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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Luizana Rocha Migueis Ferreira da Silva

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Luizana Rocha Migueis Ferreira da Silva

Corpos de professores: um tema quase ausente mas

fundamental sobre o aprendizado simbólico da docência.

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

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PUC/SP

Luizana Rocha Migueis Ferreira da Silva

Corpos de professores: um tema quase ausente mas

fundamental sobre o aprendizado simbólico da docência.

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de doutora em Educação: História, Política, Sociedade sob orientação da Profa. Dra. Alda Junqueira Marin.

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BANCA EXAMINADORA:

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Todos os grupos confiam ao corpo, tratado como uma memória, seus depósitos mais preciosos. (BOURDIEU,

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Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

RESUMO

A presente pesquisa tem como origem algumas reflexões realizadas a partir da minha pesquisa de mestrado e de algumas observações feitas no decorrer de minha prática docente em um curso de Pedagogia. Essas reflexões induziram a uma hipótese de elaboração simbólica da docência e aos poucos foram sendo delimitadas até se chegar à ideia do corpo como principal via dessa elaboração simbólica. Destaca-se a relevância desta pesquisa diante da pequena quantidade de estudos nacionais realizados a respeito do corpo do professor, principalmente diante da lacuna existente no campo de produção de dissertações e teses de estudos sociológicos sobre o corpo do professor. Em decorrência disso e das análises produzidas durante o levantamento bibliográfico, propõe-se como problema de pesquisa: De que forma o corpo dos professores (das séries iniciais do Ensino Fundamental) externaliza esquemas práticos de ação característicos da função docente? O estudo qualitativo, realizado em uma escola municipal de ensino fundamental da cidade de Guarujá, teve sua coleta de dados realizada em 2013 e utilizou como instrumentos de coleta de dados a observação sistemática, questionários e entrevistas. O referencial teórico adotado foi Pierre Bourdieu e seus conceitos de habitus, hexis, símbolo e corpo. Outros autores trouxeram colaborações fundamentais para o estudo como David Le Breton e seus estudos sociológicos sobre o corpo, entre outros autores da área educacional. Os principais resultados obtidos neste estudo apontam para: o apagamento do corpo como meio de atuação em sala de aula na percepção do professor; o corpo como instrumental para o exercício da coerção e do preconceito; a incorporação de disposições para a ação docente já na socialização primária do professor, tendo grande força para orientar a prática docente e o reforço das disposições obtidas na socialização primária no decorrer do período escolar e no cotidiano da prática docente.

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Education: History, Politics, Society. Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2015.

ABSTRACT

This research has its origin on reflections based on my Masters degree results and on some observations made during my teaching practice in a Pedagogy course. These reflections led to a hypothesis of a symbolic elaboration of teaching, and they have, little by little, been outlined until we reached the idea of the teacher’s body as the main mean of this symbolic elaboration. We highlight the relevance of this research due to the limited amount of national studies related to the teacher’s body, and specially the existing gap in the field of dissertations and theses, regarding the sociological yardsticks, of the teacher’s body in class. As a consequence of this and of the analysis developed during the literature review, we propose this main problem statement: In which way do the bodies of teachers (from the first years of Primary School*) externalize practical pedagogical plans of action, typical of the teaching process? The data-gathering of this study – based on a qualitative perspective of analysis – was developed in a Primary public city school in Guarujá (São Paulo State – Brazil) occurred in 2013, and used as tools the systematic observation, questionnaires, and interviews. The leading theoretical frame of reference adopted was Pierre Bourdieu and the concepts of habitus, hexis, symbol, and body, as he conceived them. Other authors brought significant contribution for this research, as David Le Breton and his sociological studies about the body, amongst other authors in the educational field. The main results obtained from this study point to: the erasure of the body as means of performing in classes, in the teacher’s perception; the body as a tool for coercion and prejudice; the embodiment of dispositions for teaching since the initial socialization of the teacher, which has a great power of orienting the teaching practice in the school routine, and the reinforcement of the dispositions derived from the initial socialization during school time and during the teaching practice. These dispositions are displayed by an hexis filled with symbolisms, based on an ethos that permeates all the way of life and the profession of teaching.

* Education levels in Brazil differ from the North American and the English. We refer here to the first nine years of basic education.

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Aos meus pais, grandes incentivadores deste meu projeto de vida. A eles minha eterna gratidão pela educação recebida, pelo capital cultural disponibilizado a mim desde a mais tenra idade e por sempre acreditarem que o conhecimento é válido sob quaisquer circunstâncias.

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Sempre acho que essa é uma das etapas mais difíceis do trabalho acadêmico: a de agradecer. Sim, porque é justamente neste momento que tomamos consciência da finalização de uma etapa com o fechamento do material escrito para a defesa da tese. Também difícil porque as palavras são sempre insuficientes para expressar nossa gratidão por tanta gente que merece ser agradecida. E também porque surge instantaneamente o medo de esquecer um ou outro agradecimento, sim porque nesse momento os neurônios já estão cansados da árdua tarefa quase concluída. De todo modo seguem os meus sinceros e afetuosos agradecimentos:

... ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro;

... à Secretaria de Educação do Município do Guarujá por autorizar a coleta de dados nas escolas municipais;

... à minha orientadora professora Dra. Alda Junqueira Marin, que com sua indiscutível e já legitimada competência profissional guiou minha caminhada na pesquisa aqui apresentada, sem com isso deixar de lado o carinho e a compreensão nos momentos tão difíceis pelos quais passei nessa trajetória;

... aos professores do programa pelas inestimáveis contribuições sempre presentes seja nas aulas, seja nas conversas de corredor, seja nos cafés;

... às professoras da banca de qualificação, professora Dra. Luciana Giovanni e professora Dra. Paula Vicentini pela riqueza das contribuições apresentadas;

... à secretária do programa, Betinha, exemplo de compromisso, ética e profissionalismo; ... aos meus amigos e colegas de disciplinas pela partilha de conhecimentos e de risadas, ah e de angústias também;

... à querida Renata Lages pela troca de conhecimentos e pela partilha de sonhos e do vício da leitura;

... à querida Ana Valéria Thomaz da Silva por nunca me deixar desistir mesmo nos momentos mais doloridos e difíceis e por ouvir delicada e pacientemente minhas queixas e angústias;

... à minha querida tia Ana Maria por sua presença sempre constante em toda a minha trajetória profissional, dando apoio e torcendo pelas minhas conquistas;

... aos meus amigos, não muitos, mas especiais, pela torcida e comemoração a cada pequena conquista obtida: Caçula, Benise e Patrícia;

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Lista de siglas ... 11

Lista de quadros ... 12

Lista de figuras ... 13

INTRODUÇÃO ... 14

1. ESCULPINDO O OBJETO DE PESQUISA: PERCURSOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS ... 19 1.1. A problemática na concepção do objeto ... 19

1.2. Enfim, que objeto é esse e como pesquisá-lo? A escolha da abordagem teórica e a construção dos instrumentos de pesquisa ... 28 1.2.1. Os instrumentos de pesquisa ... 41

1.3. A cientificidade na abordagem do objeto ... 43

2. DESENHANDO PERFIS: MUNICÍPIO, ESCOLA, PROFESSORA E ALUNOS 48 2.1. O Município escolhido ... 48

2.2. A escola selecionada ... 52

2.3. A professora participante do estudo ... 56

2.4. Os alunos da Escola Alfa ... 60

3. O CORPO COMO OBJETO DE COERÇÃO: O PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO E EXTERNALIZAÇÃO DE REGRAS ... 62 3.1.As regras no contexto familiar ... 63

3.2. As regras no período escolar ... 67

3.3. As regras no contexto profissional ... 73

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4.3. A negação/aprisionamento no contexto profissional: as disposições em ação .. 91

