. Os indivíduos raramente conseguem dar uma explanação completa das suas ações ou intenções: tudo o que podem oferecer são histórias, versões e contos sobre o que fizeram e o porquê (DENZIN; LINCOLN, 2006).

No início, entrevistamos 6 integrantes do PUG-PE com o objetivo de compreender a forma de articulação discursiva dos integrantes. Essas eram estruturadas em torno de uma conversa sobre a revisão da constituição e expansão do grupo. Isso era um ponto de partida para se explorar os discursos reiterados dentro do grupo. Foram conduzidas como uma lista de temas, em lugar de estruturação de questões e gravadas num dispositivo eletrônico móvel por meio do aplicativo Recorded Plus.

Nesse sentido, as entrevistas “são uma ferramenta útil para conseguir uma grande quantidade de dados de forma rápida [...] tem-se um feedback imediato e esclarecimentos são possíveis [...] e permite ao pesquisador compreender os significados que as pessoas operam no seu cotidiano” (MARSHALL; ROSSMAN, 1995, p. 80). Durante o processo de entrevista uma conexão é estabelecida com o usuário/desenvolvedor a partir da interação face-a-face. Logo, entendemos que os conteúdos absorvidos das entrevistas são suficientes para se entender como os atores constroem sentido no seu universo, e de que modo ocorre o processo de construção discursiva do grupo.

As limitações da entrevista como método são presentes quando os assuntos tratados são delicados ou desconfortáveis para os atores (MARSHALL; ROSSMAN, 1995). No entanto, o propósito do nosso estudo está entre os assuntos considerados “normais” em vez de controversos, podendo chegar, no máximo, a tópicos sensíveis que revelam contradições, paradoxos e fronteiras de certos argumentos – não ditos ou pensados.

Em essência, deixamos o entrevistado controlar o fluxo e o ritmo da discussão, a não ser que fosse necessário questionar algum ponto para esclarecimento. A maioria dos desenvolvedores e usuários são, principalmente, profissionais com curso superior completo, e estudantes engajados de classe média, com bom domínio da linguagem e do discurso, de modo que possuem conhecimentos de certos domínios e usam determinados conceitos e acrônimos que podem demandar a recorrência à esclarecimentos.

Marshall e Rossman citam questões de veracidade como um problema das entrevistas, ou seja, se o entrevistado não estiver falando a verdade (1995). No entanto, a semelhança de Hansen e Sorensen (2005), entendemos que os entrevistados não podem mentir, uma vez que o que escolhem dizer (independentemente de ser verdade ou não) é o que escolhem e querem que o entrevistador saiba, isto é, estão projetando sua identidade e demandas a partir de histórias e mitos que contam. Mentir, nesse sentido, revela mais do que dizer a verdade,e, mais importante, esse não é um obstáculo para o tipo de análise que estamos empreendendo nesse projeto.

No que diz respeito aos questionamentos elaborados, tivemos o cuidado de não fazer questões muito restritivas e predeterminadas. Rubin e Rubin (2011) definem três tipos de questões: as principais (main), as exploratórias (probe) e as de acompanhamento (follow up). As questões principais são a “espinha dorsal” da entrevista, uma vez que estruturam a entrevista, marcam o passo do dialogo e definem o ritmo da abordagem.

Num primeiro momento, as questões principais eram pautadas em torno de assuntos relacionadas às formas de ingresso dos atores no universo do SL e ao contexto da criação e organização do PUG-PE: quem eram os envolvidos, quais os papeis de cada um, como escolhem seus relacionamentos e como projetam a sua visão sobre a comunidade. Nessa linha podia-se passar ao segundo tipo de questões: as questões exploratórias que permitem que o assunto se desenvolva e se aprofunda. Uma terceira variedade de questões são as perguntas de acompanhamento. A oportunidade de questões de acompanhamento é uma clara a vantagem de entrevistas qualitativas e o que torna a entrevista a forma hegemônica de análise política.Questões de acompanhamento, para Denzin e Lincoln (2006)são sobre a exploração de narrativas parciais, não explicadas e descrições parciais do comportamento. No entanto, eles afirmam que esses quebra-cabeças talvez não ocorrem com o pesquisador durante a entrevista, mas sim depois da sua realização. Daí a importância de se entrevistar certos atores mais de uma vez de forma a ter-se a oportunidade de explorar o mesmo assunto de diferentes ângulos.

