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2. DESENHANDO PERFIS: MUNICÍPIO, ESCOLA, PROFESSORA E ALUNOS

2.3. A professora participante do estudo

Neste item são apresentados alguns dados relevantes para desenhar um perfil da professora que aceitou participar do estudo. Os dados foram extraídos do questionário e das entrevistas realizadas. A professora não pode ser escolhida pela pesquisadora, isso não foi permitido pela coordenação da escola. Após a autorização da diretora, a coordenadora definiu quem seria a professora sujeito da pesquisa, apenas atendendo à solicitação da pesquisadora de ser uma professora de quarto ano. A abordagem da professora foi feita no pátio da escola, no momento de entrada em classe dos alunos após o recreio. A professora escolhida para a pesquisa já ocupou cargo de coordenação por 15 anos e no momento da pesquisa estava novamente em sala de aula. O nome utilizado é fictício para proteger a identidade da professora.

Antes de apresentar os dados oriundos do questionário, cabe apontar alguns elementos importantes: o questionário foi entregue para a professora no primeiro dia de observação das aulas, portanto no dia 24 de outubro de 2013 e somente foi devolvido respondido pela professora em 09 de dezembro de 2013, mesmo com várias cobranças por parte da pesquisadora. Mesmo com esse tempo, a professora entregou o questionário com várias questões em branco, respondido a lápis, como se houvesse um receio de dar respostas definitivas. Violeta deixou de responder sua idade, data de conclusão do seu curso de especialização, várias questões sobre a escolaridade dos seus pais, avós e cônjuge, além da questão que versava sobre o trabalho exercido pelos familiares. As questões eram de pouca complexidade e todas elas apresentavam a opção de resposta “não sabe”, mas mesmo essa opção não foi assinalada, fato interpretado pela pesquisadora como negativa de resposta pela pesquisada.

A professora Violeta nasceu em Santos/SP e sempre residiu nessa cidade. Leciona nos períodos matutino e vespertino na rede municipal do Guarujá. Primogênita de uma família com três filhos, é casada e mora com esposo e dois filhos que já não estão mais em idade escolar. É a principal provedora da família que possui uma renda média mensal de três salários mínimos. Reside em apartamento próprio em área urbanizada. Na infância, morou com os tios dos 2 aos 14 anos, e nesse núcleo familiar era a mais novinha pois seus primos eram todos adolescentes. Teve uma infância marcada por brincadeiras variadas, com espaço amplo para executá-las, uma vez que morava em casa e não em apartamento. Teve acesso frequente a livros, jogos de lógica e estratégia, revistas e jornais, pois sua família costumava comprar esses itens. Sua família frequentava clubes e igrejas assiduamente. O pai de Violeta foi filho único, sua mãe é a quinta filha da família e seu esposo o terceiro filho.

Para as análises feitas ao longo dessa tese, vale destacar essa peculiaridade da vida familiar de Violeta: o fato de ter vivido com os tios dos 2 aos 14 anos de idade. Nesse período o contato com seus pais e irmãos era esporádico, apenas nas reuniões familiares em que todos iam para a casa da avó ou quando faziam piqueniques nos períodos de férias. Sendo assim, apesar de ser primogênita, Violeta cresceu como sendo a caçula entre seus primos. Durante toda a sua infância cresceu em meio a adolescentes e adultos. Essas informações foram surgindo aos poucos nas entrevistas e tiveram que ser bastante exploradas para possibilitar o entendimento da história familiar da professora. Foi extremamente importante explorar essas informações nas entrevistas, pois apesar de várias perguntas do questionário cercarem esse universo da infância, essa peculiaridade somente surgiu na ocasião das entrevistas.

