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Primeiros avanços

No documento PORTCOM (páginas 189-193)

A tese elaborada para concorrer ao título de livre-docente é, sem dúvida, o mais importante dentre seus trabalhos relacionados aos gêneros jornalísticos. Se não apenas em razão das defesas expostas – haja vista que algumas delas foram atualizadas ou modificadas –, assim o é pelo fato de ter sido o texto em torno da questão mais difundido no país – já dito – e o mais citado, consequentemente. Foi duas vezes publicado pela Editora Vozes, sob o título “A opinião no jornalis- mo brasileiro” (MARQUES DE MELO, 1985; 1994), e uma terceira vez pela Editora Mantiqueira, com o nome “Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro”, sendo revisto e adaptado para fins didáticos (MAR- QUES DE MELO, 2003b).

Há de se destacar que ali estão diluídas pistas para a compreensão dos gê- neros, como a ideia de que estudá-los é exercício que ajuda a visualizar “a iden- tidade do jornalismo” (MARQUES DE MELO, 2003b, p. 11) e que, por isso mesmo, deve levar em conta aspectos culturais, geográficos, ideológicos, etc. Em razão disso, Marques de Melo “sustenta que os gêneros jornalísticos são

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manifestações específicas do campo do jornalismo que, no Brasil, conjugam influências externas com particularidades autóctones”, como avalia Jorge Pedro Sousa (2010, p. 55).

O próprio autor afirmou, em livro posterior, que

compreender os gêneros jornalísticos significa, portanto, estabelecer comparações, buscar identidades, indagar procedências. Daí a necessida- de de encontrar na bibliografia internacional aquelas referências capazes de elucidar certas nuanças características do jornalismo que praticamos no Brasil contemporâneo. [...] Nosso jornalismo é contemporaneamente o resultado cultural desse conjunto de motivações forâneas, sem que isso queira significar a existência de uma fisionomia amorfa, produzida pelo entrecruzamento dos padrões estrangeiros (MARQUES DE MELO, 2006c, p. 68-69).

Por isso mesmo, o professor, naquele começo dos anos 1980, elaborou – antes de sugerir sua taxionomia – um panorama das classificações que haviam sido propostas nos Estados Unidos, na Europa e, principalmente, na América Latina. Em seu mapeamento, constam os nomes de 12 autores6 que se dedica- ram a encontrar parâmetros para a definição dos conteúdos publicados na mídia impressa. Cada um deles observa a divisão dos gêneros de forma distinta: Emil Dovifat, por exemplo, entende-os como “formas de expressão jornalística” que “se definem pelo estilo e assumem expressão própria pela obrigação de tornar a leitura interessante e motivadora”; Joseph Folliet, por outro lado, diz que os “os gêneros surgem da correspondência de textos que os jornalistas escrevem em re- lação às inclinações e aos gostos do público” (MARQUES DE MELO, 2003b, p. 43); outros, contudo, não oferecem grandes explicações sobre os critérios que os levaram a dadas listagens, dedicando-se exclusivamente a dizer quais caracte- rísticas marcam cada um dos gêneros indicados.

No exercício de avaliação dessas possibilidades, Marques de Melo (2003b, p. 43) percebeu embates nos conceitos e no tratamento conferido às obser- vações sobre os gêneros. É o que evidencia ao afirmar que “a literatura nor- te-americana sobre jornalismo demonstra reduzida atenção a [...] questões

6. São eles: Joseph Folliet e Jacques Kayser (França); Fraser Bond (EUA); Emil Dovifat (Alemanha); Domenico De Gregorio (Itália); Martín Vivaldi e Martínez Albertos (Es- panha); Juan Gargurevich (Peru); Eugenio Castelli (Argentina); Raul Rivadeneira Prada (Bolívia); Julio Cabello (Venezuela); e Luiz Beltrão (Brasil).

epistemológicas ou taxionômicas, revelando interesse mais pragmático pela descrição ou interpretação dos processos jornalísticos ou buscando aprender suas tendências concretas”.

Da lista de autores, Luiz Beltrão é assumidamente sua principal fonte de refe- rência, tanto pelo fato de ter sido “o pioneiro dos estudos brasileiros sobre gêneros jornalísticos” (MARQUES DE MELO, 2010a, p. 25, grifo nosso) – proximida- de geográfica – quanto pela metodologia adotada. Ambos são adeptos da empiria como estratégia de pesquisa – afinidade metodológica – e da noção do jornalismo como referencial que contempla variáveis comuns ao próprio objeto, sendo neces- sário percebê-las para compreender o contexto (SOUSA, 2010, p. 47).

As percepções de Beltrão sobre as diferentes formas do jornalismo se encon- tram numa trilogia produzida para atender aos cursos de formação universitária da área7. Atento ao mercado, o mestre de Marques de Melo reproduziu, em seu trabalho, as mesmas definições do senso comum estabelecido entre profissionais de sua época, não obstante buscando ancoragem em bibliografia nacional e es- trangeira.

Já os critérios que orientam Marques de Melo (2003b, p. 64) se apresentam em duas frentes. Primeiro, na intenção da empresa jornalística ao transmi- tir determinado acontecimento: a maneira como a instituição quer difundir os fatos é o que determina, por exemplo, se ele será relatado sem qualquer juízo de valor ou, então, se será impresso com alguma carga analítica. Já o segundo aspecto destacado, referente à estrutura, não diz respeito somente às caracte- rísticas textuais – que configuram seu estilo –, mas denota “a articulação que existe do ponto de vista processual entre os acontecimentos (real), sua expressão jornalística (relato) e a apreensão pela sociedade (leitura)”.

