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ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

3.2 Pessoas com deficiência e a Atenção Primária à Saúde

3.2.4 Equidade e o cuidado em saúde da pessoa com deficiência

Segundo Senna (2002), a temática da equidade tem ocupando lugar de destaque na discussão das políticas sociais nas duas últimas décadas. Em revisão bibliográfica, a autora foca a sua reflexão nas possibilidades da equidade no Programa da Saúde da Família e busca elementos que permitem determinar o “[...] seu potencial de incorporação de segmentos sociais vulneráveis e de promotor da equidade e da justiça social no interior da política de saúde”. (SENNA, 2002, p. 208).

Diferentes autores relacionam equidade à justiça social (WHITEHEAD, 1992; ALMEIDA et al., 1999; GIOVANELLA et al., 1996 apud SENNA, 2002, p. 207) e para Senna, o “PSF se depara com o dilema entre a perspectiva de racionalização dos gastos e a busca de equidade e justiça social” (2002, p. 208), se considerarmos que ele traz em seu bojo possibilidades de rever a forma como é desenvolvida a assistência em saúde.

A autora afirma ainda que as estratégias de intervenção, como a visita domiciliar e a busca ativa, em conjunto com o acompanhamento sistemático das famílias das áreas de abrangência, favorecem o acesso a grupos populacionais e famílias em situação de risco, que não seriam atingidas por outra modalidade de assistência em saúde. Essa possibilidade é intensificada e torna-se ainda mais desafiadora nos grandes centros urbanos, onde os problemas de saúde estão entrelaçados fortemente com os problemas sociais, de violência e de relacionamentos. Essa afirmativa é totalmente válida para populações com deficiências ou incapacidades transitórias, pois grande número dessas pessoas vive em situações de vulnerabilidade social.

Mesmo quando os serviços de Atenção Primária à Saúde contam com equipes de apoio, como NASF/AB ou profissionais de fisioterapia, fonoaudiologia ou terapia ocupacional, há insuficiência de recursos, pois as questões de saúde são muitas e a introdução desses profissionais nesse nível assistencial ainda é recente, da década de 2000 em diante, e em poucos municípios. O tema equidade é recorrente e é apontado como um problema, pois o que é prioridade, o que focalizar ou discriminar na assistência não é consenso. Nos casos que necessitam de ações de reabilitação, o tema torna-se ainda mais difícil, pois muitas vezes os profissionais têm dificuldades de estabelecer critérios para priorizar a intervenção e ficam divididos entre questões técnicas e éticas:

[...] as prioridades são discutidas com as equipes, por exemplo, um caso de um paciente que sofreu um AVC há cinco anos e um que sofreu um AVC faz um mês, dois meses, quem vai ter prioridade é esse de um mês, os demais casos, por exemplo, fono, eu sei que em algumas unidades tem uma demanda muito grande, eles fazem uma oficina lúdica, de linguagem, isso é algo que tem dado bastante resultado. Esses critérios, eu acho que aí entra uma avaliação clínica deles, e eu acredito que em muitos casos eles discutem com as equipes, até pra priorizar [...] (Coordenador 1) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 197).

Embora a situação de risco e de vulnerabilidade seja considerada como tarefa de intervenção precípua de muitas equipes de saúde, sua definição consensual é polêmica, pois o tecnicismo organicista prevalece entre os profissionais, dificultando a ampliação do conceito para além dos marcadores biológicos, como detectado em pesquisa por Rocha e

Kretzer (2008) ao avaliarem a implantação de uma equipe de reabilitação no então Programa da Saúde da Família em São Paulo:

Tem por gravidade, o primeiro critério é por gravidade. É... aí eu não vou saber dizer assim, o que é mais grave para cada patologia, daí eu não vou saber dizer, mas eu acho que o critério principal é gravidade, e assim... é a gravidade mesmo, porque se eu não der uma resposta nesse momento, qual o prejuízo depois, eu posso esperar ou não. Eu acho que são esses critérios que as pessoas usam. Mas eu não sei exatamente o que é gravidade na fisio, eu não domino. (Psicólogo Saúde Mental) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 198).

Os critérios? Eu acho que os ACS trazem os casos pra eles e eu acho que vai muito em relação à criança, é uma prioridade, paciente que está restrito ao lar, o idoso, e a gravidade do caso, mas é nessa ordem mais ou menos. (Médico) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 198).

Bom, as prioridades são assim, como eu te falei, bebê de risco porque se você acompanhar um bebê que possa estar com atraso, você pode dar um suporte melhor pra essa criança, pra essa mãe, e você já pode ter uma melhora precoce, como a gente já teve muita melhora de crianças que estavam com atraso, e que não tinha sido diagnosticado nenhum problema neurológico e a reabilitação acaba conseguindo trazer essa criança pra um desenvolvimento mais próximo da idade. Outra prioridade, por exemplo, a gente tem caso de trauma, fratura, cirurgia ortopédica, a gente encaminha pra elas, elas até têm uma outra visita, mas elas não deixam de ver logo pra ver o que elas podem fazer, e se não tiver, pra ver pra onde elas podem encaminhar. Então tem algumas prioridades que a gente discute e elas já atendem, um paciente que acabou de ter derrame, por exemplo, ele é prioridade pra quem sofreu um AVC há dez anos. Esses casos assim, são coisas que a gente passa até fora da reunião porque surgiu, porque é uma urgência e elas agendam fora da reunião, a gente já encaixa, já consegue agendar, já consegue avaliar. (Enfermeira 1) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 198).

Porém, antes mesmo de se saber o que é prioridade entre as pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade, o que está em pauta em muitos locais de trabalho na APS é se a pessoa com deficiência é prioridade no atendimento.

O tema equidade ainda requer um aprofundamento maior entre os profissionais, e por que não afirmar, na academia, considerando ainda que parte das soluções dos casos de vulnerabilidade, como coloca Giovanella et al. (1996 apud SENNA, 2000, p. 207) não prescinde de outros atores, ou seja, as equipes necessitam ser ampliadas no conjunto dos

seus profissionais e expertises e as articulações intersetoriais necessitam ser intensificadas com a finalidade de enfrentar as iniquidades em saúde.

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