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2. DESENHANDO PERFIS: MUNICÍPIO, ESCOLA, PROFESSORA E ALUNOS

2.2. A escola selecionada

Antes de trazer informações específicas sobre a escola selecionada, cabe aqui o registro das dificuldades encontradas para realização da coleta de dados. No momento do teste dos instrumentos para coleta de dados, portanto etapa preliminar da pesquisa, a recepção nas escolas foi sempre muito difícil – foram visitadas três escolas, sendo uma delas da rede estadual. Na escola estadual fui atendida somente na secretaria (por meio das grades) e a diretora recusou o pedido e nem mesmo aceitou me receber para que eu pudesse expor melhor as intenções da pesquisa. As escolas municipais somente aceitaram meu pedido por meio de autorização da Secretaria Municipal de Educação, com declaração impressa entregue na secretaria escolar. O processo sempre foi marcado por muitas idas e vindas, agendamentos e reagendamentos. O primeiro contato foi sempre na secretaria da escola, deixando a documentação e agendando reunião com a direção ou coordenação da escola. Em uma das escolas foi preciso retornar três vezes para conseguir a autorização para a pesquisa e na outra (os testes foram realizados em duas escolas municipais) retornei quatro vezes.

Tendo a autorização da direção, a dificuldade foi conseguir que as professoras concordassem em colaborar com a pesquisa. Em uma das escolas a coordenação escolheu a professora no momento em que eu aguardava na secretaria e o processo foi assim: a primeira professora que apareceu para entregar um documento para a coordenadora foi “intimada” a colaborar concedendo uma entrevista. A professora ficou constrangida, tensa, e tentou disfarçar sorrindo e fazendo piadas sobre não gostar de ser entrevistada. No caminho para a sala onde a entrevista foi realizada essa professora solicitou que outra docente a acompanhasse nesse momento. Não me opus porque percebi que de outra forma ela não concederia a entrevista. As duas professoras foram entrevistadas então, dividindo as questões em duas sessões de aproximadamente uma hora porque elas acharam melhor assim (a princípio a ideia era realizar a entrevista em um momento único, mesmo porque o instrumento continha muito menos questões do que o instrumento final de pesquisa). Retornei no dia agendado com as professoras para terminar a entrevista e nesse dia elas estavam ainda menos centradas na atividade. Na outra escola a coordenação conversou com a professora também no momento em que eu aguardava para ser atendida. O processo transcorreu mais tranquilamente, entretanto cabe salientar o desconforto da docente com receio de que as perguntas fossem comprometedoras. Ela solicitou o roteiro de questões para ler antes de realizar a entrevista (o que já tinha sido feito pela coordenadora). Com essa docente foi possível realizar a entrevista completa em apenas uma sessão.

Além das impressões acima, foi possível perceber que as três professoras apresentavam um desânimo com relação à profissão, mesmo não sendo foco da entrevista as queixas contra o “sistema”, contra a rara participação das famílias no processo educacional, contra a indisciplina dos alunos e a falta de limites e interesse pelos estudos, sempre ficaram muito marcadas. Algumas questões foram de suma importância para a reformulação do instrumento como por exemplo, a dificuldade das professoras quanto à percepção corporal de si mesmas como docentes. As questões que versavam sobre essa percepção precisaram ser explicadas detalhadamente e mesmo assim as respostas foram muito evasivas. Houve também dificuldade em rememorar os tempos de escola com relação a imagens, cheiros, gestos, enfim, essas memórias foram acessadas somente por vias indiretas durante a entrevista e as próprias professoras foram percebendo as conexões e tomando consciência dessas lembranças. Houve dificuldades de evocarem episódios de muita alegria na escola (da época em que eram alunas), mas os episódios negativos afloraram rapidamente.

Diante das observações apresentadas anteriormente e de uma reflexão mais detalhada sobre o objeto de pesquisa, o roteiro de entrevistas foi desmembrado, revisto e ampliado. Optou- se por organizar as questões em três blocos temáticos com o objetivo de melhor aproveitar o tempo e detalhar cada tema abordado. Depois de realizadas as alterações necessárias (após o teste dos instrumentos), passou-se à etapa principal da coleta de dados. Desafios semelhantes foram encontrados: após nova autorização da Secretaria de Educação do Município, específica para a escola escolhida, solicitou-se permissão para coleta de dados. Feito isso, a coordenação indicou uma das professoras para observação das aulas e colaboração com questionário e entrevistas. A coordenação abordou-a na minha frente e a docente aceitou participar da pesquisa. Aparentemente a professora aceitou bem a minha presença, mas só aparentemente. Sua tensão ficou evidente quando procurou explicar o comportamento dos alunos em sala de aula (comportamento indisciplinado, segundo a professora). Sua revolta contra os programas assistenciais do governo federal veio à tona em todas as aulas que observei. O questionário (entregue à professora no primeiro dia de pesquisa) demorou quase dois meses para retornar para mim e ainda assim respondido de modo incompleto. As entrevistas foram agendadas nos horários “livres” da professora (quando a classe ficava com outras professoras ou na aula de educação artística ou na aula de educação física). Entretanto, muitas remarcações foram necessárias: a professora de educação artística ficou de licença e nesse caso a professora titular ficava com a turma no horário dessa aula; algumas aulas de educação física não aconteceram porque a professora faltou; no horário dessas aulas a professora tinha reunião com a coordenação; a própria professora faltou por motivo de doença. Em um dos dias agendados a

professora pediu para remarcar porque estava sem condições emocionais para conceder entrevista (tinha participado de uma reunião de conselho e estava angustiada). A princípio a professora achou que seria apenas uma sessão de entrevista, apesar de eu ter explicado como seria o processo já no primeiro dia, e quando percebeu que seriam três sessões de entrevista ficou bastante contrariada (mas não se recusou a colaborar). É preciso ressaltar também, que mesmo tendo explicado que a pesquisa era parte do processo de doutoramento, que eu já era formada em Pedagogia, o tempo todo fui confundida com uma estagiária. Isso não seria tão problemático se atrelado ao fato não houvessem expectativas relacionadas a um estágio, então em vários momentos tive que explicar que eu estava coletando dados para uma pesquisa.