5. O CORPO ALVO DE PRECONCEITOS: PADRÕES E ESTEREÓTIPOS INTERNALIZADOS ... 99 5.1. O preconceito corporal ... 100

5.2. O preconceito racial ... 104

5.3. O preconceito socioeconômico e de lugar ... 105

5.4. O preconceito de gênero ... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 118

ANEXOS ANEXO I – Quadro de Palavras e expressões-chaves utilizadas para levantamento bibliográfico no Banco de Teses e Dissertações da Capes ... 123 ANEXO II – Questionário ... 124

ANEXO III – Registros de observação ... 133

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LISTA DE SIGLAS

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SEADE: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

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LISTA DE QUADROS

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Postura corporal da professora Violeta ... 79

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INTRODUÇÃO

Dois pilares fundamentais sustentam a origem desta pesquisa: os estudos realizados e os resultados obtidos na pesquisa de mestrado e a minha atuação como formadora de professores em um curso de Pedagogia. Em minha pesquisa de mestrado1 busquei entender um

pouco mais sobre o processo de socialização dos professores durante sua formação inicial, exatamente porque me sentia atraída pela vontade de desocultar as tramas que regiam as movimentações e organizações dos professores no seu próprio processo de formação inicial. Parte do meu problema de pesquisa consistia em identificar quais fatores estariam envolvidos na organização dos processos grupais durante a formação inicial desses professores. O estudo realizado foi de natureza empírica e utilizou-se de teste sociométrico e questões projetivas como instrumentos de coleta de dados. Foi possível identificar diversos fatores intervenientes na constituição e manutenção de grupos entre os professores sujeitos da pesquisa. A relevância dos estudos sobre os processos grupais para entender o próprio processo de socialização dos professores em formação inicial ficou evidente. Dentro do referencial teórico utilizado, o principal conceito fundamentador das análises foi o conceito de habitus de Pierre Bourdieu.

O segundo pilar para o nascimento desta pesquisa foi minha experiência como formadora de professores (desde agosto de 2004) ter chamado a atenção para aspectos talvez menos explícitos desse processo de formação inicial. São aspectos relacionados às formas de apreensão e mesmo de elaboração de perfis docentes, de significação da função docente.

Percebi que havia indícios de uma acentuada elaboração simbólica da docência; minha hipótese – elaborada no decorrer da minha trajetória como docente – apontava para uma elaboração, uma incorporação simbólica do “ser professor”, um processo que teria como base um aprendizado tácito da docência, um aprendizado que não é objeto de reflexão nem daqueles que aprendem nem daqueles que ensinam. Seria algo sutil, operando por meio de códigos culturalmente estabelecidos e incorporados durante as trajetórias de vida dos professores.

Essa seria, então, a origem da pesquisa, algo que vem sendo problematizado por mim desde a finalização do mestrado – em 2007 – a princípio com contornos muito tênues, mas cada vez mais se consolidando como objetivo de vida profissional. O estudo desenvolvido no doutorado esteve intimamente ligado ao meu trabalho na formação de professores e entender

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um pouco melhor esse processo, tão complexo e tão importante para a própria sociedade, é objetivo de minha vida profissional.

Assim, procurei organizar as principais questões iniciais, sobretudo as que se referiam ao corpo dos professores, por meio do qual exercem a sua função. Tais questões decorrem de observações e reflexões realizadas durante a minha trajetória como formadora de professores. Vários foram os aspectos envolvidos nesse processo inicial: as avaliações que eu fazia da minha própria prática e as avaliações recebidas dos alunos; a observação da atuação dos colegas de trabalho; os relacionamentos interpessoais dentro do grupo de professores do qual eu fazia parte; as comparações que eu realizava entre os comportamentos dos professores de diferentes cursos de graduação; os relatos trazidos pelos meus alunos acerca dos estágios supervisionados; as imagens da docência elaboradas pelos meus alunos ao iniciarem o curso de Pedagogia e aquelas manifestadas no decorrer do curso; as imagens da docência trazidas pelos alunos de ensino médio à universidade durante os eventos de informação profissional2; enfim, as fontes

iniciais foram muitas até que eu começasse a traçar um frágil esboço do que pretendia pesquisar. Uma problemática inicial pareceu ser possível de ser delimitada no âmbito dos estudos sobre professores em contexto de interação social vividos no interior da escola. Entender o que acontece no interior da escola apresentou-se como um campo de estudos altamente promissor, aumentando as chances de revelar o movimento da vida que acontece dentro da escola, ou seja, o objetivo não foi apenas permanecer na superfície da escola, mas sim mergulhar na sua dinâmica, na sua vida, por meio do estudo dos seus agentes conhecidos como professores.

O eixo norteador nesse conjunto para os estudos iniciais que auxiliassem a definição posterior foi a de detectar a discussão possível sobre as práticas docentes tomadas pelo que exprimem em seus corpos. Para tanto foram feitas leituras iniciais de pesquisas e de autores destacados sobre esse amplo foco. As leituras centrais iniciais foram pouco frutíferas, tanto em dissertações e teses quanto em artigos conforme apontado posteriormente. Assim os trabalhos de Pierre Bourdieu, Gimeno, Le Breton, Sommer, Bertherat e Bachelard foram os que permitiram gradativamente tomar consciência da complexidade e profundidade do tema a ser enfrentado.

As obras, várias, de Bourdieu (2001, 2003, 2004a, 2004b) foram fundamentais para o domínio amplo do conhecimento sobre a constituição social dos agentes, centrais para o estudo

2 A Universidade na qual eu trabalhava realiza anualmente o Programa de Informação Profissional (PIP). O

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e retomados constantemente sobretudo em todos os detalhes da composição e estruturação do habitus nas diversas circunstâncias vitais. Gimeno (1999) e Le Breton (2012) concorrem com noções que se agregam às anteriores negando a naturalidade da existência das ações e a relevância das marcas deixadas de ações diversas nos ambientes sociais, a coletividade de tais ações que se tornam práticas sedimentadas. Na obra Espaço pessoal, Sommer (1973) apresenta os limites invisíveis do espaço em que nos movemos, que nos tolhem, mas também definem posicionamentos diante de outros e Bertherat (2010) que auxilia também no entendimento da opressão dos ambientes e as possibilidades do corpo e do cérebro.

Essas leituras também foram dirigindo o foco para a necessidade de estudos e atenção à construção detalhada do objeto de estudo científico caminhando, então, a algumas considerações de Bachelard (2005).

Essas leituras realizadas convergiram para uma perspectiva crítica que levou ao delineamento do foco a ser investigado, qual seja, a atuação docente tentando identificar e analisar aspectos fundamentais relativos aos corpos dos professores, sem pensar em prescrições de condutas, mas localizando relações sobre o uso desse corpo no desempenho de suas funções. Com tal pressuposto, com a perspectiva das Ciências Sociais alguns outros pontos já ficaram delimitados:

 Focalizar o objeto necessariamente deve considerar o contexto social no qual a trama das relações estabelecidas no interior da escola é construída;

 Ter o corpo como objeto de estudo significa a obrigação de captar mensagens muito sutis, as quais nem sempre seguem a mesma linha do discurso pronunciado que escapam da compreensão dos seus agentes;

 A ideia de sujeito não cabe na pesquisa, por motivos de concepção teórica: um deles é a não localização da pesquisa nem no polo do objetivismo nem tampouco no polo do subjetivismo, observando-se, então, a nomenclatura agente.

