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CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.6 O papel do professor e o efeito retroativo de um teste: intervenção para tratamento

1.6.2 Erro: definição, correção, tratamento e gerenciamento

Para discutir as questões propostas nesta subseção, concordo com Allwright e Bailey (1991, p. 84) que definir erro não é uma tarefa simples; entretanto, uma “definição recorrente de erro sempre referencia a produção de uma forma linguística que desvia da forma correta”. Portanto, a questão reside em estabelecer parâmetros do que é “forma correta”.

Chaudron (1986 apud ALLWRIGHT; BAILEY, 1991, p. 86) afirma que formas corretas são as “usadas por um falante nativo”. Contudo, concordo com Rajagopalan (1997) que contesta o termo “nativo”, pois o considera um ponto de referência teórico imaginário, mítico, utilizado pelos gerativistas, como a ideia de falante ideal, que “domine” sua língua, a autoridade maior para julgar os aspectos linguísticos, como gramaticidade.

Sobre a questão, Schachter (1988), por sua vez, diz que a ideia de falante ideal proposta por Chomsky (1972) parece não abranger as especificidades do processo de aquisição ou de aprendizagem de L2 e que o padrão de L-alvo exposto aos aprendizes pode não ser falado por um nativo, já que o ensino de LE é feito, geralmente, por professores não- nativos (como é o contexto investigado por este trabalho). Além disso, vale lembrar que a língua falada por nativos não pode ser considerada como una e homogênea, mas, sim, a diversidade das produções de dialetos particulares de falantes nativos.

Assim, em um contexto de ensino/aprendizagem de LE, como este, o falante nativo só pode ser utilizado como “informante” dos aspectos linguísticos, culturais entre outros a serem aprendidos por serem aceitos pela comunidade em que está inserido. Como proposto por Fernández López (1991), pressupõe-se uma norma descritiva, ou “social”, aprovada como uso comum e corrente em uma determinada comunidade, para validar as diferentes formas e comportamentos linguísticos observados em diferentes contextos, que se contrapõe a uma norma prescritiva, sistema de regras que estabelecem os usos de uma língua a partir de um

determinado ideal sociocultural e estético.

Por outro lado, importante notar que a preocupação com a identificação, levantamento e correção dos erros é essencialmente didática, quase inerente aos professores de línguas. Pode-se afirmar, desse modo, que o erro é uma forma não desejada pelo professor (GEORGE, 1972 apud ALLWRIGHT; BAILEY, 1991, p. 85) em consonância com o modelo/norma determinada por/em essa comunidade (FERNÁNDEZ LÓPEZ, 1991). Portanto, de acordo com Cavalari (2005, p. 56), apesar de considerar erro como forma linguística, essa definição pode ser aplicada “a aspectos culturais da interação e do comportamento linguístico, ou seja, na sala de aula, o professor é quem decide, segundo sua vivência da L-alvo numa determinada comunidade, o que é erro, qual será corrigido, quando, de que forma e por quem”.

Vale lembrar que, na década de 70, houve um grande interesse e desenvolvimento de pesquisas sobre o ensino/aprendizagem de L2, o que gerou uma abordagem de ensino de línguas cognitiva, isto é, a aprendizagem baseada no processamento de dados e formação de hipóteses44, enfatizando o papel ativo da mente. Em se tratando da aprendizagem de línguas, o progresso da aprendizagem aconteceria quando, uma vez gerada uma hipótese, ela fosse comparada com a forma padrão da L-alvo para ser reformulada, se necessário. Por conseguinte, a concepção de erro também se alterou.

Corder (1992) distingue erro (error), padrões regulares na fala do aluno que diferem do modelo da L-alvo, refletindo seu estágio de desenvolvimento da IL, que os alunos não seriam capazes de autocorrigir, de engano (mistake), que seriam padrões não sistemáticos, capazes de ser autocorrigidos (pelo aluno) como, por exemplo, os lapsos de memória.

De acordo com Fernández López (1991), na prática, é difícil estabelecer o que seria erro e o que seria engano cometido pelo aluno em sala de aula; portanto, apesar do reconhecimento de tal distinção, o efeito causado por ambos na interação é considerado basicamente o mesmo. Em função disso, nesta pesquisa, o termo erro será utilizado independentemente de sua natureza em gravações de aulas. Entretanto, em se tratando da gravação de um teste oral, também serão apresentados momentos perceptíveis dessa distinção (erro e engano), visto que o aluno se autocorrige e mostra que conhece a regra.

