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098. ANTÓNIO R. DAMÁSIO

“ É esse o erro de Descartes:

a separação abissal entre o corpo e a mente... “

Embora toda a obra “ O Erro de Descartes : Emoção, Razão e o Cérebro Humano “ seja extremamente relevante em todas as suas colocações a respeito do funcionamento do cérebro e principalmente nas discussões e reflexões a respeito das emoções e sentimentos humanos, aqui nos ateremos as considerações filosóficas diretamente relacionadas ao que foi determinado naquele título como “ O Erro de Descartes “ sob a colocação “ Uma Paixão

pela Razão “.

Neste ponto de sua obra Damásio questiona diretamente o dualismo com que Descartes separava a mente do cérebro e do corpo sob a noção da “ alma” e faz um contraponto com a idéia errônea contemporânea de que o cérebro nada mais é do que um Hardware(1) e que a mente é o software(2) de programação, ou ainda, que mente e corpo estão integrados, porém na visão de que o corpo simplesmente existe para suprir a mente.

Discorre como não poderia deixar de fazê-lo ( afinal Damásio “cartesianamente” é médico), a respeito da grande quantidade dos erros de anatomia humana que Descartes cometeu, desde os problemas de hemodinâmica(3) até a visão mecanicista de “ relojoeiro” que impingiu ao corpo humano.

Contudo, sua maior contribuição e questionamento são de ordem pragmática e filosófica quando acertadamente coloca que - “ ... antes do aparecimento da humanidade, os seres já eram seres. Num dado ponto da evolução surgiu uma consciência elementar. “ ou mais diretamente ainda nos revela que – “ Para nós, portanto, no princípio foi a existência e só mais tarde chegou o pensamento”.

___________________________________________________________________________ (1) Hardware : parte mecânica do funcionamento de um sistema de informática; a máquina.

(2) Software: a programação, o sistema de funcionamento em informática. (3)Hemodinâmica : circulação, movimento do sangue.

MEDIAÇÃO TRANSDISCIPLINAR DE CONFLITOS AMBIENTAIS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – CAPÍTULO II 090

Desnecessário colocar que nos ítens anteriores deste capítulo nos reportamos a forma metafísica de visão do mundo por parte de Descartes; sua tentativa de “explicação” da realidade e não a “constatação” desta, o que o levou a cometer os erros que cometeu; tentou “explicar” e não “compreender” a realidade.

Damásio ainda tenta uma investigação sobre a máxima “ ... penso, logo existo...” colocando o benefício da dúvida nesta colocação, se realmente disse o que queria dizer, porém, ele mesmo a rechaça, devido as colocações do próprio Descartes quando diz – “ e

reparando que esta verdade, “Penso, logo existo”, era tão certa e tão segura que nem sequer as suposições mais extravagantes dos céticos a conseguiam abalar, cheguei a conclusão de que a receberia sem hesitação alguma como o primeiro princípio da filosofia que procurava” e ainda refere-se de forma inequívoca a outra afirmação, qual seja – “ Por isto eu soube que era uma substância cuja essência integral é pensar, que não necessidade de um lugar para a existência desta substância...”.

Neste ponto, ficou evidenciado que o erro máximo de Descartes foi a maneira abissal(1) como separou o corpo da mente, a idéia de que o raciocínio, o juízo moral e o sofrimento advindo da dor física ou agitação emocional(2) poderiam existir independentemente do corpo; especificamente o erro maior foi a “ separação das operações mais refinadas da mente, para um lado, e da estrutura e funcionamento do organismo biológico, para o outro”.

Com as colocações – “ ... pode existir um elo de ligação, em termos anatômicos e funcionais, entre razão e sentimentos e entre esses e o corpo ...” como ainda “ ... Conhecer a relevância das emoções nos processos de raciocínio não significa que a razão seja menos importante do que as emoções, que deva ser relegada a segundo plano ou deva ser menos cultivada” deixa evidente o equívoco na distinção em partes do corpo humano.

Ainda no intuito de reforçar sua argumentação, coloca que este tipo de pensamento cartesiano é que induziu muitos a colocarem a mente como software do corpo ou ainda o pensamento dos neurocientistas de que a mente pode ser perfeitamente explicada em termos de fenômenos cerebrais independentes do corpo; a idéia de uma mente desencarnada parece também haver moldado a medicina ocidental nos seus procedimentos de investigação e tratamento das doenças ou seja, a prática cartesiana do esquartejamento domina tanto a investigação quanto a pratica médica.