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deslocamento físico do professor. Ficou evidenciado com o levantamento bibliográfico que existe uma lacuna no conhecimento sobre como o corpo do professor – socialmente considerado – é elemento essencial da prática docente. Espera-se que os dados trazidos nesta tese possam instigar o desenvolvimento de um entendimento diferenciado da prática docente, um entendimento fundado numa abordagem relacional da escola, que enxergue a escola como agente primordial na intricada teia das relações sociais, uma escola que mais do que conjunto de mentes é uma fábrica – na maior parte das vezes artesanal – de corpos e com isso favorecer melhor educação pública à população.

Para obter tais informações certamente a observação da prática e a interlocução com professores foi fundamental. A pretensão era a de identificar as atitudes e condutas de professores na sua função na condução do processo educativo. Essa não foi tarefa fácil, exigindo esforços anteriores para delimitar bem o objeto e construir instrumentos adequados para obter rigor na condução do estudo.

À intenção inicial de ter vários professores, entretanto, se contrapôs a dura realidade de fazer pesquisa nas redes escolares. A obtenção da anuência foi muito dificultada e o estudo teve um redirecionamento para apenas uma docente, fato que permitiu aprofundamento, conforme relatado nos capítulos.

Nessa construção constante do objeto houve, então, a necessidade de conduzir a problematização de outro modo sem perder o foco inicial. Assim o problema central da pesquisa pode ser apresentado da seguinte forma:

De que forma o corpo de professor das séries iniciais do Ensino Fundamental externaliza esquemas práticos de ação característicos da função docente?

Para atender a essa problematização a ideia foi a de buscar como objetivos:

a) Identificar gestos, toques, olhares, entonações de voz, vestuários e formas de deslocamentos físicos e ocupação do espaço da sala da aula expressas pela docente.

b) Reconstruir disposições veiculadas de ethos e incorporadas pela professora no decorrer de sua trajetória de vida (familiar, escolar, profissional, sociocultural) por meio de entrevistas intensivas de rememoração.

c) Mapear dados indicativos da incorporação de facetas da hexis corporal no decorrer da trajetória docente, por meio da triangulação entre os dados oriundos da observação sistemática da rotina escolar e os oriundos das entrevistas de rememoração.

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e) Sintetizar, por meio da triangulação dos elementos trabalhados nos objetivos anteriores, indicativos do reforço de disposições para a ação características da docência no decorrer da trajetória de vida (familiar, escolar, profissional, sociocultural) da professora.

Para atender a essas intenções e responder ao questionamento definiu-se como conjunto de hipóteses as seguintes assertivas:

 existe uma linguagem corporal característica da prática docente, adequada ao contexto escolar e tacitamente compreendida e aceita por agentes envolvidos no processo educativo;

 essa linguagem corporal constitui-se como um conjunto pleno de simbolismos muito bem orquestrado – sem que haja um regente para isso – de gestos, toques, olhares, tonalidades vocais, vestuários e movimentações típicos da prática docente e pautados por valores;

 essa linguagem corporal característica da prática docente é aprendida e incorporada no percurso de vida e trajetória escolar do docente, inclusive no tempo em que ele ocupava o espaço simbólico de aluno, e é condição exigida ao agente para que seu pertencimento ao campo seja legitimado;

 essas condutas constituem o habitus dos docentes com parcelas fortes manifestas de ethos e hexis durante o exercício profissional.

A partir do estabelecimento dessas bases foi dedicado um período às análises prévias desse objeto de interesse realizando pesquisas e caracterizações do estudo, acertando os pontos norteadores para entrada no campo empírico. Este é o foco do primeiro capítulo.

A seguir, o segundo capítulo traz as informações sobre essa entrada no campo empírico e o descreve para que o leitor tenha informações necessárias do que vem a seguir.

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1. ESCULPINDO O OBJETO DE PESQUISA: PERCURSOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS.

“Antes de qualquer coisa a existência é corporal.” (LE BRETON, 2012, p. 7)

O presente capítulo tem a finalidade de apresentar como o objeto de pesquisa foi sendo aos poucos esculpido3 tendo como matéria-prima fundamental minha experiência como

docente, as dissertações e teses produzidas no campo educacional e minha formação teórica e os embates com a empiria docente sempre sob observação. Para tanto apresento a seguir alguns dados do levantamento bibliográfico realizado e dos estudos teóricos realizados neste programa de estudos pós-graduados em educação.

1.1. A problemática na concepção do objeto.

Os primeiros esboços do objeto de pesquisa surgiram de observações e reflexões anteriores, como já apontado, desde muitos anos na realização profissional e de pesquisa. Inquietou-me a forma como o corpo do professor era visto seja de forma declarada ou tacitamente, como os professores incorporavam, no sentido mesmo de tornar corpo, a docência e como essa docência se fazia corpo por meio dos professores. O primeiro passo dado para aproximação acadêmica ao foco foi a busca por produções de dissertações e teses nacionais e artigos publicados nos periódicos científicos e anais de congressos. O principal descritor para a busca foi o corpo e toda a relação estabelecida entre corpo e docência e seus aspectos simbólicos. Além desse descritor, optou-se por investigar também as relações entre comunicação não-verbal e docência, como forma de ampliar as possibilidades de aproximação ao tema.

Desse trabalho resultou um total de 2717 dissertações e teses que apresentavam expressões ou palavras-chaves indicativas da temática que envolve a relação do corpo com a educação e/ou os aspectos simbólicos que permeiam tal relação; nem sempre essa relação se mostrava presente nos trabalhos após a triagem, conforme é apontado a seguir. (Ver quadro no anexo 1).

3Utilizo o termo “esculpido” porque penso que o processo aproxima-se mesmo da ação de esculpir uma obra de

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Após a primeira triagem a partir dos títulos foram selecionados 175 resumos, os quais puderam ser organizados em quatro grupos, sinteticamente resumidos a seguir:

Corpo, etnia, gênero, e, sexualidade, é um bloco de trabalhos que contempla aspectos relacionados à questão da corporeidade com a busca de uma visão holística do corpo, evitando a cisão corpo/razão e das histórias de vida registradas nos corpos; aspectos referentes à etnia e gênero, desde implicações do gênero dos professores na prática pedagógica às elaborações históricas e sociais da profissão docente como pertencente ao gênero feminino; e aspectos relacionados à sexualidade, tratando temas referentes à elaboração da sexualidade de professores e alunos no contexto escolar, orientação sexual na escola e homossexualidade na escola.

No bloco relativo a representações e percepções do corpo, currículo e controle encontram-se trabalhos que contemplam aspectos relacionados às representações e percepções do corpo seja das representações que os professores possuem a respeito do corpo do aluno ou do corpo humano em geral, seja das percepções que os docentes possuem do seu próprio corpo; estão aspectos relacionados ao currículo escolar, tanto dos cursos de formação de professores quanto dos currículos da escola básica e o enfoque destinado ao corpo nesses currículos; e, por fim, encontraram-se aspectos relacionados ao controle e disciplinamento dos corpos na escola, tanto em abordagens históricas da educação quanto em abordagens sociais.

Em um terceiro bloco foi possível agrupar textos sobre linguagens do corpo, cultura e simbolismo. Nesse conjunto de dissertações e teses são abordadas as diferentes linguagens corporais e suas manifestações na educação seja enfatizando aspectos comunicacionais, seja privilegiando o corpo em movimento, tanto nas artes quanto na educação física, na dança, no teatro e nas artes em geral; abordam-se, também, aspectos culturais relacionados ao corpo e o simbolismo por meio do qual o corpo desenvolve-se social e culturalmente e se comunica.

O quarto e o menor grupo de trabalhos relaciona o corpo com a educação por meio do tema corpo e mal-estar docente. Aqui são abordados aspectos do adoecimento do corpo do professor tanto nas perspectivas biológicas quanto na perspectiva psicológica.

