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Escafandrista da Mídia

No documento PORTCOM (páginas 141-145)

O professor e pesquisador José Marques de Melo é uma espé- cie de escafandrista da mídia. Ao longo da sua trajetória aca- dêmica, envolto em sólido arcabouço teórico, ele mergulhou profundamente na história da formação da identidade do Jornalismo no Brasil. Um dos célebres resultados desse em- preendimento é a coleção Clássicos do Jornalismo Brasileiro, formada por seis obras indispensáveis para se compreender o nosso ethos jornalístico.

A preocupação com as raízes da prática do Jornalismo nos reme- te ao ano de 1973, quando Marques de Melo defendeu tese de doutorado intitulada “Fatores sócio-culturais que retardaram a implantação da Imprensa no Brasil”. Revelava-se, naquele mo- mento, um traço metodológico indelével da sua atividade de pes- quisador: a ênfase à perspectiva histórica, amparada por elemen- tos de natureza social, política e cultural. Sob o ponto de vista do próprio Marques de Melo (GOBBI, 2001), a integração dessas dimensões oferece ao pesquisador a possibilidade de se investigar de maneira integral o desenvolvimento do Jornalismo no Brasil.

1. Professor e coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco – Unicap

2.3

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Ao se dedicar ao estudo dessas raízes, seja como conteúdo de sala de aula ou como objeto de pesquisa, algo incomodou Marques de Melo: “Inquietava-se o fato de que ao ministrar conhecimentos teóricos sobre jornalismo na universi- dade, os alunos reclamavam a ausência de fontes capazes de explicitar o pen- samento brasileiro”2. Da inquietação nasceu a coletânea de seis livros editados pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP) intitulada Clássicos do Jornalismo Brasileiro.

São eles:

• “A imprensa e o dever da verdade”, de Rui Barbosa • “A missão da imprensa”, de Carlos Lacerda

• “Espírito do Jornalismo”, de Danton Jobim

• “Iniciação à filosofia do Jornalismo”, de Luiz Beltrão

• “O jornalismo como gênero literário”, de Alceu Amoroso de Lima • “O problema da imprensa”, de Barbosa Lima Sobrinho

Sobre os autores acima listados, cabem duas observações de natureza biográ- fica a relacionar Marques de Melo aos clássicos editados. A primeira diz respeito a Rui Barbosa. Foi influenciado justamente pelo texto “A imprensa e o dever da verdade” (BARBOSA, 1990) que, na década de 1950, o então adolescente de Palmeira dos Índios decidiu se dedicar à prática jornalística – primeiramente em publicações estudantis, depois, na grande imprensa (GOBBI, 2001).

A segunda observação se refere a Luiz Beltrão, coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Foi com Bel- trão, do qual se tornou o principal pupilo, que Marques de Melo iniciou seu percurso acadêmico no campo da comunicação. Além de aluno do autor de “Iniciação à filosofia do Jornalismo” (BELTRÃO, 1990), Marques de Melo foi integrante ativo do Instituto de Ciências da Informação. O ICINFORM, fun- dado em 1963 na UNICAP, entrou para a história como o primeiro centro de pesquisas de fenômenos comunicacionais do Brasil.

Certamente, para o professor e pesquisador José Marques de Melo, esses dois títulos possuem, além do valor histórico inquestionável, um peso emo- cional. Tratam-se de pilares fundantes da sua formação pessoal e profissional. Ao mesmo tempo, ao lado das demais obras editadas, eles apresentam as bases

2. Entrevista concedida por José Marques de Melo a Elaine Melo. Disponível em: <www2. eca.usp.br/pjbr/arquivos/entrevistas1_ahtm>. Acesso em 27 jun. 2014.

sobre as quais vêm se construindo a prática jornalística nacional. São, portan- to, referenciais teóricos e práticos indispensáveis, sobretudo, para estudantes e profissionais da área.

A Coleção

O texto “A imprensa e o dever da verdade” (BARBOSA, 1990) foi edita- do pela primeira vez em 1920, com dois objetivos: destacar a importância dos meios de comunicação na sociedade e angariar recursos para a manutenção do Abrigo dos Filhos do Povo, localizado em Salvador. Questões de saúde impe- diram Rui Barbosa de ministrar a conferência, conforme havia programado. Entretanto, aspectos centrais da atividade jornalística ressaltados pelo autor no texto reverberam até hoje.

A ética é o elemento norteador da reflexão de Rui Barbosa. A partir dela, o autor chama a atenção da sociedade para a utilidade pública da imprensa e o de- ver do jornalista de informar, sem omissões. Ressalta-se, nesse sentido, o papel fiscalizador desse profissional, cujo dever é sobretudo expor os deslizes do poder público. A análise se volta, principalmente, para questões relacionadas à corrup- ção e ao seu impacto não apenas na atividade daquele que trabalha diretamente com a informação, mas também nas empresas de comunicação. A vítima das consequências indesejáveis dessa relação entre corrupção, governo e imprensa, por sua vez, é a própria sociedade e suas instituições, alerta.

