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CANAIS ASSÍNCRONOS

2.1 A Escolha do Paradigma e da Metodologia de Pesquisa

A opção pelo paradigma crítico de pesquisa ocorreu como consequência do meu processo de desenvolvimento e constituição profissional, que partiu da prática e chegou à teoria, apoiado na necessidade de compreender realidades da prática docente em relação ao conhecimento acumulado ao longo do tempo e sistematizado na teoria. Está também apoiada na busca de ferramentas de pesquisa que colocassem em diálogo os saberes teóricos e práticos como forma de construção conjunta do conhecimento. Enfim, um paradigma que possibilitasse uma metodologia de intervenção no contexto de pesquisa com foco em sua compreensão e transformação pelos participantes.

No contexto educacional considero o equilíbrio no olhar para a relação teoria- prática como fundamental. Concordo com Magalhães (1992/2006, p. 50), quando afirma que a ênfase na teoria sem a reflexão sobre a prática dificulta que o professor compreenda suas experiências e suas ações quando em contexto de formação. Por outro lado, a ênfase na prática dissociada da teoria impede que ele reflita e compreenda a sua ação em curso.

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Diante desse desafio, a PCCol apresenta-se como um dos métodos de pesquisa em Linguística Aplicada (LA) situado em um paradigma de pesquisa crítica e capaz de estabelecer tais discussões no contexto escolar. Ela redefine o papel do professor nas pesquisas educacionais fazendo-o sujeito e participante de todo o processo, com vez e voz, tornando-se cidadão ativo, instrumento e resultado de sua própria prática. Magalhães (2003/2006, p. 148) considera que “a pesquisa colaborativa emergiu como um novo modo de intervir na prática, dando aos participantes, anteriormente objetos de pesquisa, um papel ativo de construtor de conhecimento”.

A PCCol iniciou sua construção a partir de 1990, quando a pesquisadora Maria Cecília Camargo Magalhães finalizou sua tese de doutorado com foco em uma metodologia que possibilitasse que pesquisador e professor, juntos, repensassem o currículo da sala de aula de um grupo de reforço em leitura, em uma escola americana. No Brasil, na PUC-SP, passou a liderar um Grupo de Pesquisa e a desenvolver investigação de formação de professores e gestores junto a educadores de escolas públicas. Com a colaboração da pesquisadora e sua ex-orientanda – Fernanda Coelho Liberali – formalizou e expandiu o Grupo de Pesquisa LACE9, propiciando na atualidade um consistente material teórico-prático e uma histórica de transformações e de muitas realizações.

Desde o princípio, a grande preocupação das pesquisadoras tem sido construir o quadro teórico-prático com a formação dos educadores, de forma a criar uma possibilidade de colaboração entre professores, coordenadores e pesquisadores e, atualmente, alunos, em uma relação ética e política com a formação de alunos cidadãos. Para que isso seja possível é necessário que os educadores façam escolhas conscientes e organizem o trabalho no contexto escolar; e que o pesquisador assuma o papel de coordenador, buscando “construir ZPDs que possibilitem a participação de todos na compreensão dos significados que embasam essas escolhas” (MAGALHÃES, 2009). A autora explicita que o objetivo da PCCol é

criar ZPDs como instrumento-e-resultado. Isto é, criar espaços de ação e de transformação, em que todos os participantes aprendam uns com os outros e, juntos, negociem a produção de conhecimento sobre ensino-aprendizagem e desenvolvimento, nos contextos em que trabalham. (MAGALHÃES, 2009)

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Esses espaços de colaboração crítica possibilitam que professores, coordenadores, gestores e pesquisadores relacionem suas práticas vivenciadas com a fundamentação teórica, o que permite repensar, dialeticamente, tanto a prática quanto a teoria, transformando-as. Dessa forma, espera-se que esses espaços sejam, como salienta Magalhães (1998, p. 171),

contextos em que as práticas de sala de aula e as intenções em agir de alunos, professores e/ou coordenadores e pesquisadores sejam problematizadas, compreendidas e transformadas à luz de novas informações construídas, durante trocas discursivas entre coordenadores e professores e/ou entre pesquisadores e professores/coordenadores.