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Dentro desse grupo que aborda a linguagem corporal no processo de ensino-aprendizagem pode ser destacada a dissertação de Fabrin (2006) a qual buscou investigar as contribuições da linguagem corporal para a educação escolar e como tem sido a efetivação ou não dessa prática. Para isso, Fabrin realizou uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto além daquilo que ela denominou de sondagem do campo. Alguns pontos merecem ser comentados aqui como a leitura que os professores (neste caso, do Ensino Fundamental I) fizeram da expressão corporal dos alunos. A grande maioria dos docentes alegou “perceber quando um aluno não está bem pela expressão facial, corporal e o simples fato de tocá-lo com carinho melhora seu astral, sua postura.” (FABRIN, 2006, p. 52).

Ao analisar os dados da sua pesquisa, Fabrin apontou, com relação aos docentes, a intenção corporal sempre positiva para estimular os alunos, buscando um clima favorável no ensino e na aprendizagem. (FABRIN, 2006, p. 59)

Realmente, os depoimentos dos professores pesquisados denotaram esse interesse, entretanto a pesquisadora percebeu uma dissociação entre o discurso e a prática docente; pois ao observar algumas aulas desses docentes identificou o que denominou como uma atitude repressiva para com os alunos, o que ficou evidente em trechos do trabalho que retratavam: os professores exigindo que os alunos permanecessem quietos ao terem visita ou formassem fila no corredor para trocarem de sala ou irem para o intervalo; em algumas aulas a repressão ocorreu quando não se permitia que o aluno manifestasse sua dúvida, solicitando que ele não atrapalhasse a aula, sentasse direito, virasse para a frente; alunas ficaram isoladas no fundo da sala por conversarem muito, denotando castigo imposto pela professora e não a escolha das alunas; alunos que aguardavam quietos a próxima atividade; ao terminarem faziam fila para esperar os colegas e balançavam o corpo, demonstrando talvez, impaciência; professores chamavam a atenção dos alunos pelas brincadeiras que faziam na aula e pediam para voltarem a se concentrar na lição. (FABRIN, 2006, p. 60)

As duas referências anteriores sobre comportamentos de professores e alunos indicam divergência entre a prática e a manifestação verbal do docente. Apesar daqueles professores saberem qual o discurso socialmente aceito e considerado adequado, suas práticas exprimiam um outro discurso, um velho conhecido de todos os que já frequentaram a escola. Ousa-se dizer que essas práticas são práticas socialmente construídas, resultado de um longo processo de acumulação e reprodução, aquilo que configura nos agentes o que Bourdieu denominou de

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Percebe-se ainda que os alunos também possuíam um bom conjunto de disposições já adquiridas – destaque-se o fato de serem alunos do Ensino Fundamental I ainda – pois seus corpos obedeciam a certos preceitos seja por terem visita na escola, ou por já estarem acostumados com a rotina daquela escola.

A autora concluiu sinalizando a falta de embasamento teórico sobre o assunto por parte dos professores, afirmando que eles “desconhecem autores que possam aproximar a linguagem corporal à educação escolar” (FABRIN, 2006, p. 78). Diante desse desconhecimento, a autora indicou algumas questões importantes para que sirvam como sugestões aos docentes em suas práticas. Entretanto, cabe questionar: quais as limitações desse conhecimento da linguagem corporal e sua efetivação em sala de aula com o intuito de melhorar o processo de ensino-aprendizagem? Trata-se de uma tarefa árdua uma vez que pesa do outro lado da balança um conhecimento prático já solidificado na história das práticas escolares e que é incorporado por todos os que já ocuparam os bancos escolares. Talvez seja necessário, antes de qualquer outra tentativa de mudança, conhecer melhor essa prática já incorporada pelos agentes do processo educativo.

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Uma das professoras entrevistadas por Lorenzoni – foram sujeitos dessa pesquisa professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental – ao ser questionada acerca do caráter indissociável do corpo e da voz do professor em sala de aula aponta que “corpo e voz estão na sala de aula o tempo inteiro e revelam a paixão ou a falta de entusiasmo, de envolvimento que o professor possui pelo próprio conteúdo que trabalha.” (LORENZONI, 2007, p. 75). Nesse momento, a professora entrevistada por Lorenzoni recordou de uma professora de História que teve no final do Ensino Fundamental, uma professora “encantadora, embora rígida com a disciplina. Encantadora justamente porque fazia os alunos viajarem e se encantarem com a matéria a partir da paixão que emanava quando falava sobre o conteúdo.” (LORENZONI, 2007, p. 75).

Algumas reflexões podem ser feitas a partir desse relato: o que os professores lembram dos professores que já tiveram? Quais aspectos são mencionados nessas lembranças? Como o corpo daqueles professores é lembrado? Talvez esses sejam indicativos importantes para tentar mapear as trajetórias escolares dos professores, na tentativa de reconstrução dessas trajetórias visando ao entendimento de suas práticas atuais. Um exemplo significativo disso pode ser extraído da pesquisa de Lorenzoni (2007, p. 88) quando ao observar a aula de uma das professoras entrevistadas a pesquisadora percebeu uma modificação na atitude corporal da docente ao mudar do conteúdo de matemática para língua portuguesa. Ao trabalhar com conteúdos de língua portuguesa, o movimento do corpo foi utilizado com ênfase para a fixação das letras (na justificativa da professora). Uma das conclusões a que chegou a pesquisadora é a de que “a falta de consciência dos professores sobre o corpo e a voz está atrelada ao fato do corpo não ser visto como possibilidade expressiva.” (LORENZONI, 2007, p. 113). Mais ainda, a autora afirmou que:

Existe uma relação automatizada com o corpo e com a voz, quase um agir impulsivamente. Isso torna-se evidente nos relatos que expõem que as professoras usam o corpo, mas nunca param para pensar e analisar como isso ocorre, como se constituem as significações desses instrumentos, e de que forma incidem sobre suas práticas docentes em sala de aula.” (LORENZONI, 2007, p. 113)

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Logicamente essas não são questões menos importantes, entretanto penso que a falta dessa análise sociológica sobre a prática docente torna o conhecimento menos dinâmico e mais acusador, qual seja, daquele tipo que busca os culpados por determinadas situações; um conhecimento que pouco avança e que talvez tenha seus reflexos na indeterminação da função docente nas políticas para a formação de professores e, consequentemente, nos currículos dos cursos de formação.

Rosa (2009) também realizou um estudo muito interessante sobre a interação entre professores e alunos de quinta série, com foco em como os alunos significam os signos não-verbais emitidos pelos docentes no contexto de sala de aula. Com abordagem da psicanálise e da linguística, Rosa estudou as significações dadas pelos alunos aos signos não-verbais emitidos por meio do olhar, do gesto, do toque, do olfato, da entonação de voz, do vestuário e de deslocamento físico do professor em sala de aula. A ideia de “corpo como expressão de sentido e de afeto” (ROSA, 2009, p. 14) permeou todo o trabalho, entretanto a autora não perdeu de vista que “toda a enunciação é determinada pelas relações sociais” (ROSA, 2009, p. 37) e que “as relações de poder traduzem-se de forma transfigurada nas relações de sentido, as quais variam de acordo com a herança sociocultural dos sujeitos.” (ROSA, 2009, p. 44). Um ponto diferencial importante a ser destacado é que Rosa – devido ao seu referencial teórico – trabalhou com o conceito de signo e na minha pesquisa utilizei o conceito de símbolo. São conceitos afins porém muito distintos, é preciso ter-se clareza de tal distinção, todavia os dados apresentados por Rosa foram de extrema contribuição para a construção do meu objeto de pesquisa. A afetividade e o desejo são, portanto, indutores tanto do processo de expressão não-verbal do professor quanto do processo de significação da expressão por parte do aluno na pesquisa de Rosa. Não foi esse o olhar que almejei para minha pesquisa, mas os pontos que destacarei a seguir são indicativos para uma reflexão por outras perspectivas dos dados levantados pela pesquisadora.

