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2.1 Compreendendo a lógica discursiva

2.1.2 Lugares do discurso, posições de sujeito e identidade

A discussão precedente aborda a questão de que os discursos tentam estruturar os signos como se todos tivessem um sentido fixo, permanente e inequívoco em uma totalidade estruturada. Lógica semelhante se aplica a práticas sociais com um todo, uma vez que agimos como se a "realidade" a nossa volta tivesse uma estrutura estável e a sociedade e os grupos representassem fatos inquestionáveis (LACLAU & MOUFFE, 2001). Mas, assim como a estrutura da linguagem nunca é totalmente fixa, sociedades, identidades e entidades também não podem ser vistas como estruturas completamente fixas.

Nesse sentido, Mendonça e Rodrigues (2008) entende que o objetivo da análise discursiva não está centrado em desvelar a realidade objetiva, no caso do estudo, descobrir como a comunidade PUG-PE "de fato" participam dos processos de produção de inovação, mas explorar como são criadas estas realidades para que pareçam objetivas e naturais e assim entrar no campo de disputas legitimas sobre a definição do campo em que estão inseridas.

Na teoria do discurso de Laclau e Mouffe (2001), portanto, o ponto de partida para uma trajetória de análise consiste na noção de que construímos a objetividade por meio da produção discursiva do significado, ou seja, por intermédio da construção contingente de equivalências entre diferentes elementos discursivos. Assim, esse processo de construção discursiva do objeto que deve ser o alvo de análise.

Nessa perspectiva, Laclau e Mouffe (2001) transformam a tradição marxista de três maneiras. Em primeiro lugar, eliminam a divisão entre base e superestrutura e compreenderam toda a sociedade em formação como produto de processos discursivos. Em segundo lugar, rejeitam a concepção marxista de sociedade, em que a sociedade pode ser descrita objetivamente, como uma totalidade constituída por determinadas classes (MENDONÇA & RODRIGUES, 2008). Os autores concebem a sociedade não como um fenômeno objetivo existente, mas como tentativa de determinados agentes de definir o seu significado, o que nos termos de Marques (2008, p. 112) significa que, “existe uma impossibilidade estrutural de representar a totalidade do espaço social como sistema sem exclusões”.

Em terceiro lugar e como resultado deste ponto de vista sobre a constituição do social, Laclau e Mouffe (2001) rejeitam a compreensão marxista de identidade e formação do grupo. Para o marxismo, as pessoas têm uma identidade de classe objetiva, mesmo que não percebam. Para Laclau e Mouffe não se pode determinar de antemão quais grupos se

tornarão politicamente relevantes. Ou seja, a identidade das pessoas (tanto coletivas como individuais) resulta de processos discursivos contingentes, e, como tal, constituem parte de lutas discursivas.

Entretanto, como podemos conceituar os atores que participam das tensões pela significação do software livre? Os estudiosos da abordagem de análise do discurso são críticos quanto à compreensão clássica ocidental do indivíduo como um sujeito autônomo (BOUCHER, 2008).

Visto isso, a identidade individual e coletiva é organizada de acordo com os mesmos princípios dos processos discursivos, conforme assevera Burity(1997). Nesse sentido, a categoria de sujeito é permeada pelo mesmo caráter faltoso, ambíguo, incompleto e polissêmico que a sobredeterminação atribui a todos os discursos de identidade (idem, p. 121).

A noção de sujeito no pensamento de Jaques Lacan não apenas evoca essa incompletude como também as tentativas por eliminar essa falta. Conforme defende Southwell (2008), o sujeito lacaniano é compreendido como ser dividido e alienado e se converte no lócus de uma identidade impossível, posicionando-se para além de toda a noção essencialista de subjetividade. Para o autor, a identificação simbólica é estruturada em torno da “aceitação” dessa falta constitutiva, nessa linha, a realidade é simbolicamente construída e articulada na linguagem.