Segundo a teoria da Análise do Erro de Corder (1967)45, os erros dos alunos não são uma amostra defeituosa de L2, mas algo positivo, fornecendo pistas/dados sobre um processo

44 Vide Omaggio (1986), Cavalari (2005) para maiores detalhes.

45 Juntamente com Corder, vale citar como base da hipótese da interlíngua (IL) a visão de sistema aproximativo

de Nemser (1971), a de dialeto idiossincrático de Corder (1992) e o grande avanço com a definição de IL de Selinker (1972).

interno de construção da L-alvo de cada aluno, levando-se em conta suas idiossincrasias e seu papel ativo no processo. Assim, ao analisar os erros, é possível estabelecer as regras que fazem parte da competência linguística desse aluno e, como consequência, a maneira pela qual a aprendizagem de L2 se processa. Portanto, concordo com essa perspectiva na qual os “erros são considerados sintomas de um controle parcial da L-alvo e as tentativas de produção de significado do aluno são valorizadas, uma vez que o foco está no processo e não no produto do ensino/aprendizagem” (CAVALARI, 2005, p.17).

De acordo com Cruz (2001), com base na afirmação de Selinker (1972) de que os erros não são os únicos representantes desse sistema de regras interno, necessitando de uma descrição da gramática de quem aprende uma L2, os estudos de IL, como nesta pesquisa dado seu caráter longitudinal, devem ser vistos como uma nova proposta com foco na produção do aluno, estabelecendo uma definição mais contemporânea, segundo a qual:

Interlíngua é a competência linguístico-comunicativa que o aprendiz de LE manifesta em sua produção, marcada pela variabilidade, num percurso com avanços, regressões, instabilidade e possíveis fossilizações até o estágio final. Além das transferências linguísticas, ocorre a criação de regras próprias a esse sistema (CRUZ, 2001, p.47).

Apesar de haver autores que delimitam estágios de desenvolvimento de interlíngua (doravante IL), este trabalho se afina com Sharwood Smith (1994 apud CRUZ, 2001) e Cavalari (2005, p. 29) para os quais a evolução da IL é como um continuum, uma progressão gradual, na qual as novas regras aparecem e desestabilizam outras, provocando a reestruturação do sistema, tendo, portanto, a variabilidade como característica essencial do sistema idiossincrático do aprendiz, juntamente com a instabilidade, buscando uma aproximação cada vez maior com a L-alvo. Entretanto, esse processo também pode sofrer regressões quanto à norma de uma L-alvo, em função das normas da própria IL do aluno, principalmente quando se trata de temas novos ou difíceis, quando o aprendiz está muito agitado ou relaxado.

Além disso, é possível que haja momento(s) em que regras, itens linguísticos e subsistemas típicos da LM persistam na IL de alguns alunos em relação a L2, o que caracteriza a fossilização46, de acordo com Selinker (1972), que pode, então, estancar o fluxo evolutivo de sua IL. Contudo, Cruz (2001, p. 53) lembra que é possível superar essa “invariabilidade” com futuras experiências na L-alvo, com motivação e outras variáveis. Em

outras palavras, um item fossilizado pode ser superado em função das oportunidades de o aprendiz notar essa lacuna em sua IL e assumir uma atitude positiva em relação a isso.

Pela natureza desta pesquisa, que pretendeu implementar uma proposta de intervenção por meio do tratamento dos erros mais recorrentes na IL/LE dos alunos participantes a partir do levantamento do teste, parece inapropriado o uso do termo fossilização, uma vez que se fez um estudo longitudinal com um acompanhamento continuado dos aprendizes (CRUZ, 2001).

Apesar disso, vale mencionar que o mecanismo de fossilização é caracterizado por cinco processos psicolinguísticos, de acordo com Selinker (1972): (1) Transferência Linguística (influência ou limitações impostas pelo conhecimento linguístico da LM/L2 no processo de aprendizagem da L-alvo); (2) Transferência de Treinamento (influência dos livros e procedimentos metodológicos adotados para as novas estruturas como, por exemplo, a dificuldade em distinguir o gênero do pronome pessoal de terceira pessoa de singular e plural – he/she – em LI); (3) Estratégias de Aprendizagem (ações, conscientes ou não, empregadas pelo aluno ao perceber que não possui a competência necessária na L-alvo); (4) Estratégias de Comunicação na L-alvo (técnicas empregadas pelo aluno para se comunicar na L-alvo quando encontra carências linguísticas para expressar um significado); (5) Supergeneralização do Material Linguístico na L-alvo (fenômeno que descreve as regras geradas por analogia ou generalizações errôneas das regras da L-alvo).