Por fim coloca que a compreensão cabal da mente humana requer a noção de uma

perspectiva global do organismo : uma inter-relação entre corpo e mente, e ainda, da

importância das emoções e dos sentimentos na forma de encarar a realidade do mundo. ___________________________________________________________________________ (1)Linguagem figurada relativa a profundidade de um abismo.;

(2) A dor emocional é definida tanto por Sartre, Jean-Paul em “ O Ser e o Nada “, como por Ledoux, Joseph em “ O Cérebro Emocional” como Relevante e Verdadeira mesmo que residindo no imaginário: é VERDADEIRA embora possa não ser REAL; o sofrimento causado por um surto psicótico é Verdadeiro para aquele que o sente, muito embora não seja Real.

2.4 – A SUSTENTABILIDADE

099. FETUS – Leonardo da Vinci

Museu do Louvre – Paris / França

A partir deste momento abandonaremos qualquer referência ao pensamento de Descartes no tocante a idéia de que a Natureza é mecanicista e existe para nossa dominação e possessão e continuaremos nossa jornada a partir de agora tendo como princípio o fato de fazermos parte da biosfera(1), e não que esta existe unicamente para prover nossas necessidades físicas e biológicas mais imediatas.

Após nos valermos da tradicional “licença poética“ e enriqueceremos esta pesquisa ao introduzirmos a Carta do Cacique Noah Sealth em resposta ao presidente americano Franklin Pierce em 1854, quando da proposta de compra das terras daquela reserva indígena, estabeleceremos um domínio lingüístico tanto na expressão “ Desenvolvimento “, como no termo “Sustentabilidade“, para culminarmos no conceito-chave de “ Desenvolvimento Sustentável “, discussão inerente ao presente capítulo e ainda apresentaremos um diagrama de “ Desenvolvimento Insustentável “(2), outro do “ Funcionamento do Sistema Capitalista na Etapa Globalizadora “(3) e finalmente um de “ Desenvolvimento Sustentável : Visão Sistêmica, valores éticos e educação ambiental “(4), todos baseados em “ La red de los problemas que hay en el Mundo. Nueva Conciencia.” de autoria de FRITJOF CAPRA(5) e revistos pelo IPEA(6) da Unicamp de Campinas / São Paulo.

_________________________________________________________________________________ (1) Biosfera : a emergência de todos os ecossistemas do planeta.

(2) Diagrama de “Desenvolvimento Insustentável” ( nosso modelo civilizatório ) (3) Diagrama de “ Funcionamento do Sistema Capitalista na Etapa Globalizadora “

(4) Diagrama de “ Desenvolvimento Sustentável : Visão sistêmica, valores éticos e educação ambiental “ (5) CAPRA, Fritjof. “ La.red de los problemas que hay en el Mundo. Nueva Conciencia.” Barcelona,

Espanha, Editorial Integral. 1994

(6) IPEA – Instituto de Pesquisa e Estudos Ambientais da UNICAMP – Universidade de Campinas / São Paulo.

MEDIAÇÃO TRANSDISCIPLINAR DE CONFLITOS AMBIENTAIS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – CAPÍTULO II 092

Após a apreensão do conceito-chave de “ Desenvolvimento Sustentável “ efetuaremos uma revisão a partir da “ A teia da Vida “(1), “ As Conexões Ocultas : Ciência para uma Vida Sustentável “(2) e “ O Ponto de Mutação : A Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente “(3), todos de autoria de FRITJOF CAPRA.

2.4.1 – A Carta [ de Noah Sealth à Franklin Pierce ( 1854 ) ]

100. Noah Sealth (1786-1866)

Noah Sealth, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, em 1854 enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos - Franklin Pierce(*), depois de o Governo Americano haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios lhes prometendo uma “ grande reserva “ onde poderiam passar a viver; sua resposta é uma das mais belas declarações de amor e respeito a natureza e de compreensão das relações harmônicas que o homem deve manter com o seu ambiente.

(*)Franklin Pierce ( New Hampshire – 1804/1869) foi o décimo-quarto presidente EUA ( 1853-1857). (1)(2)(3) ... pg. 096

A Carta

“ Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? A idéia não tem sentido para

nós. Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los?

Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer

praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na

memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si

as memórias do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento, quando vão pervagar