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4. O DISCURSO DO PUG-PE

4.1 Identificando os discursos do PUG-PE

4.1.1 O Discurso do open source

O primeiro “tipo” apreciado representa o que se faz notar com maior clareza. Dessa forma, seus momentos se constituem como possibilidade de agregar uma disputa político ideológica à construção do discurso do open source que busca sua hegemonia. O discurso do open source surge originalmente em 1997 quando dissidentes da Free Software Foundation queriam retirar do desenvolvimento do software livre, como eles mesmos afirmam54, o componente ideologizante e o componente social. Nesse sentido, o código aberto não deveria fazer nenhuma menção a aspectos políticos, sociais ou de liberdade, dando a possibilidade de o código aberto ser fechado e vendido como proprietário. Isso deveria trazer maior eficiência econômica e inovadora ao projeto.

No entanto, a partir do momento em queRaymond (2001) vê o movimento open source como sendo unicamente a expressão de comunidades meritocráticas, no qual a competência técnica seria a base da autoridade, acaba negligenciando as relações de poder no desenvolvimento da tecnologia.

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Nesse sentido, a análise empírica mostrou que esse “tipo” tem se afastada dos argumentos originais vinculados à emissão de licenças open source e às comunidades acadêmicas que enxergavam uma oportunidade de um novo modo de trabalho pautado por uma “ética hacker”(HIMANEN, 2007) e “governança de bazar”(ERIC RAYMOND‟S 2000)

característico do capitalismo cognitivo (GORZ, 2005; BENKLER, 2006; WEBER, 2004; TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007), e se aproximando de argumentos ideológicos mais afeitos à disputa de nichos no mercado de produção de software, servindo de base para novos modelos de negócios, de inovação e produção em software.

Raymond (2001) associava o Linux ao bazar, na medida em que é diferente de uma catedral, freqüentemente associada a um planejamento e tomada de decisão centralizada e uma forte divisão hierárquica do trabalho. A comunidade Linux funciona como “um grande e barulhento bazar com diferentes agendas e aproximações (adequadamente simbolizada pelosrepositórios do Linux, que aceitaria submissões de qualquer pessoa) de ondeum sistema coerente e estável poderia aparentemente emergir somente poruma sucessão de milagres” (RAYMONDE, 2001, p.3).

Nesse sentido é fácil entender o objetivo de demonizar o discurso antagônico e deificar o seu, sem apresentar necessariamente apreciações que fundamentam seu posicionamento pelo modelo do “open source”, ao menos com justificativas defensáveis fora dos limites das idéias vigentes dentro da comunidade. Tal tipo “open source” passa também a apresentar um viés de “empreendedores individuais” procurando comunidades colaborativas para a realização de seus objetivos. E a partir do momento em que a comunidade ganha certa visibilidade a tendência dos atores é somaremao discurso do “open source”o sentido da liberdade e empoderamento, o discurso de maior profissionalização e regulação estratégica da comunidade.

Assim, nesse modo de agir a comunidade apresenta algumas justificativas para sustentar esse posicionamento. Essas justificativas se encontram fundadas em uma prática discursiva, que apresenta um viés político ideológico, condizente com a eficiência econômica e técnica para fortalecer a competição e disputa de espaço no mercado de software. Portanto, aqui a liberdade de interagir com os recursos parece implicar num maior acesso aos recursos e, conseqüentemente, melhor retorno sobre o investimento.

Para reforçar o entendimento exposto acima, sobre a questão de aumentar a eficiência econômica e técnica na produção de softwares com kernel Linux, cabe destacar esses dois relatos de um desenvolvedor:

Portanto, [as empresas] tem todo o interesse em financiar comunidades open

source porque é de lá que vão resgatar os seus melhores funcionários. Lá que vão

encontrar pessoas boas, engajadas porque gostam de trabalhar com aquela linguagem de programação. Porque quem vem de uma comunidade dessas gosta de trabalhar, porque como a comunidade em si não tem fins lucrativos aparentemente ele está lá porque gosta daquilo e gosta de trabalhar. Então elas apóiam porque sabem que vão ter um retorno. A Globo.com faz isso. A Globo é a principal patrocinadora do evento Python Brasil. A doação dela é na faixa de 40 mil reais por evento, se não for mais. Ela quer muito que essa linguagem se fortaleça e se amplie porque ela usa bastante o Python e boa parte do ótimo sistema que ela tem se deve aos bons talentos que ela conseguiu trazer. Se ela não ajudar essas comunidades ela provavelmente vai perder essas pessoas ou sempre que alguém sair não, vai conseguir substitutos a altura. Então ela utiliza toda a experiência e a força do profissional engajado para ganhar com isso.[E2] – referencia 3