É fundamentalmente Rui Barbosa quem influencia Carlos Lacerda em “A missão da imprensa” (LACERDA, 1990). No texto, originalmente proferido em palestra na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o jornalista, empresário e político polêmico se refere a um dos patronos da sua formação em mais de um momento. Por meio de uma espécie de relato pessoal, Lacerda procura chamar atenção para temas já tratados por Rui Barbosa, dentre eles o papel social do jornalista, seu compromisso de servir o povo e, assim, defender os interesses da sociedade. Sua missão seria traduzir a complexidade dos fatos para, com isso, incentivar o leitor a participar da vida política do País.

O jornalismo é entendido, portanto, como ferramenta capaz de fomentar uma opinião pública bem informada e, consequentemente, vigilante e esclare- cida. Para isso, defende Lacerda, a atividade jornalística deve ser motivada pelo atendimento ao bem comum, livre de oportunismos políticos ou motivações essencialmente financeiras. Preocupações dessa ordem são apontadas como ne- cessárias para se evitar a desmoralização da imprensa e, por conseguinte, do pró- prio País. Ao apontar esses e outros problemas relacionados à imprensa, como o

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sensacionalismo, o autor ressalva: não é sua intenção denegri-la, pelo contrário. Tais defeitos não são incuráveis, afirma Lacerda. Apontá-los seria o primeiro passo para corrigi-los. E isso se dá, recomenda o autor, por meio da decência, do respeito próprio e do respeito pelo leitor.

O livro “O problema da imprensa” (LIMA SOBRINHO, 1990), do jurista, literato, historiador, político e jornalista Barbosa Lima Sobrinho, também é mar- cado pela tônica de relato pessoal. Editada pela primeira vez em 1923, trata-se de uma obra pioneira sobre a atividade jornalística e as várias dimensões a ela relacio- nadas. Questões sobre a relação entre imprensa e sociedade são abordadas numa perspectiva histórica, com destaque para aspectos legais ligados à prática profissio- nal, como direito de resposta. Por ocasião da publicação desse livro, Barbosa Lima Sobrinho pode ser considerado um dos pioneiros – ou o pioneiro – do estudo da comunicação no Brasil, mais especificamente do jornalismo (DE MELO, 1997).

Já em “Espírito do Jornalismo” (JOBIM, 1990), Danton Jobim aborda a atividade jornalística a partir das suas técnicas, das suas relações com a opinião pública e da sua importância no contexto das relações internacionais. O livro reúne textos inéditos de um dos principais nomes brasileiros não apenas da prática, mas, sobretudo, do ensino do jornalismo. Trata-se de uma coletânea de material inédito, boa parte resultado de aulas ministradas no exterior, em uni- versidades de Paris (França) e do Texas (EUA). Destaca-se na obra o entusiasmo de Jobim em relação ao modelo de imprensa praticado nos EUA, tanto no que se refere ao estilo, simples e direto, quanto à estrutura de mercado, essencial- mente empresarial.

Assim como Jobim, Luiz Beltrão é nome de referência tanto no ensino e pesquisa quanto na atividade diária das redações. O livro “Introdução à filoso- fia do Jornalismo” (BELTRÃO, 1990) é resultado, justamente, da tentativa de estabelecer e difundir o diálogo entre teoria e prática, com o objetivo de refletir, mais especificamente, sobre a formação do jornalista. Na publicação de 1960, Beltrão desenvolve sua reflexão sem abrir mão do rigor científico, facilmente perceptível na apresentação de conceitos claros e bem delimitados sobre a prá- tica diária do jornalista.

Beltrão se propõe a mergulhar no mundo social do fazer jornalismo e, as- sim, apresenta uma interpretação do papel de cada um dos chamados “agentes do jornalismo”. O público, o editor, o técnico e o jornalista estão presentes no arcabouço teórico delineado por Beltrão. Mas não se trata de mera descrição das atividades pertinentes a cada um dos agentes. Pelo contrário. Sobre eles, o autor lança, também, um olhar macro e, por isso, não perde de vista a interação entre os agentes e a estrutura. Nesse sentido, vêm à tona debates sobre o uso da tecno- logia no jornalismo e suas consequências para o processo de produção da notícia.

Publicado originalmente em 1958, o livro “O jornalismo como gênero lite- rário” (DE LIMA, 1990), de Alceu Amoroso de Lima, também conhecido pelo pseudônimo Tristão de Athayde, é outra referência a integrar esta coleção. No foco da reflexão desenvolvida pelo advogado, diplomata, professor, escritor e jornalista está a interface entre jornalismo e literatura. Para isso, o autor desen- volve um debate sobre os elementos caracterizadores daquilo que pode ser clas- sificado como gênero literário. Em seguida, ele aborda a possibilidade de inserir nesse contexto conceitual o resultado da produção jornalística: uma prosa sobre os acontecimentos.

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