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A Análise do Discurso da linha francesa nasceu na década de 60 num contexto em que ainda predominavam as tendências estruturalistas de considerar a língua enquanto um sistema, ignorando a exterioridade da linguagem como o contexto situacional e o histórico-social. Nessa época, ainda predominava a Linguística como centro do dispositivo das ciências humanas e já se fazia uma releitura do estruturalismo francês postulado por Saussure ([1916]1990) que instaurou a dicotomia entre langue (língua) e parole (fala). A língua é uma teia de relações entre os elementos linguísticos, formando um sistema em que cada um dos elementos só se pode definir relativamente aos outros com os quais forma o sistema. A língua

é de natureza social e abstrata em oposição à fala, que possui natureza individual e heterogênea e concretiza algumas possibilidades da língua. Neste sentido, “[...] o estatuto do sujeito, que perpassa esses domínios é a do sujeito idealista como origem, essência ou causa de si” (FONSECA-SILVA, 2007, p. 93).

Segundo Gadet e Hak (1997), é nesse contexto que surge a obra do filósofo Pêcheux, ao lado do linguista Jean Dubois, que busca fundar a Análise do Discurso, substituindo os estudos lexicográficos pelos estudos do enunciado. Pêcheux, ao se preocupar em definir a Análise do Discurso, diz que ela não é uma progressão natural da linguística saussuriana, por isso exige uma ruptura epistemológica, porque coloca o estudo do discurso em outro terreno em que intervêm questões relativas à ideologia e ao sujeito.

A concepção saussuriana, ao construir os conceitos de língua como um sistema e a fala como expressão de algumas possibilidades do sistema linguístico, desenvolveu e ampliou os estudos da Fonologia, da Morfologia e da Sintaxe, mas não foi suficiente para proceder à criação da Semântica, lugar de contradições da língua. A teoria do valor do signo era formal e sistêmica, mas não se referia ao significado, pois definia propriedades formais do signo em comparação com outro signo.

Toda a constituição da Análise do Discurso, segundo o próprio Pêcheux, foi feita pela construção, pelas desconstruções e reconfigurações dos seus conceitos em três épocas diferentes e não cessaram de produzir os seus efeitos (GADET; HAK, 1997, p. 335).

Primeira Fase (1969-1971) – A primeira fase da Análise do Discurso (AD-1) explorou a análise de discursos estabilizados, pois permitia menor exposição polissêmica, ou seja, uma menor abertura para a variação do sentido devido a um maior silenciamento do outro. Pêcheux propõe um nível intermediário entre a língua e a fala, que vai chamar de discurso, não como objeto empírico, mas dentro da relação com a história e como efeito de sentido produzido por interlocutores (GADET; HAK, 1997). Neste sentido, Pêcheux ([1971]1990), apoiando-se em Althusser, que considerava os sujeitos assujeitados a um sujeito-estrutura (Sujeito), define a AD-1 como:

Um processo de produção discursiva é concebido como uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma, de tal modo que um sujeito- estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos: os sujeitos acreditam que “utilizam” seus discursos quando, na verdade, são seus “servos” assujeitados, seus suportes. (PÊCHEUX, [1971]1990, p. 311).

Segunda Fase (1975-1981) – Neste momento, aconteceu a segunda fase da Análise do Discurso (AD-2) em que se começou a perceber que as relações entre as máquinas discursivas

eram relações de forças desiguais, por isso se apropriou da noção de formação discursiva de Foucault ([1969]2005, p.133): “[...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa”. A noção de que uma formação discursiva determina o que pode e deve ser dito ou o que não pode e não deve ser dito a partir de um lugar social, abalou a concepção da maquinaria estrutural fechada anterior, uma vez que uma formação discursiva, não sendo um espaço fechado, é constitutivamente medida por elementos que vêm de outros lugares (outras formações discursivas) que se repetem nela, fornecendo-lhe as suas evidências discursivas fundamentais sob a forma de pré-construídos ou discurso transverso.