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ou aquele olhar? Os professores utilizam da mesma forma o olhar para controle ou incentivo da turma? Quais são as marcas sociais que esse olhar do professor carrega?

Uma característica chama bastante atenção quando são observados os quadros nos quais Rosa (2009) organizou os relatos dos alunos separados nas duas categorias (de facilitadores ou inibidores da interação): com relação ao olhar a quantidade de relatos classificados na categoria de inibidores da interação é expressivamente maior do que os classificados na categoria de facilitadores da interação. Seria isso apenas resultado da maior significação dos alunos para aspectos repressivos do olhar ou seria indicativo da maior gama simbólica de olhares repressivos dos docentes? A situação se inverte quanto o aspecto analisado é o toque: há uma quantidade muito maior dos relatos classificados na categoria de facilitadores da interação do que aqueles classificados como inibidores da interação. Tal fato indica o quê? Será que na lógica da prática docente estaria já incorporado um conhecimento indicativo da proibição de toques que inibam a interação por ser fato associado a todas as discussões feitas a respeito dos castigos corporais operados pela escola de períodos anteriores e a legislação atual a respeito do assunto?

Outros questionamentos semelhantes podem ser feitos a partir da leitura dos dados apresentados por Rosa os quais contribuíram para minha pesquisa, mas os já apresentados foram suficientes para apontar alguns caminhos na construção do objeto no início.

Além dos trabalhos apontados anteriormente, outras dissertações e teses apresentaram alguns indícios de abordagem da temática, entretanto ou não desenvolviam a temática de fato ou percorreram caminhos que se distanciam muito do que se pretendia com esta pesquisa. Desta forma, o diálogo realizado acima considerou os trabalhos que apresentaram maior contribuição para a minha pesquisa.

A leitura de alguns artigos científicos também colaborou para a construção do objeto de estudo próprio da minha pesquisa. O trabalho do Araújo (2004) foi particularmente interessante porque tratou das “condições e percepções dos/as professores/as sobre seu próprio corpo no exercício da docência, no desempenho do magistério.” (ARAÚJO, 2004, p. 1). O trabalho de Araújo situou-se a partir de dois eixos teóricos importantes: um deles a respeito da própria concepção de corpo – e para isso, a autora fundamentou-se em Merleau-Ponty; e o segundo eixo tratou do que se entende por condição docente. O segundo é o eixo que mais interessou para esta pesquisa devido às discussões e mapeamentos que a autora realizou em seu artigo.

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teórico central adotado, a saber, a teoria sociológica de Bourdieu, mas é importante perceber que Araújo considerou tanto o contexto social quanto o cultural ao falar dos professores e isso é um qualificador positivo para a realização de sua pesquisa. Entretanto, penso que o aspecto de maior relevância na pesquisa de Araújo para o delineamento do meu objeto de estudo foi a análise que a autora fez dos aspectos e circunstâncias que singularizam o trabalho do professor. A autora chamou esses aspectos de três ordens de circunstâncias, a saber: a relação professor/aluno; o lócus privilegiado do trabalho docente (escola) e a experiência do tempo na vida dos professores.

Pensar nessas particularidades do trabalho docente é de suma importância quando se pretende estudar justamente os possíveis esquemas práticos – manifestos na linguagem corporal – característicos dos professores. Ora, o corpo do professor emite gestos e utiliza-se de toda uma linguagem simbólica nas situações de comunicação com os alunos, ou seja, no contexto da relação professor/aluno. Essa comunicação acontece situada num local específico chamado escola, o qual contém regras e um código de condutas próprio e característico dessa instituição. Além disso, e talvez um dos aspectos mais importantes, a incorporação dessa hexis corporal transcorre no decorrer de um tempo, ou seja, na trajetória de vida desses professores; isso porque ao trabalhar buscando seguir a linha teórica de Pierre Bourdieu, balizada pelo modo de pensar relacional e histórico, é fundamental investigar as trajetórias percorridas por esses professores, nas quais se deu o processo de incorporação dos esquemas de ação característicos de suas práticas. Essas três ordens de circunstâncias delineadas por Araújo são a principal contribuição para pensar em como tais circunstâncias fazem-se presentes na hexis corporal docente pautada por ethos igualmente adquirido e sedimentado no percurso.

Os professores investigados por Araújo apresentaram, em sua maioria, uma concepção dualista entre corpo e mente, ou seja, ao serem questionados a respeito da percepção do próprio corpo, os docentes fizeram uma distinção muito bem delimitada entre corpo e mente e apontaram que o trabalho docente exige muito mais da mente, do intelecto do que do corpo. Essa percepção dualista entre corpo e mente traz consequências para a prática docente, fato que por sua vez tem interferências nos modos de ser e estar na docência.

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Dourado et al denunciaram uma “relativa ausência da temática” (2008, p. 135) além da predominância do tratamento dicotômico dado ao corpo. Como campo de estudo, a Educação Física é a que domina a maior parte das produções sobre o corpo no país, entretanto os autores destacaram que

Ela também segue a linha de discussão na questão da fragmentação do corpo, já que atende às necessidades formativas gerenciadas para a saúde – o tratamento do corpo como algo a ser zelado, a busca e permanência da manutenção –, e em outros momentos fragmenta para depois unir. (DOURADO et al, 2008, p. 143)

Pode-se inferir que a fragmentação do corpo, a cisão entre corpo e mente, ou entre corpo e intelecto é fator comum tanto nos direcionamentos das pesquisas quanto no depoimento dos professores, como aqueles apontados por Araújo. O que se percebe é que o corpo tem lugar – na área de educação – mais demarcado na Educação Infantil, simplesmente quando pensa-se no desenvolvimento da motricidade da criança pequena; mas a situação fica crítica quando o foco são os outros níveis de ensino, uma vez que o cognitivo impera como preocupação. Esse fato agrava-se ainda mais porque o corpo nunca deixa de estar presente no processo educacional, é pelo corpo que se aprende, o cognitivo simplesmente é impossível sem o corpo, por ser parte dele. Ou seja, apesar de serem parcas as discussões sobre o lugar do corpo na educação ou na atuação docente, as marcas sociais estão sendo gravadas diariamente nesses corpos, o poder simbólico – conforme aponta Bourdieu – jamais deixa de imperar em quaisquer relações sociais. É importante ainda que se destaque o fato de o processo educativo operar pela via das relações sociais, ou seja, a escola – e tudo o que nela acontece – não está isolada de todo o contexto social por meio de uma cápsula. A vida da escola é vida social, educar antes de ser um ato cognitivo é um ato social.

E pensar que todas as relações sociais se dão pelo corpo – mesmo em pleno século XXI com as redes sociais fazendo sucesso entre os jovens, – que tal experimentar proibir as fotografias, os vídeos, as webcams nessas redes sociais? Ora, o que há de comum entre as fotografias, os vídeos e as webcams? Todos apresentam o corpo, mesmo à distância o corpo se faz presente nessas relações. Como dizia Bourdieu (2001, pp. 172-173):

Os ritos de instituição constituem apenas o limite de todas as ações explícitas pelas quais os grupos trabalham para inculcar os limites sociais, ou, o que dá no mesmo, as classificações sociais (por exemplo, a divisão masculino/feminino), a naturalizá-las sob a forma de divisões nos corpos, as hexis corporais, as disposições, das quais se sabe serem tão duráveis como as inscrições indeléveis da tatuagem, e os princípios coletivos de visão e de divisão.

