• Nenhum resultado encontrado

4. O DISCURSO DO PUG-PE

7.2 Uma volta à questão da construção discursiva do PUG-PE

Aqui recapitulando a questão norteadora do estudo de como a produção de inovações com software livre em comunidades open-source é significada pelo PUG-PE, procuramos entender esse processo de construção a partir da articulação dosdiscursos de antagonismos, hegemonia e significantes vazios. Assim sendo, nosso esforço investigativo foi norteada por duas questões secundárias: Como se revelam as hegemonias e antagonismos em torno do processo deprodução/consumo do software livrecomo bem simbólico?Como ocorre a constituição dos significantes vazios no processo inovador do software livre?

Para responder a essas questões a tese começa expondo os limites das teorias de inovação vigentes no campo da administração que não levam em conta o usuário final no processo de geração de valor para o capital, uma vez que não atentam para a lógica emergente de produção que ocorre em função do fluxo contínuo entre atividades de

produtor, distribuidor e intermediário, no âmbito das práticas de produção e consumo de bens simbólicos.

Nesse aspecto, o PUG-PE aparece como entidade composta de indivíduos auto- motivados que dispõe de uma retórica de empoderamento e personalização das demandas do usuário a partir de um manancial de inovações que tendem a protagonizar tensões e aderências com a lógica hegemônica do mercado. Mas, a nossa proposta de pesquisa não foi na direção de analisar esse embate discursivo, no sentido de identificar as razões e objetivos de cada um numa disputa por hegemonia. Em vez disso, buscamos compreender os posicionamentos e argumentos que vem sustentando o grupo em sua suas inter-relações internas e externas.

A teoria do discurso de Laclau e Mouffe é um interessante meio para a análise e compreensão da constituição discursiva desse grupo que vive uma relação de amor e ódio com o mercado, além de permitir uma interpretação das razões do PUG-PE nesta disputa por hegemonia. Assim, concluímos que a teoria do discurso tem o potencial de responder bem a cada aspecto chave desta tese.

O primeiro aspecto chave tratado foi mostrar os limites do modelo de inovação centrado na manufatura, no qual as empresas lançavam mão de patentes, copyrights e outras medidas de cerceamento do conhecimento para “evitarem o parasitismo sobre os seus investimentos em inovação” (VON HIPPEL, 2005, p.64). Hoje,com o avanço das novas TIC, os usuários têm o potencial de desenvolver soluções perfeitamente adequadas para as suas necessidades e, não menos importante, podem se beneficiar de inovações desenvolvidas e livremente compartilhadas por outros. Como resultado, essa lógica emergente que democratiza a inovação aplicada a produtos informacionais como o software, entra em tensão com firmas e indústrias que ainda não estão conseguiram

desenvolver um sistema de remuneração plenamente adequado e esse novo cenário do capitalismo cognitivo.

A literatura revisada também não acompanhou essa mudança de cenário, agora emoldurado pela economia política dos bens simbólicos. Permaneceu regulada pelo reducionismo temático e entendendo o conhecimento como um recurso neutro no processo de inovação. Portanto, o ato de deixar de lado os aspectos políticos faz com que não consigam captar as tensões que advêm do suporte das novas TICs aos novos processos de inovação e modelos de negócio, nem o trade off existente entre o estímulo a inovação por meio de propriedade intelectual, como é o caso do LIT, nem o estímulo a inovação por meio de concessão de maior liberdade de circulação de informação e conhecimento na rede.

O PUG-PE, assim como outras comunidades open source, estão inseridos num cenário onde esses embates discursivos ocorrem e circulam e, no seu processo de constituição e significação da produção de SLCA acabam lançando mão desses discursos para constituir seus argumentos e se posicionar nesse campo. Nesse sentido, a teoria do discurso oferece unidade na análise das demandas e dos discursos. O foco do estudo foram as estratégias discursivas utilizadas pelos agentes para a constituição do PUG-PE como uma entidade plena. Dentre essas estratégias temos a constituição de algumas equivalentes gerais que ganharam notoriedade, e, portanto, se tornaram hegemônicas e em significantes vazios que reiteram esse discurso. E o estudo do caso do PUG-PE foi para elucidar como, em meio a um cenário de tensão discursiva, os discursos de ameaças e equivalentes gerais tornam o grupo o que ele é.

A teoria do discurso é estruturalista, na medida em que reconhece que toda prática social tem lugar dentro das estruturas de significado, e, também, é pós-estruturalista na medida em que diz que todas as estruturas, não importa quão estáveis sejam, são

vulneráveis aos deslocamentos por causa da presença do “outro” socialmente antagônico. No estudo de caso do PUG-PE isso foi demonstrado, pelo foco sobre a hegemonia do discurso do “open source” e de “comunidade bem sucedida” que ao mesmo tempo em que eram estruturas de significação também são estabilizações precárias expostos a movimentos antagônicos.