Embora se guie por Beltrão, o autor questiona os critérios classificatórios de seu antecessor, os quais tomaram por base o que era comumente aceito por jornalistas da época. Ao criticar tal proposta, acaba banindo algumas separações, como a divisão entre “reportagem” e “reportagem em profundidade” – por con- siderar que não há atributos suficientes para serem entendidas como gêneros separados –, e contesta a autonomia da fotografia e dos demais recursos visuais, defendendo que se tratam apenas de códigos utilizados para o registro e para a documentação dos acontecimentos.

Marques de Melo (2003b, p. 61) também coloca em xeque a independência que Beltrão atribui à história de interesse humano, afirmando que, “na prática,

7. A imprensa informativa: técnica da notícia e da reportagem no jornal diário (1969), Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica (1976) e Jornalismo opinativo (1980).

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o que ocorre é a sua distinção como ‘matéria fria’ (de atualidade permanente), permitindo-se o jornalista que a escreve recorrer ao arsenal narrativo peculiar ao universo da ficção”. Tempos depois, como veremos, tal postura foi repensada.

Com base no quadro teórico aqui resumido e observando a realidade da imprensa no período indicado, Marques de Melo (2003b, p. 65) propôs, nessa primeira fase de seu trabalho, a classificação dos gêneros do jornalismo brasilei- ro em conformidade com duas classes (informação e opinião), as quais corre- lacionam os critérios intencionalidade e natureza estrutural dos relatos. Sua divisão, portanto, apresentava-se assim:

a) Jornalismo informativo8 (nota, notícia, reportagem, entrevista). b) Jornalismo opinativo (editorial, comentário, artigo, resenha, coluna,

crônica, caricatura, carta).

É interessante notar, aqui, uma mudança de posicionamento – que irá se acentuar nas décadas seguintes – relacionada aos agrupamentos dos textos jor- nalísticos. Na tese de livre-docência, o professor percebe fragilidades nas “ten- dências rotuladas como jornalismo interpretativo e jornalismo diversional”, afir- mando que ambas não encontram “ancoragem na práxis jornalística observada no país” (MARQUES DE MELO, 2003b, p. 64). Sua ideia, à época, era a de que “interpretação” e “diversão” são recursos adotados, vez ou outra, pelo jor- nalismo informativo, muito embora, na pesquisa realizada no CIESPAL, tenha dado autonomia aos “noticiários interpretativos”.

Dando continuidade às observações empíricas, ainda desenvolveu pesquisa, em 1985, com um grupo de alunos de mestrado e doutorado da ECA-USP – matriculados na disciplina “Gêneros opinativos na imprensa diária” –, os quais se dedicaram a analisar a Folha de S.Paulo, à época o jornal de maior tiragem no país. Foram estudados seis gêneros opinativos (artigo, caricatura, carta, comentá- rio, crônica e editorial) e um único gênero informativo (entrevista). A fotografia

8. Na classificação proposta em sua livre-docência, Marques de Melo (2003b, p. 62) de- finiu jornalismo informativo e jornalismo opinativo como “categorias que correspondem à intencionalidade determinante dos relatos através de que se configuram”. Portanto, não foram, ali, entendidos como gêneros. Os demais itens (nota, notícia, reportagem, entrevista, editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta) é que se configuraram como tal. Nos trabalhos posteriores, porém, outra dinâmica se apresentou: o que era categoria passou a ser definido como gênero, e o que gênero come- çou a ser chamado de formato. Voltaremos a essa questão no próximo tópico.

também fez parte desse rol, muito embora o autor não a considere um gênero, mas, sim, um “código utilizado para registrar fatos ou documentá-los” (MAR- QUES DE MELO, 1992, p. 12), sendo seu argumento o de que um código não é suficiente para categorizar qualquer gênero jornalístico.

A relevância do esforço apresentado em “Gêneros jornalísticos na Folha de S.Paulo”, livro resultante da análise acima mencionada, se evidencia em duas particularidades: no teste de alguns gêneros legitimados pelo orientador e nas conclusões alcançadas, principalmente a que revela ser esse tipo de estudo exi- gente de repetição. Em texto de apresentação daquele volume, assim é exposto:

É importante explicitar que o exercício feito conjuntamente com os meus alunos para analisar a relação teoria-prática dos gêneros jornalísti- cos num diário paulistano trouxe muitos elementos para confirmar ten- dências encontradas na bibliografia científica do Jornalismo. No entanto, os resultados coligados não permitem fazer generalizações para o jornal

Folha de S.Paulo como um todo. Eles refletem o comportamento do ve-

ículo naquela semana estudada ou, quando muito, naquela conjuntura. Um perfil mais duradouro dos gêneros jornalísticos nessa publicação exigiria uma vasta pesquisa, captando amostras de diferentes momentos históricos (MARQUES DE MELO, 1992, p. 13).

Somente no final dos anos 1990, contudo, é que despontaria a segunda era das ideias do autor sobre o objeto aqui discutido, com a revisão do que fora defendido até a década anterior e a com ampliação da lista dos gêneros por ele reconhecidos.

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