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Essa compreensão da corporeidade poderá incendiar a paixão de ensinar e aprender como princípio educativo, visível nos gestos, no tom de voz, na palavra, no olhar, no silêncio, na impaciência e na quietude, no riso e no choro, no medo e na ousadia, no abraço, na proximidade e na distância.

Essa citação de Nóbrega apresenta alguns indícios muito relevantes para a identificação dos valores que compõem o ethos e hexis corporal do professor, desse corpo que age socialmente: justamente os gestos, o tom de voz, a palavra, o olhar, o silêncio, a impaciência, a quietude, o riso, o choro, o medo, a ousadia, o abraço, a proximidade, a distância, todos esses são indicativos dos esquemas de ação incorporados pelos docentes e externalizados por meio do corpo no contexto da prática docente. Captar sistematicamente esses sinais (os quais na verdade são símbolos sociais) torna possível outro desenho da docência, mais completo porque mais integrativo, no qual aquele que ensina não é apenas um cérebro que pensa, mas também um corpo que age.

1.2. Enfim, que objeto é esse e como pesquisá-lo? A escolha da abordagem teórica e a construção dos instrumentos de pesquisa.

Cabe definir aqui, o mais claramente possível depois das questões apontadas no item anterior, qual foi o objeto delineado desta pesquisa que ora se apresenta: o corpo do professor, especificamente a docência manifestada corporalmente. O enfoque foi o das ciências sociais e a teoria sociológica de Pierre Bourdieu foi o principal embasamento teórico auxiliado por outros. Trata-se então de estudar as manifestações sobre a expressão não-verbal da docência por meio do corpo do professor, preocupando-se com as questões sociológicas desse processo, ou seja, considerando os aspectos sociais inerentes aos agentes do ensino.

Ao propor um referencial teórico para sustentar a pesquisa, a intenção não foi simplesmente a de fazer uso de conceitos isolados – descontextualizando-os – de modo superficial. O intuito foi o da conscientização de que a teoria está presente já no momento de definição do objeto de estudo, pois é a teoria que direciona a perspectiva do pesquisador em todos os aspectos, desde a escolha do tema até o direcionamento metodológico para a coleta e análise de dados. Desse modo, foi de extrema importância direcionar esforços para tentar compreender e contextualizar o pensamento e a produção teórica dos autores escolhidos. O movimento que se realizou aqui pretendia, então, partir da explicitação teórica dos autores para um entendimento dos conceitos por eles utilizados, os quais fazem parte desta pesquisa.

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autor de modo a se compreender a relevância neste estudo. Sem maiores aprofundamentos históricos, nem tampouco biográficos porque esse não é o objetivo, pode-se destacar que Bourdieu viveu num período marcado pelo fim da Segunda Grande Guerra, com intensa produção acadêmica na segunda metade do século XX.

Pode-se apontar que Bourdieu apresentou um conjunto de conceitos nascido de um modo de pensar relacional que se opõe ao estruturalismo vigente no período de produção de sua teoria. A ideia extrema de que “a estrutura é um microssistema anterior à intervenção histórica dos sujeitos” (SEVERINO, 2007, p. 113) é fato que ajuda a entender porque Bourdieu utiliza o termo agente ao invés de sujeito. O termo sujeito surge de uma ideia que desconsidera o papel da história na constituição dos sistemas sociais, ideia que é combatida pelo autor em seus diversos trabalhos. A oposição ao estruturalismo fica clara seja quando Bourdieu é questionado diretamente, ou quando surge indiretamente na própria construção do pensamento expressa em seus trabalhos.

Bourdieu, ao escrever Esboço de uma teoria da prática, diz ser o mal-entendido parcial ou total a regra numa comunicação. Nesse texto, Bourdieu critica o objetivismo da linguística saussuriana, segundo a qual a língua seria um objeto autônomo, como apontado anteriormente em seu texto e diz que:

A “compreensão” imediata supõe uma operação inconsciente de decifração que só é perfeitamente adequada quando a competência que um dos agentes engaja na sua prática ou nas suas obras é igual à competência que engaja objetivamente o outro agente na sua percepção dessa conduta ou dessa obra; isto é, no caso particular em que a cifração, como transformação de um sentido em uma prática ou em uma obra, coincide com a operação simétrica de decifração. (BOURDIEU, 2003, p. 41)

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de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade de tudo o que se apresenta aos agentes na vida social. Isso significa, segundo Bourdieu (2003), uma ruptura com o modo de pensar objetivista.

Um dos pontos fundamentais para entender a teoria de Bourdieu é justamente o fato do seu pensamento não poder ser enquadrado nem no objetivismo nem no subjetivismo. Para ele, nenhuma das duas posições é capaz de explicar alguma parte do real, exatamente porque o real é relacional. É justamente por esse motivo que Bourdieu não trabalha com o conceito de sujeitos e sim de agentes; para que seu posicionamento não seja confundido com o “humanismo frouxo” como ele mesmo denomina em Coisas Ditas (2004a, p. 17).

Em Bourdieu a perspectiva relacional surge na tentativa de superar tanto o objetivismo quanto o subjetivismo. Para o autor, ambas as formas de interpretação da realidade eram

insuficientes para explicar o social. Se, por um lado, o objetivismo pecava por “transformar” os

agentes em fantoches da estrutura, em simples bonecos que agiam conforme a situação dada; por outro lado, o subjetivismo pecava por atribuir às práticas o simples caráter de escolha individual. Superar essas duas visões redutoras do social era uma questão crucial para Bourdieu. Pode-se dizer que esse objetivo configura-se como uma disposição do autor a marcar todo o processo de elaboração de sua sociologia. A síntese dessa superação pode ser entendida então como a perspectiva relacional de análise do social, qual seja, a obrigação do sociólogo de jamais deixar de considerar em seus estudos tanto a força da estrutura presente nas práticas dos agentes quanto a historicidade desses agentes, todo o conjunto de disposições para agir acumulado pelo agente em seus diferentes processos de socialização. É nesse contexto que Bourdieu elabora o conceito de habitus, característica fundamental de toda a sua teoria e que, por assim dizer, marca a originalidade de sua obra.

Bourdieu elabora assim a teoria da prática, como ruptura e superação tanto do conhecimento objetivista como do conhecimento fenomenológico. Em Esboço de uma teoria da prática, o autor defende como modo de conhecimento válido do mundo social o conhecimento praxiológico, o qual

[...] tem como objeto não somente o sistema de relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade. (BOURDIEU, 2003, p. 40)

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dos conceitos de habitus e de campo em O poder simbólico (BOURDIEU, 2004b) torna-se evidente a necessidade do cuidado que o pesquisador deve ter ao escolher os conceitos com os quais trabalhará em sua pesquisa, trata-se de exercer o que Bourdieu chama de “vigilância epistemológica”, porque um conceito como o de habitus, por exemplo, carrega em si um posicionamento muito bem definido no campo da teoria.

Neste sentido, por exemplo, a noção de habitus exprime sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência social se encerrou, a da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo e do mecanicismo, etc. (BOURDIEU, 2004b, p. 60).

Em Esboço de uma teoria da prática Bourdieu (2003, pp. 53-54, grifo do autor) apresenta a definição do conceito de habitus como:

Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizada de um regente.

Mediante essa explicitação é possível entender que todo agente atua na vida social por meio de um habitus que o dota de certos esquemas mentais e corporais os quais o predispõe a perceber, pensar, sentir e agir desta ou daquela forma. Na vida prática, os agentes (dotados de um certo habitus) deparam-se com inúmeras situações e, na relação dialética entre a situação e o agente, o habitus organiza as ações deste sem que para cada ação seja necessário um mecanismo exaustivo de tomada de consciência, reflexão e decisão. Isso só é possível porque o habitus é, como disse Bourdieu (2003, p. 58) “história feita natureza”, ou seja, história da qual já se esqueceu a gênese. Nesse sentido falar que o habitus é disposição incorporada é totalmente cabível, uma vez que ao ser incorporada a disposição passa a fazer parte do “corpo”, da natureza do agente.