No caso desta pesquisa, o espaço de colaboração entre o pesquisador e o professor se deu em sessões reflexivas a distância, por meio de uma ferramenta de comunicação síncrona de troca de mensagens. Nesse locus, pesquisador e professor, mediados predominantemente pela linguagem escrita, compartilharam práticas, evidenciaram contradições entre sentidos que construíram em suas experiências escolares e acadêmicas presenciais e a distância e ressignificaram algumas práticas e conceitos.

A PCCol, com base nas discussões vygotskianas, atribui à linguagem o papel de mediar e constituir as relações humanas, por meio de relações dialéticas e dialógicas. Seu foco está nas “relações colaborativas entre os agentes, pensadas e organizadas de modo voluntário e intencional, para a criação de reciprocidade na mútua compreensão e transformação de si e do outro, dos contextos particulares e de ação e do mundo, em práticas sócio-histórico-culturalmente produzidas” (MAGALHÃES, 2012, p. 13-14).

O processo de pesquisa crítica, tal qual aqui discutido e defendido por Magalhães (2011, p. 15), enfatiza a organização da linguagem da argumentação como possibilitadora da criação de relações colaborativo-críticas. Ou seja, de relações em que os participantes colaborem para “olhar, compreender criticamente e analisar os sentidos de suas ações, bem como por que e como agir, de forma a propiciar desenvolvimento a si e a outros”. Magalhães (2012), aponta que uma pesquisa crítica de colaboração deve, desde seu início, contemplar essas questões já postas e gerar condições para que se realizem práticas em que os participantes discutam sentidos contraditórios atribuídos ao objeto da atividade; ouçam e considerem as ações e os discursos dos outros; construam um contexto coletivo de negociação de novos sentidos; e com base nas ações dos outros repensem as suas próprias. Em suas palavras:

134 Trata-se, como aponta Engeström, de organizar a pesquisa como uma atividade de intervenção, em que a produção do objeto coletivo está em contínua expansão, pelo movimento de compreensão e de transformação das contradições reveladas pelos sentidos diversos (motivados pelas diversas constituições sócio-histórico-culturais) que os participantes atribuem ao objeto em construção (MAGALHÃES, 2012, p. 18).

Pensando a vida como o grande objeto em construção pela humanidade, seja coletivamente enquanto espécie, seja subjetivamente, como indivíduo, entende-se que não há outra forma de fazer pesquisa que não seja por intervenção. O mundo e a vida não param para o pesquisador, feito um fotógrafo pedindo uma pose, retratar para a eternidade uma imagem que nunca foi real. Desse modo, precisamos olhar o mundo, a vida e a educação como uma atividade humana, como salientam Magalhães e Liberali, (2011, p. 295), “como uma práxis, na relação dialética e histórica entre teoria (conhecimento) e prática (ação) nos contextos reais de suas práticas socioculturais, em que a historicidade tem papel importante”.

Foi nesse sentido que Magalhães observou sua realidade enquanto professora e pesquisadora, analisou o mundo à sua volta, experimentou caminhos metodológicos, submeteu seus sentidos e significados à comunidade científica e vem cunhando a PCCol como uma metodologia focada na construção de contextos de crítica e transformação voltados à constituição de cidadania. É um caminho que valoriza e considera os diversos saberes mobilizados pelos participantes de um processo educacional, uma possibilidade de construção coletiva do conhecimento, em que, como diz Magalhães (2012), todos os participantes necessitam ter voz para negociar intencionalmente as interpretações e práticas conflitantes, as teorias alienadas do contexto sócio-histórico-cultural e/ou do contexto de ação, mas que foram apropriadas ao longo da escolaridade e/ou do trabalho profissional.