No entanto, para melhor compreensão do conceito de „posições de sujeito‟, faz-se necessário reportar-se ao conceito de interpelação, como sugestão de Althusser (1987) no esforço por desenvolver uma visão alternativa ao entendimento clássico ocidental sobre o assunto. Os indivíduos são interpelados ou colocados em posições determinadas por formas particulares de falar ou mecanismos de “interpelação do indivíduo como sujeito” (ALTHUSSER, 1987, p. 101).

Se um desenvolvedor de software diz que prefere “Licenças de software GPL”, então ele será interpelado com uma identidade particular – a de oposição às restrições padrão determinadas pelo copyright - ao qual determinadas expectativas sobre seu comportamento já são esperadas. Em termos da teoria do discurso, as posições que os indivíduos adotam acontecem dentro dos discursos.

Por sua vez, as concepções de Louis Althusser e Michel Foucault revelam um determinismo econômico e estrutural incompatível com a teoria do discurso aqui em debate. Althusser (1987) compreende a interpelação dos sujeitos como ideológica, uma vez que esconde as verdadeiras relações entre as pessoas, já Foucault (2009) exagera nos efeitos constitutivos do discurso, uma vez que os agentes, que mesmo quando estão resistindo ao poder acabam se sucumbindo às estruturas.

Para Laclau & Mouffe (2001), não existem verdadeiras relações sociais “objetivas” ou um “assujeitamento total” determinados, em última instância, pelas estruturas, como querem defender os estudos positivistas (ALVESSON & SKOLDBERG, 2000; SAUKKO, 2003). No entanto, as pessoas ainda assim são interpeladas por discursos: os sujeitos devem ser entendidos como "posições de sujeito" dentro de uma estrutura discursiva (ALVESSON & SKOLBERG, 2000, p. 115).

Nesse sentido, sob a perspectiva pós-estruturalista de Laclau & Mouffe (2001) um discurso nunca pode se estabelecer com total fixidez de forma que se torne o único discurso presente na estrutura social. Ali sempre haverá vários discursos conflitantes em jogo. Nesse particular, tal como acontece com Althusser (1987), o sujeito não é entendido como soberano na teoria pós-estruturalista: o sujeito não é autônomo, mas é determinado por discursos.

Em contraste com a teoria de Althusser (1987), o sujeito é também fragmentado, não sendo posicionado tão somente por um discurso, mas sim, são a ele atribuídas muitas

posições ou “funções de sujeito” por diferentes discursos, (ARAUJO, 2007, p.224; FAIRCLOUGH, 2001). Uma usuária de software livre é um sujeito que no local de trabalho pode ser “administradora de sistemas”, numa comunidade open source uma “hacker", em família uma “mãe”, “esposa” e “filha”. A maior parte dessas mudanças ocorre de forma despercebida e o desenvolvedor nem percebe que ele ou ela ocupa diferentes posições de sujeito no decorrer do dia.

Mas, o indivíduo, na sua relação consigo mesmo, também pode ser interpelado em posições de sujeito diferentes ao mesmo tempo. Nesses casos, acontece a sobredeterminação demonstrada por Jørgensen& Phillips (2002). Ou seja, o sujeito é posicionado em vários discursos contraditórios, entre os quais podem surgir conflitos. Para Laclau e Mouffe (2001), o sujeito é sempre sobredeterminado porque as posições são sempre contingentes. Posições de sujeito que não estão em conflito visível com outras são o resultado de processos hegemônicos (tratado no tópico 2.4.2) em que as possibilidades alternativas são excluídas e um discurso particular se torna naturalizado.

Nesse sentido, Žižek (2008) traz o conceito de sujeito sem qualquer forma de essencialismo, entendendo-o não como substancial cogito da tradição filosófica da modernidade, mas como um lugar de falta em torno da qual se desenvolvem tentativas de preenchê-lo com identidades específicas, se opondo assim a idéia de sujeito e sociedade como totalidades fechadas e centradas, colocando o conflito no coração do social, mas em uma perspectiva não objetivista.