O habitus está no princípio de encadeamento das “ações” que são objetivamente organizadas como estratégias sem ser de modo algum o produto de uma verdadeira intenção estratégica (o que suporia, por exemplo, que elas fossem apreendidas como uma estratégia entre outras possíveis). (BOURDIEU, 2003, p. 54, grifo do autor)

Essa ideia central nos conceitos de Bourdieu em que o habitus se compõe de hexis e

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no interior da escola. Entender que ação educativa não é o mesmo que prática educativa, mas que a ação contém a prática e a prática contém a ação é, do ponto de vista da pesquisa em educação, um salto qualitativo. Ora, a prática é institucionalizada, cultural, coletiva, mas somente pode ser vista por meio da ação, que é pontual, individual, pertence ao agente. Segundo Gimeno (1999, p. 73) “é preciso incorporar essa dupla lógica em modelos bidimensionais ou bidirecionais nos quais ação e estrutura são inseparáveis: a ação está situada, e a situação é afetada pela ação; suas dinâmicas não são independentes.” A prática é a ação, ou melhor, o conjunto de ações tornadas cultura, ou seja, a prática é o acúmulo da experiência coletiva no tempo, tem continuidade temporal, tem tradição e força de perpetuação, mas também inclui em si a possibilidade de ajustes, o que é sempre de caráter coletivo.

Neste trabalho, denominaremos prática da educação, em sentido estrito, a essa cultura compartilhada sobre um tipo de ações que têm relação com o cuidado, o ensino e a direção de outros. Ela é constituída por conhecimentos estratégicos, conhecimentos sobre esses saberes e motivações e desejos compartilhados. (GIMENO, 1999, p. 73) A prática é, então, sinal de saber fazer composto de formas de saber como, ainda que ligado também a crenças, a motivos e valores coletivos, afirmados e objetivados com marca impessoal. Essa marca é cultura intersubjetiva e objetiva, expressa em ritos, costumes, sabedoria compartilhada, instituições, espaços construídos para educar, formas de vida dentro de organizações escolares, estilos de fazer em contextos sociais e históricos, orientações básicas e papéis estáveis. Alunos, pais e professores, especialistas e políticos encontram essa marca como condição prévia à ação. (GIMENO, 1999, p. 74, grifo do autor)

Fica evidente nos excertos citados a complexidade do conceito de prática educativa, qual seja a ideia de que essa prática tem história, foi sendo consolidada no tempo e no espaço e jamais poderia ser entendida se dissociada do contexto. A ideia somente fica completa quando se entende o que constitui então a ação educativa e, portanto, qual seria o papel do agente educativo na execução da ação e na perpetuação da prática.

A ação deixa sinais, vestígios e marcas naqueles que a realizam e no contexto interpessoal e social no qual ocorre; gera efeitos, expectativas, reações, experiência e história, porque, como afirma Arendt, tem a condição de ser indelével. Este é o princípio que nos leva a compreender a prática como algo que é construído historicamente, já que cada ação traz consigo a marca de outras ações prévias. (GIMENO, 1999, p. 70)

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também a prática educativa, naquilo que a ação tem de invariante. Explicando melhor: ao encontrar o invariante nas ações de diferentes docentes, o pesquisador encontra pistas da prática educativa, ou como foi explicado anteriormente, dessa ação tornada cultura. Assim, se a perspectiva do pesquisador for castradora da realidade, se essa análise for cega às relações que a escola mantém com todo o contexto social, cultural, político, econômico, sempre por meio dos seus agentes, o resultado analítico dessa realidade será sempre enviesada, tendenciosa e aleijada em sua mensagem.

A ação do ensino não pode ser isolada do contexto no qual ocorre, não mais no sentido de que estejam condicionadas por um ambiente social e cultural geral afastado, mas por estarem ligadas de maneira imediata a determinações que têm influência sobre a ação. (GIMENO, 1999, p. 93).

A prática é, dessa forma, o resultado da relação dialética entre determinada situação e um habitus (BOURDIEU, 2003) que além de ser individual é social, pois é esse contexto que o gera. Sendo assim, para agir em determinadas situações, o agente elabora suas ações tendo como base um conjunto incorporado de estratégias que funcionam como esquemas de ação; trata-se de um modo de ser, perceber, sentir e pensar, já incorporado e que se exterioriza por meio da ação do agente. Tais estratégias (as quais são ao mesmo tempo subjetivas – porque já incorporadas pelos “sujeitos”, e objetivas – porque são resultado de todo um processo de acumulação social) possibilitam uma correspondência entre as ações e as situações. “O habitus

é a mediação universalizante que faz que as práticas sem razão explícita e sem intenção significante de um agente singular sejam, no entanto ‘sensatas’, ‘razoáveis’ e objetivamente orquestradas.” (BOURDIEU, 2003, p. 65)

É nesse sentido do habitus, como mediação universalizante e das estratégias de ação como esquemas já incorporados pelos agentes, que Bourdieu elabora o capítulo intitulado “o conhecimento pelo corpo”, publicado em sua obra Meditações Pascalianas (2001). A evidência do corpo como a forma de ser no mundo foi ressaltada por Bourdieu com alto grau de importância.

A relação com o mundo é uma relação de presença no mundo, de estar no mundo, no sentido de pertencer ao mundo, de ser possuído por ele, na qual nem o agente nem o objeto são colocados como tais. [...] Aprendemos pelo corpo. A ordem social se inscreve nos corpos por meio dessa confrontação permanente, mais ou menos dramática, mas que sempre confere um lugar importante à afetividade e, mais ainda, às transações afetivas com o ambiente social. [...] As injunções sociais mais sérias se dirigem ao corpo e não ao intelecto, o primeiro tratado como um “rascunho”. (BOURDIEU, 2001, p. 172, grifo do autor)

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salas de aulas são os professores agindo na totalidade de sua materialidade. Se o aprendizado ocorre pela via corpórea, torna-se impossível pensar em uma dissociação entre corpo e intelecto, aliás essa dissociação é produto cultural, é algo enraizado no ocidente, mas que possui sérios efeitos. Na mesma direção de Bourdieu, Le Breton (2012), ao elaborar uma “sociologia do corpo” aponta que:

Moldado pelo contexto social e cultural em que o ator se insere, o corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída: atividades perceptivas, mas também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, etc. Antes de qualquer coisa a existência é corporal. (LE BRETON, 2012, p. 7)

Culturalmente há uma tendência de prevalência da ideia de posse de um corpo, ou seja, de um corpo que pertence a um intelecto ou a uma alma; entretanto é de suma importância pensar que essa ideia não é universal – muitas culturas não separam o corpo da mente e até mesmo não separam o corpo da natureza como um todo. A perspectiva desta pesquisa é a do corpo como estado social, do corpo como “o” agente e não como “do” agente. Não é uma tarefa fácil e exatamente por tal dificuldade é que se apresenta aqui uma discussão a respeito do assunto. Segundo Le Breton (2012, p. 32):

O corpo não existe em estado natural, sempre está compreendido na trama social de sentidos, mesmo em suas manifestações aparentes de insurreição, quando provisoriamente uma ruptura se instala na transparência da relação física com o mundo do ator (dor, doença, comportamento não habitual, etc.)