Com relação à sua vida escolar, Violeta cursou tanto o ensino fundamental quanto o médio em escolas públicas, sendo o ensino fundamental cursado no período matutino e o ensino médio no período noturno porque Violeta quis trabalhar ainda adolescente. Ambos os níveis de ensino foram cursados no sistema regular de ensino. Nunca foi reprovada na época escolar e seus pais eram bastante exigentes com relação aos estudos assim como os tios também. É formada em Pedagogia, com especialização em supervisão escolar e cursou o magistério em nível médio no Colégio Canadá, na cidade de Santos/SP. Ser professora não era sua primeira opção, na verdade Violeta queria ser veterinária, mas como à época não havia curso de Medicina Veterinária em Santos e seu pai não autorizava sua saída de casa para estudar, escolheu cursar Pedagogia. Esse fato apresentou-se marcado em vários momentos das entrevistas, a frustração de Violeta em não ter sido veterinária ficou extremamente evidente. Isso apareceu muitas vezes até mesmo como justificativa para sua decepção na docência, pois Violeta elaborou sua trajetória na profissão como alguém que não pertence ao campo, ou pelo menos alguém que não gostaria de pertencer ao campo educacional.

Em sua família, Violeta possui primas que são também professoras, mas ela foi a primeira a optar pela profissão. Em 2013 estava com 34 anos de exercício do magistério, lecionando a maior parte do tempo nas classes de primeiro ano do ensino fundamental.

Com relação ao nível de escolaridade seus pais cursaram até o ensino secundário quando se organizava em ginásio e colegial e seus avós paternos e maternos cursaram até a antiga quarta série do antigo ensino primário. Seu esposo possui o ensino médio completo.

As atividades culturais mais presentes na vida da professora são visita a exposições, clubes e igrejas e a assistência a filmes em cinemas ou DVDs. Violeta costuma ler jornal e revistas, frequenta bibliotecas, gosta de fotografar e pintar, desenhar ou esculpir. Das atividades culturais listadas na questão, Violeta declarou ir uma vez por semana à igreja, a exposições e

também diz assistir a DVDs uma vez por semana. Violeta declarou ainda que vai uma vez por mês ao cinema e frequenta clubes. É interessante observar que a professora disse frequentar clubes uma vez ao mês. Essa é uma prática já em desuso na cidade; por muito tempo foi símbolo de prestígio social, mas atualmente perdeu seu caráter efetivo e simbólico para alguns grupos sociais.

Por muito tempo os clubes sociais foram, na cidade de Santos, um importante lócus para estabelecimento, fortalecimento e expansão de redes de relações sociais com o qual os agentes podiam contar para a ampliação do volume de seu capital social como uma das estratégias de reprodução de seu grupo. Desde os clubes formados e frequentados pelas famílias mais tradicionais, passando pelos clubes de regatas (frequentados pelas camadas medias), até os clubes de categorias profissionais (de trabalhadores portuários e servidores do comércio, por exemplo), todos constituíam o espaço das relações sociais: durante a semana, cursos nas mais variadas modalidades esportivas; nos finais de semana, lazer ao longo do dia, festas, bailes e shows, madrugada adentro. Cada qual atendendo a grupos bem definidos e garantindo às famílias a circulação de seus filhos nos meios almejados.

Como expressão de todo um conjunto de fatores que alterou significativamente o mapa socioeconômico e das relações sociais – apreensível não apenas em nível local, mas também numa análise macrossocial – os clubes, aos poucos, foram perdendo sua vivacidade e importância no cenário da cidade. Após longo trajeto em curva descendente, hoje, alguns poucos clubes mantêm-se funcionando, com grandes dificuldades financeiras, fruto de sucessivas crises administrativas e de uma reconfiguração do próprio espaço social e simbólico. (REIS, 2014, p. 77)

Em contrapartida, 14 das atividades culturais listadas na questão não são realizadas pela professora, pois foram assinaladas como nunca frequentadas ou realizadas. É importante analisar essa informação tendo em vista o município de residência da professora. Há inúmeras possibilidades de participação na vida cultural do município de residência de Violeta. Mesmo possuindo certa característica provinciana, Santos/SP conta com 5 cinemas sendo 3 deles com várias salas; teatros, inclusive com peças exibidas no SESC-Santos; com pouco ou nenhum custo; pinacotecas; museus de vida marinha; espaços como orquidário e aquário; além de eventos realizados pela Secretaria de Cultura na orla da praia e nas praças públicas. Obviamente a vida cultural do município não se iguala à metrópole paulistana, mas não pode ser classificada como escassa ou pobre. E mesmo nessas condições a professora alega nunca ter ido a um museu ou a shows de música, por exemplo. Ressalta-se ainda que mesmo a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) realiza – por meio do programa OSESP Itinerante – apresentações anuais na praia do Gonzaga em Santos.