Outros autores também levantaram ações utilizadas pelos alunos para facilitar a aprendizagem, como Bialystok (1978), que identifica quatro estratégias: prática formal (baseada no código linguístico para ampliar seu conhecimento explícito do código ou automatizá-lo e transformá-lo em conhecimento implícito); prática funcional (aumento da exposição à língua com fins comunicativos); utilização do monitor (autocorreção); inferência (estratégia de compreensão a fim de se obter uma informação linguística desconhecida).

Assim, é possível examinar a interlíngua através da análise desses fatores na fala do aprendiz em um contexto comunicativo, isto é, quando ele tenta usar a língua para se comunicar, é possível observar desvios em relação às regras da língua e perceber como se dá a estruturação das novas regras criadas pelo aluno em seu processo evolutivo. Nessa linha, a hipótese da pidginização de Schumann (1978), baseada em estudos naturalistas de aprendizes de L2 em contextos de imersão (untutored), procura explicar a fossilização de aspectos linguísticos dos estágios iniciais.

Segundo Schumann (1978), as características iniciais da IL de aprendizes de L2 são semelhantes às das línguas pidgins, formas de discurso reduzidas e simplificadas, utilizadas

para a comunicação entre indivíduos de línguas diferentes, caracterizadas pela ausência de transformações gramaticais e flexões morfológicas. A partir dessa perspectiva, a aquisição de uma L2 se compararia à complexificação das línguas pidgins e ao grau de aculturação do aprendiz, ou seja, o aluno terá maior sucesso na aprendizagem quanto mais próximo e integrado à comunidade falante da L-alvo ele se sentir – sendo a recíproca verdadeira: quanto mais alienado se sentir, mais parecida às línguas pidgins sua IL permanecerá.

Além disso, o autor compara as línguas pidgins com a segunda língua de um falante, limitando-se, de acordo com Smith (1972 apud SCHUMANN, 1978), à função comunicativa, isto é, à transmissão de informação denotativa, referencial. Esse autor descreve também a função expressiva, pela qual o falante demonstra sua virtuosidade linguística e se torna um membro admirado em seu meio, e a função integrativa, que situa o falante como membro de um grupo social por meio das características do discurso, como flexões verbais e nominais, inversões de perguntas.

Para os fins do presente trabalho, é relevante observar que os participantes fizeram um teste de PO (TEPOLI), que avalia tanto a função comunicativa, a integrativa e a precisão gramatical, por exemplo, uma vez que se trata de futuros professores de LE. Além disso, é relevante relembrar que as características das ILs dos participantes desta investigação, descritas no capítulo sobre a metodologia da pesquisa, e que serão detalhadas na análise de dados, não permitem classificá-los em um único nível por uma série de variáveis acentuadas por ser um estudo longitudinal. Daí a necessidade de se tratarem/gerenciarem tais desvios linguísticos para promover, nas palavras de Cavalari (2005, p. 35), “um ‘polimento’ de suas ILs”.

Identificados e definidos como erro/engano na IL, Dulay, Burt e Krashen (1982) os classifica a partir de suas características inferidas (categorias explicativas) ou observáveis (categorias descritivas), apesar da dificuldade de se inferir a natureza desses erros. Por isso, este trabalho se limita à análise das categorias descritivas que, conforme bem exposto por Cavalari (2005), podem ser classificadas de acordo com:

a) Categoria linguística: classifica os erros de acordo com o componente (fonologia, sintaxe e morfologia etc.) ou com o constituinte linguístico (preposição, verbo auxiliar etc.) que os erros afetam;

b) Estratégia de superfície: destaca a forma como as estruturas das orações são alteradas – por omissões, acréscimos ou ordenação errônea dos itens linguísticos, por exemplo;

c) Análise comparativa: baseia-se na comparação entre a estrutura dos erros do aprendiz da L-alvo com outros tipos de construção, como, por exemplo, os erros das crianças que aprendem essa mesma língua como materna;

d) Efeito comunicativo: baseia-se no efeito que o erro causa no ouvinte ou leitor, ou seja, se o erro atrapalha a comunicação ou não. De acordo com essa forma de classificação, desenvolvida por Burt e Kiparsky (1972 apud DULAY, 1982), os erros podem ser considerados globais (erros que afetam a organização geral de uma oração e interferem na comunicação, tornando a frase incompreensível para o ouvinte ou leitor) ou locais (erros que afetam um único elemento da oração e não chegam a atrapalhar a compreensão da mensagem) (CAVALARI, 2005, p. 56-7).