Ao longo dos capítulos deste estudo de caso discutimos, reiteradamente, os desafios enfrentados pelos usuários/desenvolvedores do PUG-PE, cujas identidades dependiam do fortalecimento do discurso de “comunidade bem sucedida”. Mostramos como os significantes vazios ajudaram no processo de estabilização do discurso e, particularmente, na suavização dos antagonismos potenciais entre as exigências e demandas contrastantes dos integrantes do grupo. Em paralelo, as narrativas fizeram o papel da ponte que faz a coalizão dos discursos criando uma afinidade discursiva compartilhada.

Para a teoria do discurso as lógicas importantes são de equivalência, diferença e fantasia. Através da lógica da equivalência como o discurso do “open source” é possível juntar uma serie de equivalências entre conjunto heterogêneo de demandas (ou os atores que proferem essas demandas). Os significantes vazios, através de lógicas de diferença e fantasia, reforçam as fronteiras do grupo. Os dados empíricos coletados mostram como os atores usam dos significantes vazios para criar uma identidade coletiva. Por exemplo, mostramos como o conceito de “comunidade” tem funcionado como equivalência no PUG- PE, apesar de não haver um consenso em torno deste ao longo dos anos e dentro do próprio grupo. Este é um exemplo de como a imprecisão e a pouca determinação institucional do significante vazio, é útil para suplantar as diferenças.

Por esse motivo, nem todos aqueles que compartilham o uso de certa retórica devem ser entendidos como parte de uma coalizão discursiva. O símbolo de "open source"

tem uma série de interpretações, algumas das quais mantiveram suas origens particularistas dos ativistas hackers do início da década de 70.

Essa discussão nos levou a concluir que ao discurso da “ética hacker” e da “governança bazar” do início da década de 70 foi acrescentado o discurso que Stephani e Freeman (2011, p. 98)descreve como de "empreendedores independentes" buscando encontrar uma"Comunidade colaborativa" de usuários e co-desenvolvedores para seus próprios projetos e tecnologias”.

A teoria do discurso entende os esforços (sempre fracassados) dos atores em definir uma identidade estruturada como a tentativa de forjar, manter e proteger essa identidade. As idéias e conceitos em torno dos quais os usuários/desenvolvedores do PUG concordam e discordam irão se modificar continuamente para integrar e absorver as demandas hegemônicas contingentes.

Visto isso, a teoria do discurso acrescenta a exigência dos atores articularem ativamente demandas que possam se tornar hegemônicas e significantes vazios depois de uma série de exigências. Mesmo assim, para que os atores notem os potenciais destes equivalentes gerais julgam a demanda pela sua disponibilidade, a ação dos agentes estratégicos e credibilidade

Sugerimos, através do caso do PUG-PE, que o discurso do “open source” era credível porque representava a fantasia das comunidades de software livre e das empresas que valorizam esse modelo de produção de software. Devemos notar que o discurso do “open source” em torno do Python traz consigo o peso da legitimidade pelo seu uso por empresas como a Globo.com e o Google, que tem ajudado no fortalecimento e expansão dessa linguagem de programação patrocinado eventos e contratando profissionais diretamente do PUG-PE.

A hipótese central do estudo, apresentada na introdução, diz que o discurso do open sourceé uma de forma apelar aos usuários e desenvolvedores para exercerem a sua paixão pela tecnologia e aperfeiçoar suas habilidades e competências como usuários e desenvolvedores. Esses incentivos aumentariam o alcance do projeto do grupo junto aos seus stakeholders e, sendo assim podem vir a competir com a produção distribuição comercial ao criarem suas próprias start ups.Nesse sentido, constitui-se uma cadeia equivalencial e de significantes vazios onde o interesse particular do grupo justifica o tipo de relações que se estabelece entre os usuários/desenvolvedores e destes com o mercado.

Desse modo, a hipótese central apresentada se confirmou na medida em que, no desenvolvimento do trabalho de pesquisa, os sentidos foram confirmados a longo das posições assumidas pelos discursos apresentados. Esta comprovação apresenta-se fundamentada, salvo poucas exceções, em um viés político ideológico centrado nas tensões em torno da circulação dos bens simbólicos no capitalismo cognitivo e ao modelo de produção de software em comunidades open source. Esse fato, sempre aparece subordinado aos interesses dos momentos equivalenciais na cadeia discursiva pesquisado..