Uma das questões apresentadas à professora perguntava a frequência de algumas atividades como assistir à TV, leitura de jornais e revistas, prática de atividades físicas, uso da internet, uso de bibliotecas, desenho e pintura, dentre outras. Violeta relatou ler jornais, frequentar a biblioteca, fotografar e desenhar ou pintar diariamente; entretanto, ao ser

questionada sobre quais jornais ou revistas lia deixou a questão sem resposta.

Com relação às brincadeiras de infância, Violeta relatou brincar sempre de escolinha, casinha, amarelinha, pega-pega e outras brincadeiras de correr e bicicleta, patins e skate. Pelo caráter simbólico que possui a brincadeira, durante as entrevistas Violeta foi questionada sobre brincar de escolinha. Ansiosamente, a professora respondeu que brincava direto de escolinha com os primos. Disse que a tia possuía uma lousa presa à parede a qual era usada pelas crianças para brincar. Afirmou, ainda, categoricamente, sempre executar o papel de aluna e nunca o de professora porque gostava de ser a mais inteligente. O que se depreende disso é que mesmo ao lembrar de suas antigas brincadeiras de infância, Violeta recusa o papel de professora, a docência para ela nunca se apresentou como atrativo ou prazeroso.

A professora Violeta é uma mulher de meia idade – a julgar por sua aparência física e pelo tempo de magistério (34 anos de exercício docente) – com aproximadamente 1,60m, apresenta algum sobrepeso e mantém os cabelos (cacheados) bem curtos e sem tintura. Está sempre bem cuidada, porém sem vaidade ou artefatos de adorno (maquiagem, joias, acessórios). Não utiliza perfumes marcantes. Tem gestos lentos e tranquilos que muitas vezes parecem exercer uma oposição ao seu discurso, mas que se forem bem analisados representam o quanto a professora contém suas emoções. Fala sem mover muito os lábios ou exagerar nas expressões faciais. Sua voz é anasalada e muitas vezes não se ouve claramente o que diz. Não gosta de ser tocada – segundo declarações suas em entrevista – e os alunos sempre se aproximam dela sem a tocar.

No período de observação Violeta estava atuando em uma turma de quarto ano no período matutino, contando com 35 alunos matriculados. Na maior parte das vezes Violeta dividia o tempo das aulas entre sua mesa de trabalho e a lousa e pouquíssimas vezes circulou entre os alunos pela classe. Para um observador atento, ficava nítida uma linha dividindo dois territórios: o da professora e o dos alunos. Permitia a aproximação física dos alunos, algumas vezes a fomentava solicitando a presença dos alunos em sua mesa com os cadernos para correção das atividades. Seu meio de expressão mais marcante para com os alunos foi o olhar, muitas vezes duro e de desaprovação. Seus gestos mostraram-se resumidos e suas aulas (as que foram observadas) não contemplavam explicação pública da lição.

Era evidente a sua insatisfação com a postura dos alunos e das famílias em relação à educação. Essa insatisfação foi manifestada verbalmente e não-verbalmente em vários momentos de observação das aulas, seja se dirigindo à pesquisadora e reclamando dos fatos ou repreendendo os alunos. No primeiro dia de observação, a professora dirigiu-se à pesquisadora com um discurso revoltado diante do pouco interesse pelos estudos demonstrado pelos alunos

e pelas famílias e culpando o Governo Federal pelo seu programa de benefícios sociais. Nesse dia, o discurso da professora foi acompanhado de uma postura corporal muito rígida, dentes cerrados e olhos lacrimejantes.

Em todos os dias de observação e de entrevista (e também naqueles em que a pesquisadora foi à escola, mas a professora por motivos diversos não pode atendê-la) Violeta demonstrou cansaço, desânimo, irritabilidade e tristeza. É quase desnecessário dizer que a convivência em sala de aula com os alunos refletia esse comportamento.