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Integralidade, abrangência e coordenação de cuidados da saúde da pessoa deficiente

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

3.2 Pessoas com deficiência e a Atenção Primária à Saúde

3.2.3 Integralidade, abrangência e coordenação de cuidados da saúde da pessoa deficiente

O SUS prevê o reconhecimento de que as ações de saúde devem buscar a integralidade na assistência, além de responder a demanda de forma contínua e racional, com tecnologia apropriada. O objeto de intervenção, nesse modelo, deixa de ser o indivíduo e sua doença e passa a ser, prioritariamente, a família e a comunidade.

No Brasil, o conceito de integralidade está presente desde os anos 1980, inicialmente aplicado a programas abrangentes para grupos específicos (CONILL, 2004), sendo que em 1988 foi assumida como diretriz para a organização do SUS no texto constitucional. Pinheiro, Silva e Machado (2003, p. 235) afirmam que a integralidade é “um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos nos diversos níveis de complexidade do sistema”.

Dessa forma, a caracterização desse princípio envolve a apreensão ampliada das necessidades da população, bem como a capacidade de adequar as intervenções em saúde ao contexto específico das realidades locais (MATTOS, 2004), reconhecendo que as ações promocionais, preventivas e curativas devem ocorrer de forma simultânea e com a mesma importância, no mesmo espaço institucional dos serviços de saúde.

Aqui se parte da premissa que inexiste a possibilidade de construção da integralidade e da equidade sem que haja garantia de acesso universal a todos os níveis de atenção (PINHEIRO; SILVA; MACHADO, 2003), o que implica no reconhecimento de ações recíprocas entre a macro e a micropolítica de saúde. Mas há de se destacar que o acesso ao serviço per si não garante ações integrais.

A ampliação das categorias profissionais na Atenção Primária à Saúde, como terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas, pode contribuir para a chegada e permanência das pessoas com deficiência e de outros grupos em situação de vulnerabilidade. No entanto, só a presença do profissional

não garante por si o acesso e o cuidado integral. É necessário um modelo assistencial que considere uma superação dos modelos biomédicos e fundados na eugenia.

Segundo o Ministério da Saúde a integralidade da atenção à saúde envolve, dentre outras coisas:

1. ideia da clínica ampliada, segundo a qual o centro da atenção se desloca do profissional isolado para a equipe responsável pelo cuidado; e da doença para a pessoa que corre o risco de adoecer, para os modos como ela adoece e para a realidade em que ela vive; 2. o trabalho em equipe multiprofissional (formada por profissionais de diferentes áreas) e transdisciplinar (com conhecimento em várias áreas do saber); 3. a ação intersetorial; 4.o conhecimento e a capacidade de trabalhar com as informações epidemiológicas, demográficas, econômicas, sociais e culturais da população de cada local e com os problemas de impacto regional, estadual e nacional. (BRASIL, 2005, p. 18).

Assim, as práticas assistenciais devem ser pautadas pela compreensão dos processos saúde-doença que consideram as condições territoriais, sociais, biológicas e psicológicas. (BRASIL, 2001). Nesse bojo, as deficiências e incapacidades necessitam ser compreendidas como produtos de uma realidade sócio-histórica e, muitas vezes, fruto da precariedade da assistência em saúde. Também é importante que a ação de cuidado conte com profissionais de reabilitação como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais compondo com as equipes de saúde da família; que existam articulações intersetoriais de modo a responder de forma complexa as necessidades que emergem como problemas de saúde e de reabilitação e, ainda, que haja o entendimento do fenômeno da deficiência como de responsabilidade do campo da saúde coletiva, com a realização de estudos sobre a incidência, a natureza e as causas das deficiências e incapacidades nos territórios.

Essa compreensão precisa gerar ações de prevenção, detecção, acompanhamento e de educação em saúde com os temas que envolvem a deficiência. Essas ações precisam ser amplas, de modo a afetar os profissionais das equipes e usuários nos territórios, como detecção precoce de crianças com alterações no desenvolvimento, prevenção de deficiência, cuidados clínicos e paliativos a diferentes doenças incapacitantes, atividades de cuidados de populações com dores crônicas, cuidados dirigidos às populações em situação de vulnerabilidade, entre outras.

Isto posto, pode-se considerar que o trabalho desenvolvido na Atenção Primária à Saúde possui dinâmicas e cotidianos específicos, dotados de particularidades a serem consideradas em cada local, assim, as singularidades de cada território promovem permanentes desafios na implementação das ações em saúde. Deve-se ainda considerar que os usuários podem ser protagonistas na produção de saúde e que, portanto, a forma como a população entende e deseja o funcionamento dos serviços, positiva e negativamente, reflete na relação que se estabelece entre a instituição e a comunidade. A população não distingue os profissionais da equipe de reabilitação dos outros profissionais, entende que se trata de uma mesma equipe de saúde, o que eles desejam é o acesso e buscam a integralidade na assistência.

Na realidade a população, no meu ponto de vista, eles não conseguem distinguir uma coisa da outra, eles acham que é uma equipe só, como eu falei a gente é um só então a população, acho que enxerga dessa forma. Eles vão a vários lugares e não conseguem, quando sabem que aqui na unidade tem, eles vêm e conseguem, mesmo uma orientação, uma avaliação, conseguem marcar consulta, daí eles ficam sabendo da importância que tem. (Dentista) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 189).