Apesar desses deslocamentos teóricos, as regras anônimas de uma formação discursiva determinavam o interno (o que pode e deve ser dito) e o externo (o que não pode e não deve ser dito), logo aquela máquina discursiva estrutural não foi destruída totalmente, pois o sujeito mantinha uma homogeneidade com os sentidos que nela se instauravam. Agora, no momento em que uma formação discursiva vai definir-se em relação a outras formações discursivas, o sujeito do discurso percebe que as condições de produção não são estáveis, tampouco homogêneas, por isso não pode ser entendida como espaço estrutural fechado. Ela será invadida por outras formações discursivas (componente da formação ideológica e lugar de constituição dos sentidos) que materializam a formação ideológica de onde decorrem. Nessa relação de formações discursivas, constata-se a desigualdade das máquinas discursivas, o que não acontecia com a AD-1, pois lá as máquinas discursivas eram autônomas, fechadas e justapostas.

O próprio Pêcheux ([1975]2009, p.163) explica que a interpelação do indivíduo em sujeito do seu discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina, por isso surgem as diferentes sujeições. A primeira tomada de posição é aquela em que o sujeito se identifica totalmente com o Sujeito, pois há uma identificação plena do sujeito do discurso com a forma-sujeito num total assujeitamento, típico do bom sujeito, que é capaz de se anular para servir aquele que o escravizava. Esse discurso é muito comum nas práticas discursivas de um sistema prisional, de uma escola, de um partido político, de um sindicato, de uma igreja, etc.

A segunda tomada de posição é o discurso do mau sujeito, que se opõe ao sujeito universal, o sujeito contraidentifica-se com a formação discursiva que lhe é imposta pelo interdiscurso, porque duvida, questiona, contesta, revolta-se. Daí nasce a diversidade,

portanto, a possibilidade de transformação, o que pode ocorrer numa empresa, na universidade, na família, etc.

A terceira tomada de posição se refere a uma total desidentificação, que constitui um trabalho de deslocamento de uma formação discursiva para a inscrição em uma nova formação discursiva. Recentemente, analisou-se a posição contraditória dos radicais do Partido dos Trabalhadores (PT) que abandonaram a sigla partidária por desvios ideológicos e criaram novos partidos, como o Partido da Solidariedade (PSOL) e a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva.

Terceira Fase (1982-1983) – Na AD-3, muda-se o enfoque, porque os discursos que atravessavam as formas discursivas não eram independentes, pois se formavam de maneira regulada no interior do interdiscurso, por isso a análise linguística por etapas, com ordem fixa, (AD-1) explodiu definitivamente. Recentes pesquisas mostram o primado do interdiscurso sobre o discurso, o que ocorria de forma diferente na AD-1, porquanto a relação entre discursos era realizada entre “máquinas discursivas justapostas”, cada uma delas autônoma e fechada sobre si mesma; também era diferente com a AD-2, que considerava a existência de formações discursivas constituídas independentemente umas das outras para serem postas em relação.

Nesta fase AD-3, novas reformulações aconteceram no dispositivo teórico da Análise do Discurso, mas o que marcou o período foi o primado do outro sobre o mesmo e a desconstrução das maquinarias discursivas. Entre 1976 e 1977, Pêcheux e os althusserianos conduzem os jogos políticos e teóricos, pois a política tinha embaralhado as cartas durante muito tempo, tendo servido de ligação para numerosos intelectuais que se tornaram comunistas. Ocorreu, então, a chegada da pragmática, da filosofia da linguagem, da análise da conversação, da linguística da enunciação e da recepção aos trabalhos de Bakhtin, na França, em 1977, que colocava em voga a interação, o dialogismo. Pêcheux reage: “[...] a questão do sentido não pode ser regulada na esfera das relações interindividuais, nem tampouco na das relações sociais pensadas no modo da interação entre grupos humanos” (apud MALDIDIER, 2003, p. 61).