Entendemos esses requisitos de conduzir uma segunda leva de entrevistas com outros atores como uma forma a completar certas lacunas que aparecem depois de se familiarizar com os dados. Nesse caso realizamos mais 4 entrevistas com outros atores de forma a atendermos essas demandas. No entanto, a habilidade de fazer questões de acompanhamento, vem com a prática, e freqüentemente essas só se manifestam na fase de transcrição das entrevistas. Isso, por si só, já constitui uma razão suficiente para o pesquisador fazer a transcrição das suas próprias entrevistas de forma a revelar as dúvidas quando estiver conduzindo uma entrevista.

Os tópicos das entrevistas sãos reproduzidas abaixo na Figura 3e são exemplos de questões elaboradas durante o período das entrevistas. Mas nem todas percorreram, necessariamente, esse roteiro, uma vez que dependendo do tipo de entrevistado (usuários, desenvolvedor, novato, veterano) determinados tópicos eram acentuados. Além disso, existiram casos em que a entrevista com um usuário/desenvolvedor, que durou 1h: 44min

resultou num total de 5.603 palavras e outra que, devido a agenda apertada do entrevistado durou somente 32 min.

Figura 4 - Exemplo de uma lista de tópicos das entrevistas

 Como veio a conhecer o universo do SL.

 Conte a sua história do PUG-PE

 Como é que suas demandas se alinham com as da comunidade

 Como é a organização do grupo

 Suas impressões sobre as estratégias da comunidade e as sugestões para coisas que necessitam de melhoras e serem mantidas

Fonte: Elaboração própria (2013).

A escolha dos entrevistados resultou dos papeis que desempenhavam dentro da comunidade, sua participação na governação do grupo e na definição das estratégias. Alguns foram escolhidos deliberadamente pela posição de liderança que exerciam e pelo respaldado dos colegas.

Essa abordagem traz o debate de quantas entrevistas são necessárias. Seguimos a orientação de Kvale (1996) de que as entrevistas devem ser em número necessário para se descobrir o que se precisa saber. Depois de falar com uma gama de atores, em torno de 12 entrevistas, alcançamos a saturação em certas questões, particularmente aquelas relacionadas à constituição do grupo, sua organização interna e as estratégias de manutenção e expansão. Não era necessário para atingir a saturação em cada tema. No entanto, para poder identificar os antagonismos, os movimentos hegemonizantes e os significantes vazios foi necessário parar de fazer entrevistas e começar a ler e refletir.

Seguindo a orientação de Kvale sobre os seus estudos anteriores "teria lucrado mais commenosentrevistasno estudo,e tendomais tempo para prepararas entrevistase analisá-los"(Kvale 1996, p. 103).

Existem também as demandas éticas a considerar antes de se lançar nesse tipo de entrevistas: consentimento, confidencialidade e conseqüências (KVALE, 1996). Essas questões foram tratadas antes de iniciar as entrevistas. Tivemos o cuidado de pedir permissão para gravar todas as entrevistas, e confirmamos que não haveria atribuição

directa dos entrevistados na tese. Nos capítulos seguintes deste estudo todas as citações de entrevistas serão anônimos. Eles foram referenciados com um número no relato da transcrição, compondo um descritor de identidade simples representado como E1 e E6. Nas transcrições da lista de discussão, os nomes estão listados diretamente porque as informações contidas nelas já são de natureza pública.