Em decorrência do que já foi discutido até aqui, cumpre dizer que a análise desse corpo, que se manifesta simbolicamente, deve ter característica relacional – como destacado no início desse item – mais ainda, uma perspectiva que considere a história social desse corpo justamente porque é por meio de sua trajetória que esse corpo apreende os esquemas de ação e torna-se capaz de agir em consonância com o seu contexto. É fundamental destacar a necessidade dessa análise social do corpo, jamais esquecer de enxergar esse corpo dentro de um contexto dada a impossibilidade de descolamento do corpo do tecido social que o contém. Ao relacionar o

habitus com o corpo, Bourdieu (2001, p. 191) aponta que:

Pelo fato de que o social também se institui nos indivíduos biológicos, existe muito de coletivo em cada indivíduo socializado, entendendo-se por isso propriedades válidas para uma classe inteira de agentes – que a estatística permite trazer à luz do dia. O habitus entendido como indivíduo ou corpo biológico socializado, ou como social biologicamente individuado pela encarnação num corpo, é coletivo ou transindividual – pode-se então construir classes de habitus, estatisticamente caracterizáveis.

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O mundo me abarca, me inclui como uma coisa entre as coisas, mas, sendo coisa para quem existem coisas, um mundo, eu compreendo esse mundo; e tudo isso, convém acrescentar, porque ele me engloba e me abarca: é de fato por meio dessa inclusão material – frequentemente desapercebida ou recalcada – e de tudo que dela decorre, ou seja, a incorporação das estruturas sociais sob a forma de estruturas de disposições, de chances objetivas sob a forma de esperanças e de antecipações, que acabo adquirindo um conhecimento e um domínio práticos do espaço englobante. (BOURDIEU, 2001, p. 159)

Ao abarcar o agente, o mundo exige esse aprendizado corporal; para ser incluído entre as coisas do mundo faz-se necessário incorporar esquemas de ação socialmente constituídos. Ser um corpo implica ocupar um espaço definido e delimitado no todo social – do qual nem sempre se tem consciência, mas sempre se tem correspondência, caso contrário a exclusão é o resultado – e realizar, por meio dessa “localização” o processo que Bourdieu chama de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade. É interessante notar que a interioridade exteriorizada já foi um dia a exterioridade interiorizada. Esse processo de interiorização e de exteriorização decorre por meio do simbólico. O próprio espaço social que se ocupa é simbólico, trata-se de um conjunto de lugares simbólicos a serem ocupados pelos agentes. O social opera por meio do simbólico. Ousa-se dizer que o simbólico é a linguagem por excelência do corpo; são os esquemas práticos tornados símbolos que operarão no processo comunicacional, no processo de ser no mundo.

Os símbolos são os instrumentos por excelência da “integração social”: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação (cf. a análise durkheimiana da festa), eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração “lógica” é a condição da integração “moral”. (BOURDIEU, 2004b, p. 10, grifo do autor)

O mundo só tem sentido porque os agentes são capazes de compreender tacitamente a linguagem do simbólico aprendida desde pequenos. A realidade não se transforma num todo desconexo e caótico porque está estruturada por meio do simbólico e os agentes que ocupam os espaços sociais dessa realidade são capazes de ler tacitamente esse simbólico e operar fazendo uso dos símbolos como instrumentos.

Os “sistemas simbólicos”, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências”. (BOURDIEU, 2004b, p. 9)

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confusas e impraticáveis – sem que para isso seja necessário realizar uma reflexão dos motivos e desejos alheios. É com base em estruturas já incorporadas, e transformadas em esquemas práticos de ação, que os agentes decodificam as emissões realizadas pelo outro, seja num discurso verbal ou em linguagem corporal expressa por meio de gestos, olhares, tonalidades de voz. Pode-se inferir que quanto mais os esquemas práticos incorporados entre os agentes envolvidos no processo se assemelhem, e a teoria bourdieusiana define muito bem os fatores envolvidos nessa semelhança, mais o processo comunicacional é eficaz. Nesse sentido, Bourdieu critica a “ingenuidade” das perspectivas interacionistas e aponta:

Contra todas as formas do erro “interacionista” o qual consiste em reduzir as relações de força a relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que, como o dom ou o potlach, podem permitir acumular poder simbólico. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação [...] (BOURDIEU, 2004b, p. 11)

Ou seja, os sistemas simbólicos cumprem sempre uma função política, no sentido de que configuram relações de poder, jamais simplesmente relações ingênuas de comunicação. Quanto menor a consciência dos agentes das “escolhas” e “decisões” tomadas no momento da ação, maior a força de perpetuação das estruturas sociais incorporadas e transformadas em sistemas de ação. O que se pretende destacar é que quanto mais tácito – o que significa dizer mais automático, mais imediato – um gesto, um olhar, um toque, uma entonação de voz, um vestuário, um deslocamento físico como aponta Rosa (2009), mais ele fala desses sistemas simbólicos, mais ele denota o poder simbólico exercido pelo agente. Tentar captar essas estruturas no contexto das relações estabelecidas no cotidiano escolar torna-se altamente significativo uma vez que apresenta grandes possibilidades de compreensão do tecido social vivo da escola, das tramas que se estabelecem sempre com uma razão de ser muito bem definida mas muito mal percebida pelos seus agentes.

Uma visão quase corporal do mundo que não supõe qualquer representação nem do corpo nem do mundo, e menos ainda de sua relação, imanência ao mundo pela qual o mundo impõe sua iminência, coisas para fazer ou para dizer, que comandam diretamente o gesto ou a fala, o senso prático orienta as “escolhas” que mesmo não sendo deliberadas não são menos sistemáticas, e que, mesmo não sendo ordenadas e organizadas em relação a um fim, não são menos portadoras de uma espécie de finalidade retrospectiva. (BOURDIEU, 2009, p. 108)

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da “finalidade retrospectiva”. As reflexões realizadas nesta pesquisa quando se dialogou com o trabalho de Lorenzoni (2007) ganharam destaque, ou seja, buscar por meio de entrevistas com o professor quais as suas lembranças sobre os professores que já teve pareceu ser altamente esclarecedor, pois muito provavelmente essas lembranças apresentarão indícios dessa “finalidade retrospectiva” da qual falava Bourdieu (2009).

Um professor é colocado em situações que não são de todo desconhecidas para ele – mesmo que não tenha nenhuma experiência como docente acumulada anteriormente – no sentido de que como aluno já vivenciou situações semelhantes (evidentemente ocupando outro espaço simbólico: o de aluno) e algumas disposições foram já incorporadas devido a essas situações vividas. Tal fato torna o ponto de vista altamente estimulante, basta pensar para isso que:

Todas as ordens sociais sistematicamente tiram proveito da disposição do corpo e da linguagem para funcionar como depósitos de pensamentos diferidos, que poderão ser desencadeados à distância e com efeito retardado, pelo simples fato de recolocar o corpo em uma postura global apropriada para evocar os sentimentos e os pensamentos que lhe são associados, em um desses estados indutores do corpo que, como é de conhecimento dos atores, provocam os estados de alma. (BOURDIEU, 2009, p. 113)

É nesse “estado de alma” que a força simbólica atua – cabe destacar a inconsciência do processo por parte dos agentes nele envolvidos – e a via corporal é talvez a via por excelência dessa força.

A eficácia simbólica poderia encontrar seu princípio no poder que dá sobre os outros, e especialmente sobre seu corpo e sua crença, a capacidade coletivamente reconhecida de agir, por meios bem diversos, sobre as montagens verbo-motores mais profundamente ocultas, seja para neutralizá-las, seja para reativá-las fazendo-as funcionar mimeticamente. (BOURDIEU, 2009, pp. 113-114)

Imagem

Figura 1: Postura corporal da professora Violeta.
Figura 2: Imagem representativa das aulas da professora Violeta

Referências

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