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Rossana Gaia

No documento PORTCOM (páginas 53-55)

O professor José Marques de Melo é o exemplo concreto do provérbio em latim veni, vidi, vici (vim, vi, venci), sendo, por- tanto, uma das referências mais dignificantes da sua pequena tribo Santana do Ipanema, distante da capital alagoana cerca de 3 horas. Suas memórias sobre a cidade que adotamos são inúmeras: nomes, lugares, eventos, jornais, manjares. Por trás de tantas informações, predomina o afeto que se consolida na memória. “Há que se ter muito cuidado com as lembranças dos velhos”, disse-me este septuagenário, ao me alertar sobre a seleção de fatos ausentes de critérios que as emoções nos ofertam. No entanto, destaco que as lembranças gustativas são predominantes nos prelúdios das nossas conversas sobre jornalismo: doces, frutas, pratos típicos. No encontro que ti- vemos em abril de 2014 para um registro acerca da relevância do jornalista Danton Jobim [1906-1978], com o testemunho dos amigos Luis Jobim e Ricardo Moresi, o “prato” do dia foram os cágados, uma espécie de tartaruga que se constitui verdadeiro banquete para os santanenses, apesar de serem co- zidos na mesma lógica que os índios caetés comeram Dom Pero Fernandes Sardinha: os animais são jogados em água fer- vente, ainda vivos. Lembramos a delícia da comida típica e, obviamente, rimos do susto dos presentes diante dessa pecu- liaridade tão tupiniquim, tão singela e tão nossa. O professor Marques demarca o seu território, historicamente, a partir

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dos pequenos signos que traduzem a nossa suave posição guerreira. Esta marca simbólica, mais do que metáfora, é crucial se desejarmos entender sua carreira vitoriosa no campo da pesquisa em comunicação no Brasil e na América Latina.

Por mais que tenha se afastado da cidade onde construiu sua base de forma- ção crítica e sua profissão de jornalista para ampliar sua carreira intelectual, ini- cialmente em Recife – onde se formou em Jornalismo e em Direito – e posterior- mente em São Paulo, onde consolidou seu nome e seu legado na Universidade de São Paulo (USP) e também na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), bem como contribuiu para o fortalecimento da organização científica do cam- po comunicacional, José Marques de Melo, alagoano nascido em Palmeira dos Índios, em 1943, nunca esqueceu suas origens. Assim, desde que o conheci, em 1999, pudemos manter certa cumplicidade intelectual, com poucos pontos de vista eventualmente díspares, a partir de um diálogo permanente com a margem da saudade que só o Rio Ipanema e o Riacho da Camoxinga nos conferem.

Mesmo distante de Alagoas, o professor José Marques de Melo sempre de- sempenhou papel fundamental para o fortalecimento dos estudos na área da Comunicação. Foi assim em janeiro de 2007, quando organizamos o Seminário Centenário de Théo Brandão (com apoio da sua ex-orientanda de doutorado, professora Mirtes Torres e de Magnolia Rejane Andrade dos Santos, ambas da UFAL) no museu homônimo em Maceió. Como parte das atividades dos 30 anos de fundação da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co- municação (INTERCOM), que integra como presidente de honra, Marques de Melo (2007) produziu um artigo para a discussão no qual indicou detalhes sobre a importância do renomado folclorista para a Comunicação em Alagoas.

O evento teve dois painéis que tive o prazer de coordenar. No primeiro “Théo Brandão e a folkcomunicação”, além do professor Marques participaram os professores Roberto Benjamin (1943-2013), Osvaldo Trigueiro (UFPB) e Leda Almeida (UFAL). No segundo painel, “Théo Brandão: Presença no jorna- lismo e destaque na cultura alagoana”, participaram os professores Luis Antonio Barreto (1944-2012), Carmen Lúcia Dantas (UFAL), Bruno César Cavalcanti (UFAL) e Érico Abreu (UFAL e Sindicato dos Jornalistas de Alagoas). A re- levância do seminário foi tanto lembrar aos alagoanos que Theo Brandão era mais do que o nome de um museu, quanto indicar novas pistas para a leitura (ou releitura) da sua obra, incluindo sua importância para criação do curso de Comunicação. Essa sempre foi uma das características mais marcantes deste mestre: registrar e ampliar o interesse por futuras pesquisas.

Quem observa sua trajetória identifica que o professor Marques constrói uma narrativa que sempre retoma debates anteriores. Nos distantes 1972, ocu- pado com a tese doutoral, ele recebeu um telefonema do gabinete do professor

Manuel Diégues Jr. (1912-1991, pai do cineasta Cacá Diegues) e que atuava, naquele período, no Ministério da Educação, solicitando uma audiência espe- cial ao professor Théo Brandão (1907-1981), da UFAL. “Deduzi, pela estatura do mediador, que a missão por ele desempenhada era muito importante para Alagoas. No dia seguinte, recebi o visitante, que eu tanto admirava como leitor”, registrou. Ainda que ocupasse o importante cargo de Diretor do Departamen- to de Jornalismo da Escola de Comunicações Culturais da USP, Marques de Melo lança todo o seu foco ao grande pesquisador já renomado de Alagoas. Ao longo da conversa, Theo Brandão informou a necessidade de ter informações sobre como criar o curso de Comunicação na UFAL e recebeu uma aula de José Marques sobre as estratégias de ensino, infraestrutura de laboratórios, currículo etc. “Apesar do empenho de Theo Brandão, frustraram-se as expectativas no âmbito federal, naquele momento. O Curso de Comunicação da UFAL só veio a ser inaugurado em 1979, quando ele já estava aposentado” (MARQUES DE MELO, 2007, p. 4). Convém registrar que de 1974 a 1979 o professor Marques ficou afastado da USP, pois integrou a lista dos perseguidos políticos no regime militar (GAIA, 2003a).

Esse movimento da UFAL já era uma resposta ao que havia sido discutido em 1971 no I Seminário Nordestino de Comunicação, promovido pelo Sindi- cato dos Jornalistas, com apoio do Governo Estadual, pois em 1969 passou a ser obrigatório o diploma para o exercício do jornalismo. A ação dos sindicatos da categoria, conforme registrou o professor, tinha por meta impedir a invasão de jornalistas provisionados no mercado que tinha sua ação garantida já que não existia um centro formador. O retrocesso vivenciado pela categoria em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) eliminou a exigência do diploma aos jornalistas não foi acompanhado de longe pelo professor. Na entrega da comenda da Federação Nacional dos jornalistas (FENAJ), em abril de 2014, sua militância e seu apoio à entidade foram recordados por muitos dos presentes.

No documento PORTCOM (páginas 53-55)