Este trabalho encontra-se dentro de uma perspectiva comunicativa de ensino, sendo importante levar em conta desdobramentos da noção de erro, indo além da forma linguística, sem, entretanto, desconsiderar a relevância da precisão gramatical. Para atingir os objetivos comuns ou específicos dos alunos participantes deste trabalho, serão tratados somente os erros referentes à forma linguística e ao efeito comunicativo, classificados de acordo com as categorias linguísticas acima propostas por Dulay, Burt e Krashen (1982).

É importante lembrar também que a escolha por tal definição e categorias de erros se fundamenta no objetivo específico do contexto de alunos que pretendem atuar como professores de ILE.

Nesse sentido, ao fornecer ferramentas que possam auxiliar o aluno a perceber e reparar o erro, o âmbito de atuação do professor é ampliado. Assim, caso a “cura” aconteça, será necessário período de longo prazo. Daí a necessidade de ter desenvolvido uma pesquisa longitudinal.

Em uma acepção mais ampla, numa analogia com a administração empresarial, Bartram e Walton (1991 apud CAVALARI, 2005) propõem o termo gerenciamento de erro, isto é, “tudo o que o professor faz ao perceber que o aluno comete um erro” (CAVALARI, 2005, p. 60), inclusive todas suas (re)ações imediatas, tais como tom de voz, gesto e as posteriores para ajudar o aluno a entender/corrigir/superar o erro.

Desse modo, o termo gerenciamento parece abarcar de maneira mais apropriada a complexidade do/no processo de tomada de decisões do professor na sala de aula no ensino de língua e, consequentemente, adotado por esta pesquisa, uma vez que envolve planejamento, cumprimento de metas, observação e pesquisa das condições de sala de aula etc., incluindo o conhecimento do professor sobre as variáveis afetivas e linguísticas que permeiam o contexto de ensino/aprendizagem, seu(s) objetivo(s) e plano(s) de ação com base nas características observadas (CAVALARI, 2005, p. 60).

ensino/aprendizagem diferente do de imersão, o feedback47 parece ser uma maneira apropriada de ajudar os alunos a modificarem sua produção, tornando-os capazes de perceberem e corrigirem seus erros.

Dessa forma, o papel do professor é avaliar, de acordo com a competência linguística de seus alunos (ALLWRIGHT; BAILEY, 1991; BARTRAM; WALTON, 1991; LYSTER; RANTA, 1997), quais são os erros que devem e como devem ser gerenciados/tratados48, ou seja, de “ajudar seus alunos a avançarem pelo continuum de suas ILs” (CAVALARI, 2005, p. 61), a perceberem lacunas existentes em suas produções, mais diretamente de diferentes maneiras (WILLIAMS, 2001). Há de se reconhecerem, assim, os limites de atuação do professor, visto que não há como ele reagir a todos os erros que ocorrem ou utilizar todas as diferentes técnicas/comportamentos corretivos existentes, haja vista a lista de trinta possíveis movimentos corretivos proposta por Chaudron (1977 apud ALLWRIGHT; BAILEY, 1991), por exemplo.

Diferentes autores distinguem os movimentos corretivos, que não serão aqui analisados, já que o foco no desvio linguístico produzido pelo aluno, a ser levantado e retomado em sala de aula, foi coletado durante a aplicação do teste e não em sala de aula. O levantamento do erro foi realizado para que fosse feita uma intervenção nas aulas, retomando o problema detectado, e não para promover a correção do aluno no momento do erro.

Daí não nos estendermos com relação ao feedback corretivo do professor e ao reparo, que, nesse caso, não será imediato (uptake)49, no dia da aplicação do teste, mas sempre posterior, na retomada em contexto de aula. Assim, as diferentes alternativas de que o professor dispõe ao gerenciar os erros de seus alunos ou o que fazer quando os aprendizes cometem erros em aulas não são objeto de estudo desta pesquisa.