Na época da coleta de dados, ou seja, em 2013, o município contava com 20 escolas que contemplando os anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo 13 apenas do primeiro ao quinto ano e 7 do primeiro ao nono ano. Foi selecionada para este estudo uma escola, a qual recebeu para fins de estudo o nome fictício de Escola Municipal Alfa. Essa escola oferecia ensino regular do primeiro ao nono ano e educação de jovens e adultos dos anos iniciais e finais. Oferecia ainda atendimento educacional especializado e atividades complementares nas áreas de artes, cultura e educação patrimonial; esportes e lazer; cultura digital (inclusão digital) e

acompanhamento pedagógico (reforço escolar)5. Segundo dados do Censo Escolar de 2013 a

escola contava com 443 alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental regular. As aulas dos anos iniciais aconteciam no período matutino (das 7 às 11 horas).

A região na qual está localizada a escola é atendida por outros serviços públicos: outra escola de ensino fundamental (1º ao 9º ano), um Centro de Atividades Educacionais Comunitárias (CAEC), uma Unidade Básica de Saúde, um posto da Polícia Militar e uma Cia. da Polícia Ambiental. Além disso o local conta com supermercados, feira-livre, igrejas, padarias, peixaria, pet-shop e um pequeno shopping, que conta com lanchonetes, terminais bancários, lojas de roupas e artigos para presentes e cinema. As residências da região são predominantemente de um ou dois andares e há poucos prédios de apartamentos. O entorno escolar é uma região predominantemente marcada por casas simples, mas bem conservadas. Há serviços públicos essenciais como coleta de lixo e fornecimento de água e energia elétrica. As ruas são todas asfaltadas ou calçadas com blocos.

A escola Municipal Alfa foi a selecionada para esse estudo por conta de vários fatores. O primeiro deles é sua localização estratégica na cidade. Seu entorno é – como pode ser visto no parágrafo anterior – atendido pelos mais variados serviços nas áreas de saúde, educação,

5 Segundo dados do Censo Escolar 2013, publicados pelo INEP. Consulta no site: http://www.dataescolabrasil.inep.gov.br/dataEscolaBrasil/home.seam acessado em 10/2/2014.

segurança e cultura. Dessa forma, considera-se que tais serviços sejam de acesso aos alunos e professores da escola também, configurando assim um desenho peculiar para a trama social e cultural da escola. Além disso, a localização geográfica da escola Alfa, permite o acesso a alunos de diferenciadas áreas da cidade desde os residentes muito próximo à escola com uma infraestrutura residencial razoável, até os que não moram longe da escola, mas se afastam um pouco do entorno, e residem em áreas bastante precárias quanto aos serviços básicos (essa na verdade é uma característica marcante em todo o município, conforme já foi apontado anteriormente, mas a escola Alfa é um ícone dessa característica uma vez que condensa em si essa particularidade). Culturalmente, há certa tradição da escola entre os moradores do município e especificamente entre os que residem em suas proximidades. É uma escola bastante conhecida por todos os residentes na cidade.

A escola apresentava bom estado de conservação, inclusive estava passando por algumas pequenas obras na época da pesquisa, sobretudo troca do piso e pintura. Os muros externos eram pintados com dois tons de verde, estilo padrão das escolas municipais. Não havia pichações ou intervenções de outro tipo nos muros da escola.

A sala de aula observada era uma típica sala de aula escolar. Configurava-se como um retângulo com paredes pintadas de duas cores, sendo a metade superior branca e a metade inferior azul escuro. Possuía piso cerâmico branco relativamente novo em bom estado de conservação. O forro do teto era de madeira e pintado de marrom escuro. Todas as pinturas estavam em mediano estado de conservação. A sala tinha janelas altas e grandes, estilo vitrô, limpas e em bom estado de conservação. As janelas eram guarnecidas com cortinas estilo varão, azuis estampadas, medianamente conservadas e não muito funcionais (os varões estavam tortos com o peso das cortinas e passavam a imagem de improviso).

Quanto aos móveis, a sala era equipada com mesa e cadeira para o professor situadas à frente da classe e cadeiras e mesas em bom estado de conservação para os alunos dispostas em fileiras e em número suficiente para atendê-los. Havia um armário atrás da mesa da professora do tipo utilizado para guardar computadores e a classe era equipada com um projetor de multimídia fixado no teto e com ventiladores de parede que apesar de estarem funcionando não refrescavam muito a temperatura nos dias de verão.

Percebiam-se vestígios de ação em todos os espaços da sala, tais como mesas rabiscadas, papéis amassados espalhados pela classe, lixo de apontador e bastante areia no chão, porque a escola estava em obras então havia muita areia espalhada pelo piso.