e

Mas na construção de software a principal ferramenta é a mente e então isso é importante. É por isso que empresas como Google e Facebook publicam algumas coisas e até empresas como a Microsoft, tida como a maior vilã de todas com mente fechada e proprietária, ela está começando a mudar a cara dela publicando muita coisa opensource. Acho que uma empresa bem fechada hoje é a Apple, talvez porque ela ter uma marca muito forte, tem pessoas apaixonadas pela máquina. Conheço muitos desenvolvedores que não suportam trabalhar com a Apple. Tanto que se você olhar bem, mesmo que o Iphone e o Ipad vendam muito, hoje o número de smartphones que usam Androides é muito maior. [E10]- referência 1.

Esse discurso direciona o modo de agir estratégico da comunidade. Podemos reconhecer que o objetivo central não se encontra unicamente na defesa da concepção original de open source, uma vez que articulam elementos discursivos relativos à eficiência econômica e técnica valorizada pelas empresas no mercado de software.

A análise desses primeiros relatos mostra que não existe um discurso unitário sobre o open source, o que corrobora com as análises de Berry e Moss(2006). Os usuários/desenvolvedores tendem a simultaneamente extrair e contribuir para uma variedade de diferentes discursos, tornando, assim, a dicotomia entre eficiência técnica versus liberdade e ética uma interpretação demasiadamente restrita. Isso ocorre porqueos valores ligados ao SLCA têm de lidar com um espaço de tensões onde as retóricas que competem entre si colidem.

Nesse sentido, o equivalente geral “open source” direciona a estratégia da comunidade no sentido de se orientar em direção a múltiplos objetivos e de se apelar para um público multifacetado de hackers, desenvolvedores profissionais, usuários avançados e usuários finais presentes em todo o espectro da web.Assim, enquanto articula a comunidade com uma multiplicidade de audiências o discurso do “open source” também articula a diversidade de demandas dentro da própria comunidade, uma vez que existe um esforço para fixar os elementos polissêmicos que diz respeito à produção de software livreao estabelecer estabilização (cadeias de equivalência) em torno de determinados significados dentro da comunidade (LACLAU; MOUFFE, 2001, p. 110; PHILLIPS & JØRGENSEN, 2002).

Além disso, o “opensource” identifica também um discurso de eficiência técnica e conquista de mercado a partir de argumentos tidos como racionais, naturais e de bom senso, diferenciando-se daquela da FSF que se limita a definição deuma ética para a orientação prática dos desenvolvedores e usuários, desconsiderando questões de eficiência e utilidade. Sob essa lógica, Raymond (2001) acaba entendendo o open source como uma questão de engenharia e de eficiência econômica “eu defendo open source porque

pragmaticamente acho que leva a melhores resultados de engenharia e melhores resultados econômicos"55.

Essa ambigüidade é que confere ao conceito de open source a sua força. Assim, principais lideranças do grupo podem ser vistos como seres retóricos articulando discursivamente a comunidade interna e externamente. Esse aspecto estratégico não é destacado na literatura sobre a construção de comunidades open source, como mostram os estudos de Cargano (2012) e Piva (2012)

O discurso do open source usa o sucesso do Linux, e dos softwares livres em geral, como estratégia para mostrar os argumentos de eficiência e confiabilidade e, desse modo, ter apelo junto aos stakeholders do grupo quando defendem que: a) os usuários podem ser desenvolvedores; b) a forma aberta de desenvolvimento sempre permite a adição de novos desenvolvedores e criar um processo de melhoria continua; c) o software livre é mais confiável que o software proprietário; d) a forma de gestão de uma comunidade é diferente das empresas porque os desenvolvedores são voluntários.

Esse discurso do open source é apresentado como uma forma inovadora de desenvolvimento de software e uma via para se obter sucesso nessa área.