A presença de profissionais de reabilitação na APS contribui para a ampliação do olhar sobre as questões de saúde, potencializa dessa forma as possibilidades de um atendimento integral e colabora na coordenação do cuidado dos casos atendidos. São ampliadas as possibilidades de se detectar as dificuldades, problemas e situações incapacitantes que, em geral, não chegariam a um serviço de reabilitação tradicional. Gallo (2005) ressalta a importância do fisioterapeuta no Programa de Saúde da Família ou em programas similares, de cuidados primários em saúde, a fim de promover a integralidade na assistência, em contraposição ao modelo tradicional, medicalizado, fragmentado, hospitalocêntrico e baseado na dependência e exclusão social. Aponta que esse profissional pode contribuir de forma efetiva em um modelo de intervenção que se baseia na inclusão social, centrada na comunidade e com a participação efetiva desta, a fim de mudar o seu entorno ou enfrentá-lo. Sem dúvida essas premissas são válidas para todos os profissionais da saúde e da reabilitação com atividades na Equipe de Saúde da Família, desde que envolvidos em um projeto de assistência que considere essa finalidade em sua proposta – o

fim da exclusão social e da segregação das pessoas com deficiências e/ou incapacidades - e que utilize estratégias condizentes. Por outro lado, nos serviços das UBS sem equipe de reabilitação, essas questões ficariam sem resposta ou teriam encaminhamentos paliativos. Assim, a ação dos profissionais de reabilitação nas UBS promove novas possibilidades de intervenção, como também permite o crescimento técnico como expansão da capacidade de agir e pensar dos profissionais, além de engendrar trabalhos conjuntos entre as equipes, contribuindo assim para a construção de saberes compartilhados e adequados às demandas:

Olha, pra TO tem a questão da parte dos adultos, tem os pacientes com AVC recente, tem os idosos que em algumas situações a gente acaba pedindo avaliação, a gente pontua a situação familiar, a situação do idoso e ela, assim que possível, vai verificar, as crianças que precisam de uma avaliação melhor de desenvolvimento, a gente tem muitas crianças em desnutrição, vitimas de maus tratos, e que fica muito sutil às vezes, em uma consulta rápida avaliar se tem comprometimento neurológico, se não tem, se tem atraso no desenvolvimento, e a gente acaba usando o atendimento da TO pra isso, e pra estimular o seu desenvolvimento e da família também, às vezes não tem nem um comprometimento neurológico, não tem nada grave, mas é uma criança que tem um atraso, e ai a gente usa o serviço da TO pra poder promover esse desenvolvimento. (Diretor da UBS 5) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 190).

Olha, foi importante porque além de eu conseguir ver o meu problema no joelho, a partir do contato com ela apareceu outras coisas, com a TO, a possibilidade de eu melhorar a minha locomoção, a minha vida diária em casa. Aí, a partir das minhas conversas com ela, eu tive contato com a Terapeuta Ocupacional, inclusive ficou da gente voltar a ter contato, pra mim ficar mais independente em casa na minha higiene, na minha alimentação, eu to até devendo um outro contato com ela, mas ela me deu uma super atenção [...]. (Usuária) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 190).

[...] chega um paciente com uma dor crônica e quer ser atendido no hospital, o hospital não vai absorver, ele vai mandar pra UBS, a UBS vai dar analgésico? Vai orientar sobre postura? Vejo que a reabilitação trouxe um diferencial na qualidade mesmo de vida da pessoa, mas ainda a demanda é muito grande. Eles acabam sendo absorvidos pela demanda, mas eu acho que assim, não existe a preocupação no território de que isso é um problema, no nível do SUS mesmo [...]. (Diretor da UBS 3) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 192).

A integralidade e a coordenação dos casos são potencializadas por meio do trabalho em equipe e das trocas de conhecimento entre os profissionais, pois há a possibilidade de ocorrerem, e serem criadas, novas formas assistenciais, levando à valorização e à qualificação das necessidades dos usuários:

Reabilitação, paciente sequelado de AVC, que está acamado, não consegue deambular, não consegue ter movimentos e a família já não aguenta mais, ai vê a luz no fim do túnel, somos nós. Aí vai lá, avalia o paciente e prescreve as ações, faz o trabalho com o paciente e orienta o cuidador como vai proceder, ai o cuidador é treinado a fazer as atividades com o paciente e depende do caso, volta com uma semana, duas semanas, um mês depois. Volta e avalia como é que está a situação. [...] paciente PC, não tem nenhuma movimentação, não fala, ela vai com a fisio, avalia, com o fono, avalia, e a TO entra pra fazer as manobras, vai ajudar o familiar a cuidar, vai dar melhor qualidade de vida para aquele paciente, adequações de cadeira de rodas, pintar a cadeira de rodas, arrumar colchão pra tirar a espuma pra fazer não sei o quê. Isso tudo é o trabalho que eles fazem, por isso que eu falo, se tirar, como é que a gente vai fazer? Tinha pacientes que a gente encaminhava pra Fisioterapia fora e nada, vai e volta, vai e volta, e não consegue, tem plano de saúde, passa um tempo e não consegue, quer tentar com a gente? Viabiliza muito, viabiliza não, faz parte do processo, não viabiliza mais, ela faz parte do processo, fazem parte da equipe [...] (Enfermeiro) (ROCHA; KRETZER, 2008, p. 192).

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